Anunciação: Deus reconhece e aprecia nossa graciosidade!
(Zc 7,10-14; 8,10; Sl 39/40; Hb 10,4-10;
Lc 1,26-38)
A celebração
da Anunciação recorda que Deus é substancialmente dom que se faz carne e corpo
e assume o ser humano como sua morada. Assumindo a corporeidade humana, o Filho
entende cumprir a vontade (e não apenas uma vontade) do Pai. A ele não agradam
sacrifícios e holocaustos, que eliminam carne e corpo, mas uma vida capaz de
amar no corpo e na carne. Deus e humanidade estão absolutamente e desde sempre
comprometidos e imbricados um com o outro. Deus é o destino do ser humano, e a
criatura humana é a morada de Deus.
“Alegre-se, cheia de graça!”
O anúncio do
mensageiro de Deus é dirigido a Maria, mas não tem nela seu termo. Na
anunciação, Maria representa a humanidade que é querida por Deus como sua
morada e sua parceira. As palavras do anjo nos asseguram que, aos olhos de
Deus, a humanidade é cheia de graça,
bonita e charmosa. Por isso, não podemos nos contentar com coisas de
pequena monta, projetos acanhados e interesses mesquinhos. Deus tem grandes planos para realizar por nós e através de nós!
É claro que frequentemente
o medo limita nossas iniciativas e não sabemos bem como fazer as coisas. O que
o mensageiro divino pede é que saibamos
confiar na força criadora do Espírito de Deus, pois ele transforma montes
de ossos secos e vales áridos em comunidades vivas e roças abundantes. Quando a
humanidade se mantém aberta à iniciativa de Deus, nada é impossível. Quando
estamos convictos de que Deus aposta em nós, tudo é possível.
“O Senhor está com você!”
Em nossas
celebrações repetimos várias vezes “Ele está no meio de nós!” Mas esta presença
de Deus em nosso meio não é automática nem inócua. Ela depende da nossa adesão
ao projeto de Deus e, ao mesmo tempo, interpela a uma resposta consequente.
Implica sempre num discernimento dessa presença e dessa vontade no meio dos
acontecimentos humanos. Isso é próprio de um Deus que fala e age de modo humano,
que mistura seu Espírito à nossa carne.
O rei Acaz se
recuss a discernir os sinais de Deus, mas não consegue se livrar da
responsabilidade de se posicionar frente às dores e esperanças do seu povo.
Para justificar sua omissão, o rei recorre inclusive à teologia, afirmando que
não pode colocar Deus à prova. Tomando a palavra, o profeta diz que Deus é
capaz de fazer a vida brotar nos corpos virgens e estar ao lado do seu povo nos
momentos difíceis e nas lutas mais árduas. Seu nome é Emanuel, Deus-conosco.
Na
espiritualidade da Sagrada Família damos centralidade à encarnação, na qual “se
manifesta o dom de Deus aos homens”. Nesta humilde e discreta família hebréia,
na concretude e na simplicidade estonteante de Jesus de Nazaré, Deus se mostra
o presente mais precioso e se faz presença definitiva na carne vulnerável e fértil,
na busca comunitária e sem descanso de sua vontade, nas múltiplas alianças
vividas cotidianamente para levar todas as pessoas à única família do Pai.
“Tu me deste um corpo!”
A carta aos
Hebreus nos apresenta um diálogo orante de Jesus com o Pai. Segundo esta carta,
a encarnação é uma resposta generosa que
substitui sacrifícios e ofertas. Assim, sgundo Jesus Cristo, assumir a
condição humana com suas possibilidades e debilidades, fazer-se próximo e irmão
é uma ação mais importante e agradável a Deus que qualquer oferenda ou ato
litúrgico. A encarnação não se dá em
vista dos socrifícios mas para substituí-los! O corpo não é um elemento a
ser sacrificado mas assumido, já que seu valor supera as ofertas e sacrifícios.
Ao mesmo
tempo, a encarnação expressa a resposta
humana e divina diante de Deus. “Eis-me aqui para fazer a tua vontade.”
Trata-se de assumir a corporeidade histórica, assim como as relações humanas e
as estruturas sociais, para realizar no mundo a vontade de Deus, para ajudar na
plenificação da vida de todas as criaturas. Ser corpo, permanecer no corpo,
humanizar os corpos é um meio para realizar a vontade de Deus e uma expressão
do seu cumprimento. Claro que se trata, em primeiro lugar, do corpo dos outros,
e não de uma auto-complacência fechada e egoísta.
