quinta-feira, 25 de abril de 2013

5° Domingo da Pascoa


O amor fraterno é a meta e o método da missão.
(At 14,21-27; Sl 144/145; Ap 21,1-5; Jo 13,31-35)
(http://thumbs.dreamstime.com/thumblarge_158/1182446565kIJYqp.jpg)

No crepúsculo da vida seremos julgados pelo amor que tivermos vivido concretamente. Mas no alvorecer e no meio-dia da nossa existência, o verbo amar há de ser conjugado em todos os tempos e modos, inclusive no imperativo, mas especialmente no presente e no gerúndio. O testamento que Jesus nos deixa na Ceia e o testemunho corajoso das primeiras comunidades cristãs, nascidas da experiência da presença de Jesus ressuscitado e do amor espiritual, humano e político dos apóstolos, estão aí para que não esqueçamos disso. O amor aos irmãos e irmãs da comunidade e o amor da comunidade a todos os seres humanos e à criação inteira é a utopia que nos orienta e, ao mesmo tempo, o caminho que nos conduz a ela. Mas antes de ser substantivo e adjetivo, o amor é verbo, é ação e relação.
“Então vi um novo céu e uma nova terra.”
A meta que dá sentido à nossa vida e missão no mundo é o Reino de Deus. Os cristãos não podemos passar pelo mundo caminhando na ponta dos pés, como se tivéssemos  medo de tocar nele ou de nos contaminar. Também não podemos voltar o olhar a uma ilusória interioridade, como se não tivéssemos outra tarefa que a de salvar a própria alma. Não foi isso que Jesus Cristo fez, e não foi nisso que seus melhores discípulos e discípulas fizeram ao longo dos vinte séculos de história do cristianismo.
E nem mesmo as dificuldades – muitas e reais! – que enfrentamos um pouco em todas as latitudes podem nos levar a desistir da grande Utopia que nos faz caminhar. O terremoto da perseguição que se abatia sobre os cristãos no final no primeiro século não impediu que João visualizasse um novo céu e uma nova terra: uma cidade-sociedade santa, bela como noiva enfeitada para o casamento; a tenda da morada definitiva de Deus no coração da humanidade, que vem para enxugar nossas lágrimas.
Os cristãos precisamos pôr nossa inteligência em funcionamento para dar a esta imagem poética contornos e traços históricos e atuais: um mundo sem barreiras para os migrantes e no qual haja lugar para todos os seres humanos; um sistema econômico que respeite e preserve a criação; uma cultura amante da humanidade, da criatividade, da liberdade e da beleza; uma Igreja viva e regida pela igualdade, pela liberdade e pela comunhão; uma sociedade pautada pela justiça e pela igualdade...
“Exortaram-nos a permanecerem firmes na fé.”
A memória dos mártires de ontem e de hoje nos avisa que a tentativa de transformar o sonho em realidade pode trazer dificuldades. Depois de terem curado um paralítico e renegado qualquer mérito, Paulo e Barnabé são denunciados e perseguidos. Paulo éarrastado para fora da cidade de Listra e apedrejado, ficando quase morto. Mas isso não pode, de modo nenhum, desencorajar quem é chamado/a a ser discípulo/a e missionário/a de Jesus Cristo.
Infelizmente a peseguição não é coisa de um passado remoto. Do Iraque a El Salvador, da India ao Brasil, passando pela Nigéria, desempenhar a missão encarnando o amor e exigindo justiça no mundo concreto incomoda e se torna perigoso. Mas Paulo nos ensina que, mesmo perseguidos e ameaçados, precisamos continuar a luta, encorajando os discípulos e discípulas a permanecerem firmes na fé, partilhando com as comunidades os frutos da missão, organizando as comunidades e dotando-as de boas lideranças.
“Agora foi glorificado o Filho do Homem e Deus foi glorificado nele.”
Continua sendo verdade que o objetivo último da missão é glorificar a Deus. Mas precisamos entender bem em que consiste esta glória de Deus. No diálogo que tem com os discípulos ainda na mesa da Ceia, depois do Lava-pés e antes da traição e da paixão, Jesus diz que Deus é glorificado no amor incondicional à pessoa humana concreta. Deus é glorificado quando o Filho do Homem – todos os filhos e filhas da humanidade! – lavam os pés uns dos outros e dão a própria vida para que todos tenham vida.
Neste mesmo clima de lembrança do essencial deixado como testamento, demonstrando plena consciência do desfecho da própria vida e pensando no martírio que coroaria o amor intenso que marcou toda sua vida, Jesus declara que Deus o glorificará sem demora. Para ele, a cruz não é absurdo e ignomínia, mas a radicalização da solidariedade de Deus com a humanidade e a suprema doação de um ser humano a Deus. Por isso, é glorificação de Deus e revelação do ser humano. É nesta mesma linha que, um século mais tarde Santo Irineu afirmava que a glória de Deus é a vida do ser humano.
