sexta-feira, 26 de abril de 2013

Fatos & Personagens: Garcia Marquez


Cem anos de solidão

“Atrevo-me a pensar que é esta realidade descomunal, e não apenas a sua expressão literária, o que este ano (1982) mereceu a atenção da Academia Sueca de Letras.

Uma realidade que não é a do papel, mas que vive conosco e determina cada instante de nossas incontáveis mortes cotidianas, e que sustenta um manancial de criação insaciável pleno de infelicidade e de beleza, do qual este colombiano errante e nostálgico não é mais que uma cifra assianalada pela sorte.

Poetas e mendigos, músicos e profetas, guerreiros e malandros, todos criaturas daquela realidade desaforada, tivemos que pedir muito pouco à imaginação, porque o desafio maior para nós foi a insuficiência dos recursos convencionais para tornar acreditável nossa vida. Este é, amigos, o nó da nossa solidão.

A interpretação da nossa realidade com esquemas alheios só contribuiu para fazer-nos cada vez mais desconhecidos, cada vez manos livres, cada vez mais solitários...

Não, a violência e a dor desmesuradas de nossa história são o resultado de injustiças seculares e amarguras sem conta, e não de uma confabulação urdida a três mil léguas da nossa casa.

Mas muitos dirigentes e pensadores europeus acreditaram nisso, com o infantilismo dos avós que esqueceram das loucuras frutíferas de sua juventude, como se não fosse possível outro destino além de viver à mercê dos grandes donos do mundo.

Este é, amigos, o tamanho da nossa solidão.”

(Trecho do discurso de Gabriel García Marquez, ao receber o prêmio Nobel da literatura, em 1982)

(Eduardo Galeano, O século do vento, L&PM, 2010, p. 350-351)

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