“Para Deus nada é impossível.”
A maioria das
religiões parece temer a corporeidade e a matéria e, por isso, criam normas e
sistemas para afastar os fiéis do mundo concreto e fixar a atenção num
hipotético mundo espiritual. O próprio cristianismo não está livre desta
tentação. A ideologia que afirma a existência de dois mundos diversos e opostos
e de duas histórias paralelas diminui a força de fermentação e de transformação
da fé e reduz a religião a um acontecimento privado e íntimo. E um dos frutos
desta concepção é a idéia de que algumas mudanças são impossíveis.
Ora, a
encarnação traz consigo a afirmação de que para Deus nada é impossível, e não
se trata apenas da concepção virginal. Maria representa a comunidade eclesial
e, num sentido mais amplo, a humanidade, e o que o anjo afirma é que não há limites para a ação divina, nem
mesmo nossa recusa intransigente. O desejo profundo de Zacarias e de Isabel, a
esperança viva de Maria e de José, a radical expectativa do Reino por parte dos
oprimidos abrem possibilidades de uma intervenção radical e transformadora de
Deus na história mediante a encarnação. Para Deus não é impossível, antes, é
desejável fazer-se presente no corpo humano e humanizador.
Inspirados
pela encarnação que se realiza na Sagrada Família de Nazaré, compreendemos que é inadiável a missão de encontrar ou abrir
vias para destruir os muros que separam e “conduzir todos os homens e
mulheres à única família do Pai”. E isso para além das diferenças étnicas,
culturais, etárias, econômicas, políticas, sociais, etc. Os dons recebidos, se
não forem comunicados e compartilhados, perdem tanto sua beleza como sua
vitalidade.
“Eis aqui a serva do Senhor!”
O sim discreto e comprometido de Maria
abre possibilidades inauditas para a humanidade. Para fazer-se carne, Deus bate
à porta das criaturas e se fica à espera
da sua resposta. Acolhendo a proposta divina, Maria nos mostra que a atitude que melhor contribui para a
realização da vontade de Deus não é a de ser senhora e patroa, mas humilde
servidora. Aquele que eleva os humildes e rebaixa os orgulhosos escolhe
servos/as e parceiros/as aos quais confia sua obra libertadora.
Mas é claro
que a postura de servidora assumida por Maria não tem nada de ingenuidade ou de
passividade. No seu cântico, Maria mostra que servir o Senhor e cumprir sua vontade significa discernir a ação na
Deus na elevação dos humilhados e no atendimento das necessidades dos famintos,
assim como na limitação do poder dos poderosos e dos bens dos ricos. Em Maria e
na vida dos cristãos, o serviço não se casa com a ausência de crítica social e
teológica.
Tanto quanto
manifetação do dom de Deus à humanidade, o evento da encarnação nos mostra “a
resposta do homem ao dom de Deus na sua expressão mais clara”. A encarnação não é apenas o movimento
descendente e condescendente de Deus em direção à humanidade e ao corpo, mas
também o movimento ascendente e transcendente dos homens e mulheres que
pronunciam e mantém seu sim à proposta de Deus. Nossa mãe Maria, nosso pai
José e nosso irmão Jesus, na sua radical disponibilidade ao projeto de Deus,
são as mais belas flores desta nossa humanidade ferida e redimida.
“Não escondi tua justiça dentro do meu
coração...”
Aproximemo-nos
agradecidos/as e necessitados/as da mesa do Senhor. Ofereçamos a ele nosso
corpo vivo e comprometido com novas relações, e assim ele nos dará seu próprio
corpo e nos acolherá numa vida cujo dinamismo nada pode estancar. E rezemos com
a alegria e o espanto das comunidades antigas: “Alegra-te, tu que és o trono do Rei. Alegra-te, pois carregas aquele
que tudo carrega. Alegra-te, estrela que revelas o sol. Alegra-te, útero da
divina encarnação. Alegra-te, pois por meio de ti a encarnação se renova. Alegra-te,
porque por meio de ti o Criador se faz criatura, o Senhor se faz servo, o
grande se faz criança. Alegra-te, Maria, cheia de graça! O Senhor está contigo!
Bendita és tu entre as mulheres, e bendito é o fruto do teu ventre, Jesus!”
Pe.
Itacir Brassiani msf
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