 “Esta é a morada de Deus com os homens...”
Para o cristão, amar não é uma opção condicionada, mas um imperativo absoluto. E, a partir da morte e ressurreição de Jesus, a medida do amor não somos mais nós mesmos. “Eu vos dou um novo mandamento. Amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amor-vos uns aos outros.” Mesmo sabendo que não estamos preparados para um tal amor, Jesus faz questão de sublinhar que este seu mandamento é novo, e que a medida que verifica o amor também é nova.
Em relação ao amor, Jesus é norma e caminho. No testamento que nos deixa, ele não pede nada para si, nem mesmo para o Pai. Pede amor ao próximo. Deus é fonte de amor pessoal e humano, é dom total de si que impulsiona em nós a capacidade de doação. Deus é amor e lealdade, e o que ele espera de nós é um amor que corresponda a este amor (cf. Jo 1,14-16). Amar é ser como ele se mostrou em Jesus Cristo: desenvolver e ativar plenamente a atitude de solidariedade e de serviço.
Prosseguindo o diálogo amistoso e mistagógico com seus discípulos, Jesus dirá: “Quem crê em mim fará as obras que eu faço, e fará ainda maiores do que estas... Se alguém me ama, guardará a minha palavra; meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada” (Jo 14,12.23). A comunidade dos discípulos e discípulas que amam verdadeiramente se torna aquela morada de Deus no mundo visualizada por João no seu Apocalipse. Este é o ponto de partida e o ponto de chegada da missão.
“Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos.”
O amor que se doa sem medidas é o dinamismo e a natureza comuns ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. E é também o que realiza a nossa união com Deus. Sem amor fraterno e amor que impulsiona à missão não há verdadeira fé na ressurreição nem vida cristã autêntica. “Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros.” Este é o critério absoluto de reconhecimento dos cristãos. O amor ao próximo e ao distante é o estatuto e a identidade da comunidade cristã.
Quem não ama, não conhece a vida e não pode oferecê-la nem promovê-la. Da experiência do amor recebido de Deus em Jesus Cristo, nasce a força e a exigência de amar com a mesma intensidade. E Jesus envia seu Espírito para que o amor não seja apenas um imperativo absoluto, mas uma força que brota do mais profundo do nosso ser, dinamiza nosso corpo e nossa inteligência  e se torna realidade em múltiplas ações concretas, em todas as esferas da vida.
O amor abre as pessoas e Igrejas aos outros e suas necessidades: a lei que as rege deixa de ser a vantagem e o interesse próprio e passa a ser a dignidade e a necessidade do outro; o que vale não é conservar e prolongar a própria vida a qualquer custo, mas torná-la semente capaz de multiplicar e dar sabor à vida dos outros. Por isso, o que identifica o/a discípulo/a de Jesus é fundamentalmente o amor, e não a fidelidade ao Papa, a ortodoxia doutrinal ou o cumprimento minucioso dos ritos prescritos.
“Eis que eu faço novas todas as coisas!”
Precisamos vencer a velha e piedosa tentação de repetir e conservar os velhos hábitos e estruturas. O Cordeiro sentado no trono diz claramente: “Eis que eu faço novas todas as coisas!” E João vê um novo céu e uma nova terra. A vida cristã não é repetição e conservação, mas criação, liberdade e invenção. Nossa missão não se limita a anunciar que Jesus é o Filho de Deus, que ele foi morto e ressuscitou. A evangelização não é discurso, mas ação que liberta e promove vida abundante.
Jesus de Nazaré, Cordeiro de Deus e missionário do Pai, expressão viva e inequívoca do verbo amar. Lavando os pés dos discípulos, inclusive de Pedro e de Judas, tu nos perguntas se entendemos o que estás fazendo. Na verdade, ainda não entendemos tudo. Por isso nos aproximamos de novo da mesa da Palavra e do Pão. Queremos contemplar teu gesto e aprender tua lição. E queremos vivê-la nos caminhos do mundo e nos cenáculos da vida, fazendo-nos tudo para todos, vivendo e testemunhando tua Boa Notícia que anima os pobres, levanta os caídos e abre os olhos aos cegos. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf

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