A missão brota do
encontro pessoal com Jesus ressuscitado
(At 5,12-16; Sl 117/118; Ap
1,9-13.17-19; Jo 20,19-31)
A experiência da ressurreição de
Jesus Cristo é feita em ritmo de missão. As portas da Igreja não podem
permanecer fechadas, nem por medo, nem por comodismo. A Paz que Jesus nos oferece
fazendo-se presente nas celebrações, não escondendo as marcas no seu corpo
ferido, não pode ser acolhida como um convite ao deleite e à tranquilidade. Ele
nos envia como cordeiros que arcam com o peso do pecado do mundo, que
multiplicam seus gestos de compaixão libertadora. “Assim como o Pai me enviou,
eu envio vocês.” Não lamentemos se não tivemos a graça de tocar nas mãos chagadas
de Jesus Cristo ressuscitado. Não temos necessidade disso para reconhecer os
outros como irmãs e irmãos e partir em missão, pois fazemos parte dos/as
discípulos/as felizes porque acreditam mediante o testemunho daqueles/as que
santificam o Nome de Deus porque morrem defendendo a vida, como o fizeram
nossos irmãos mártires evangélicos Martin Luther King (+04.04.1968) e Dietrich
Bohnoeffer (+09.04.1945).
“Jesus entrou e pôs-se no meio deles.”
Naquela noite do primeiro dia da
semana as portas da sala onde se encontravam os discípulos desiludidos e
assustados estavam firmemente trancadas. O ambiente externo era hostil e aquele
punhado de sonhadores cheios de ambiguidade sentia-se desamparado. A lembrança
da traição de Jesus por um dos discípulos, da negação pública de um dos
principais e da deserção de quase todos doía e envergonhava. Era noite por fora e por dentro, e nem
mesmo a Boa Notícia anunciada por Maria Madalena – “Eu vi o Senhor! – conseguia
arrancá-los daquela prostração.
A noite e aquele ambiente fechado
contrasta com a manhã luminosa e o ambiente aberto no qual Maria Madalena se encontra
com Jesus ressuscitado (cf. Jo 20,1-18). Os discípulos vivem aquela mesma
sensação de escuridão e ameaça que haviam experimentado enquanto atravessavam o
lago, depois da tentativa frustrada de transformar Jesus em rei (cf. Jo
6,16-21). Mas as trevas da noite costumam
ser proporcionais à luz da aurora que se esconde no seu ventre. Como aquela
noite na qual Deus fez vigília e iniciou a libertaòão do povo do Egito (cf. Ex
12,42; Dt 16,1).
Superando todos os obstáculos, Jesus
irrompe no meio dos discípulos. Não vem com acusações ou advertências. Os
discípulos se alegram quando Jesus, mostrando-lhes as mãos e o lado, se
apresenta como Cordeiro com o qual se
inicia a festa do êxodo libertador. “A paz esteja convosco!” Ele faz questão de mostrar as mãos nas quais
o Pai tinha posto tudo (cf. Jo 13,3); as mãos que realizaram as ações de Deus
(cf. Jo 3,36); as mãos firmes das quais nenhuma ovelha pode ser arrancada (cf.
Jo 10,28). Estas mãos simbolizam a historicidade e a concretude humana da sua
presença na comunidade de fé.
“Como o Pai me enviou, também eu vos envio.”
É a experiência de uma presença que
rompe os fechamentos e ilumina as trevas, alegra e pacifica os discípulos.
“Então, se alegraram por verem o Senhor.” Porém Jesus parece querer evitar a
tentação de uma paz que consola tanto quanto acomoda. Como Deus havia feito no
início da criação, Jesus transmite seu Sopro
aos discípulos e os constitui agentes vivificadores, sinais e instrumentos de
uma nova criação. “Então soprou
sobre eles e falou: ‘Recebei o Espírito Santo’.”
Assim, a experiência pascal é mais
que a certeza da presença de Jesus ressuscitado no seio de uma comunidade
recolhida e encurralada pelo medo de um mundo hostil ou complacente consigo
mesma. É também o êxodo corajoso e
libertador de todos os fechamentos e redis para prosseguir o caminho
trilhado por Jesus Cristo e estender sua ação em todas as latitudes. Mais
ainda: não encontraremos e não conheceremos verdadeiramente Jesus Cristo ressuscitado
enquanto não estivermos situados num
horizonte de esperança e engajados num movimento de solidariedade.
“A quem perdoardes os pecados, serão perdoados...”
É claro que não encontramos no
evento que hoje nos é narrado uma definição clara e completa da missão dos
cristãos. Mas Jesus dá algumas indicações
muito importantes: somos enviados/as como ele foi enviado pelo Pai, ou
seja, como Cordeiros que carregam o
pecado do mundo. Perdoar é libertar uma pessoa de uma carga ou fardo, de um
peso que prende e impede de viver plenamente, como Jesus fizera com a mulher
samaritana (cf. Jo 4,1-42), com aquele homem que sofria há 38 anos (cf. Jo
5,1-18), com a mulher acusada de adultério (cf. Jo 8,1-11), com o cego de
nascença (cf. Jo 9,1-41)...
Mas se trata também de, conduzidos e
fortalecidos pelo Espírito de Jesus, construir
uma comunidade de homens e mulheres que procuram romper com o espírito do mundo
e tomar distância das estruturas de pecado. Aqui o ‘pecado’ consiste em
comprometer-se voluntariamente uma ordem injusta, enquanto que a comunidade
cristã nasce como caminho e alternativa a este compromisso. Na medida em que a
comunidade de discípulos/as vive concretamente esta alternativa, as pessoas que
se opuserem a ela de forma consciente e voluntária acabam consolidando a
própria situação de pecado.
“Muitos sinais e prodígios eram realizados entre o
povo...”
A primeira expressão da missão que
brota da experiência pascal é o testemunho
de vida fraterna e solidária, diante do qual a sociedade toma posição. E a
segunda é o anúncio de que isso é
feito em nome de Jesus, “o primeiro e o último, Aquele que vive”, a pedra
rejeitada pelos construtures e escolhida por Deus como pedra principal. É em
Jesus que se fundamenta nosso novo viver e nossa irrenunciável missão. Mas a
nossa missão como cristãos não se reduz a isto.
Desde os primeiros passos
históricos, fiéis àquilo que viram e ouviram sobre Jesus, os cristãos viveram
sua missão com gestos e sinais muito
concretos. “Muitos sinais e prodígios eram realizados entre o povo pelas mãos
dos apostolos”, diz sinteticamente o livro dos Atos dos Apóstolos. Pessoas
atormentadas vinham da periferia de Jerusalém e doentes eram levadas às praças
para que fossem tocadas ao menos pela sombra de Pedro. “E todos eram curados.”
Hoje a missão continua sendo tecida
pelos fios do testemunho, do diálogo, do anúncio e o serviço de defender
e promover a vida. Partindo do encontro com o Ressuscitado, o anúncio e o
testemunho se fazem verdade não apenas
no cuidado dos doentes, mas também nas diversas iniciativas e cuidados
pastorais em favor das crianças, dos encarcerados, dos migrantes, dos
operários, da mulher marginalizada, da juventude, da terra, da família e de
tantos outros grupos humanos necessitados.
“Se eu não puser a mão no seu lado, não acreditarei.”
Às vezes ficamos um pouco desconcertados
diante da incredulidade de Tomé e da sua insistência em ver para crer. Mas é o próprio Jesus que provoca “mostrando-lhes as
mãos e o lado” e convidando Tomé: “Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos.
Estende a tua mão e coloca-a no meu lado...” E João, na visão relatada no
Apocalipse, diz que voltou-se para ver
quem lhe falava, e alguém semelhante a um ser humano pôs sobre ele a mão direita e disse: “Não tenhas medo!”
Integrando-se à comunidade
apostólica e tocando o corpo chagado de Jesus, Tomé professa a fé que custara a
amadurecer. “Meu Senhor e meu Deus!” Adquire a capacidade de romper com todos os demais senhores que disputam sua
submissão e reverencia um Deus que se faz próximo, que se deixa tocar, que se
faz carne vulnerável e torturada. Mas descobre que felicidade maior provam
aqueles/as que acreditam mediante o testemunho dos outros, mesmo sem a
privilegiada experiência que fizera.
Efetivamente, acorrrendo às comunidades cristãs os homens e mulheres de hoje têm o
direito de sentir a mão de Jesus Cristo tocando seus ombros cansados e
espantando o medo. Têm o direito de se encontrarem com um corpo de Cristo
marcado pela perseguição e pelo serviço e alheio às honras e grandezas. Têm
direito de encontrar a paz e a alegria de uma gente que reconhece ser pecadora
e perdoada, que não se importa em ser pedra rejeitada pelos poderes deste
mundo.
“Bendito aquele
que vem em nome do Senhor!”
Jesus de Nazaré, Cordeiro de Deus, o último num mundo obcecado pelo
poder e o primeiro no Reino de Deus. Na mesa da tua Palavra e do teu corpo somos
nutridos e encorajados a partir em missão de tirar o pecado do mundo, de amar e
servir incondicionalmente. E o faz tornando-se uma bênção que de mil formas toca,
desperta, cura, liberta. Dá-nos a graça de crer em ti a partir do testemunho
daqueles que provaram teu amor e tocaram tuas chagas. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani
msf
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