segunda-feira, 8 de abril de 2013

Solenidade da Anunciação


Anunciação: Deus reconhece e aprecia nossa graciosidade!
(Zc 7,10-14; 8,10; Sl 39/40; Hb 10,4-10; Lc 1,26-38)
A celebração da Anunciação recorda que Deus é substancialmente dom que se faz carne e corpo e assume o ser humano como sua morada. Assumindo a corporeidade humana, o Filho entende cumprir a vontade (e não apenas uma vontade) do Pai. A ele não agradam sacrifícios e holocaustos, que eliminam carne e corpo, mas uma vida capaz de amar no corpo e na carne. Deus e humanidade estão absolutamente e desde sempre comprometidos e imbricados um com o outro. Deus é o destino do ser humano, e a criatura humana é a morada de Deus.
“Alegre-se, cheia de graça!”
O anúncio do mensageiro de Deus é dirigido a Maria, mas não tem nela seu termo. Na anunciação, Maria representa a humanidade que é querida por Deus como sua morada e sua parceira. As palavras do anjo nos asseguram que, aos olhos de Deus, a humanidade é cheia de graça, bonita e charmosa. Por isso, não podemos nos contentar com coisas de pequena monta, projetos acanhados e interesses mesquinhos. Deus tem grandes planos para realizar por nós e através de nós!
É claro que frequentemente o medo limita nossas iniciativas e não sabemos bem como fazer as coisas. O que o mensageiro divino pede é que saibamos confiar na força criadora do Espírito de Deus, pois ele transforma montes de ossos secos e vales áridos em comunidades vivas e roças abundantes. Quando a humanidade se mantém aberta à iniciativa de Deus, nada é impossível. Quando estamos convictos de que Deus aposta em nós, tudo é possível.
“O Senhor está com você!”
Em nossas celebrações repetimos várias vezes “Ele está no meio de nós!” Mas esta presença de Deus em nosso meio não é automática nem inócua. Ela depende da nossa adesão ao projeto de Deus e, ao mesmo tempo, interpela a uma resposta consequente. Implica sempre num discernimento dessa presença e dessa vontade no meio dos acontecimentos humanos. Isso é próprio de um Deus que fala e age de modo humano, que mistura seu Espírito à nossa carne.
O rei Acaz se recuss a discernir os sinais de Deus, mas não consegue se livrar da responsabilidade de se posicionar frente às dores e esperanças do seu povo. Para justificar sua omissão, o rei recorre inclusive à teologia, afirmando que não pode colocar Deus à prova. Tomando a palavra, o profeta diz que Deus é capaz de fazer a vida brotar nos corpos virgens e estar ao lado do seu povo nos momentos difíceis e nas lutas mais árduas. Seu nome é Emanuel, Deus-conosco.
Na espiritualidade da Sagrada Família damos centralidade à encarnação, na qual “se manifesta o dom de Deus aos homens”. Nesta humilde e discreta família hebréia, na concretude e na simplicidade estonteante de Jesus de Nazaré, Deus se mostra o presente mais precioso e se faz presença definitiva na carne vulnerável e fértil, na busca comunitária e sem descanso de sua vontade, nas múltiplas alianças vividas cotidianamente para levar todas as pessoas à única família do Pai.
“Tu me deste um corpo!”
A carta aos Hebreus nos apresenta um diálogo orante de Jesus com o Pai. Segundo esta carta, a encarnação é uma resposta generosa que substitui sacrifícios e ofertas. Assim, sgundo Jesus Cristo, assumir a condição humana com suas possibilidades e debilidades, fazer-se próximo e irmão é uma ação mais importante e agradável a Deus que qualquer oferenda ou ato litúrgico. A encarnação não se dá em vista dos socrifícios mas para substituí-los! O corpo não é um elemento a ser sacrificado mas assumido, já que seu valor supera as ofertas e sacrifícios.
Ao mesmo tempo, a encarnação expressa a resposta humana e divina diante de Deus. “Eis-me aqui para fazer a tua vontade.” Trata-se de assumir a corporeidade histórica, assim como as relações humanas e as estruturas sociais, para realizar no mundo a vontade de Deus, para ajudar na plenificação da vida de todas as criaturas. Ser corpo, permanecer no corpo, humanizar os corpos é um meio para realizar a vontade de Deus e uma expressão do seu cumprimento. Claro que se trata, em primeiro lugar, do corpo dos outros, e não de uma auto-complacência fechada e egoísta.
“Para Deus nada é impossível.”
A maioria das religiões parece temer a corporeidade e a matéria e, por isso, criam normas e sistemas para afastar os fiéis do mundo concreto e fixar a atenção num hipotético mundo espiritual. O próprio cristianismo não está livre desta tentação. A ideologia que afirma a existência de dois mundos diversos e opostos e de duas histórias paralelas diminui a força de fermentação e de transformação da fé e reduz a religião a um acontecimento privado e íntimo. E um dos frutos desta concepção é a idéia de que algumas mudanças são impossíveis.
Ora, a encarnação traz consigo a afirmação de que para Deus nada é impossível, e não se trata apenas da concepção virginal. Maria representa a comunidade eclesial e, num sentido mais amplo, a humanidade, e o que o anjo afirma é que não há limites para a ação divina, nem mesmo nossa recusa intransigente. O desejo profundo de Zacarias e de Isabel, a esperança viva de Maria e de José, a radical expectativa do Reino por parte dos oprimidos abrem possibilidades de uma intervenção radical e transformadora de Deus na história mediante a encarnação. Para Deus não é impossível, antes, é desejável fazer-se presente no corpo humano e humanizador.
Inspirados pela encarnação que se realiza na Sagrada Família de Nazaré, compreendemos que é inadiável a missão de encontrar ou abrir vias para destruir os muros que separam e “conduzir todos os homens e mulheres à única família do Pai”. E isso para além das diferenças étnicas, culturais, etárias, econômicas, políticas, sociais, etc. Os dons recebidos, se não forem comunicados e compartilhados, perdem tanto sua beleza como sua vitalidade.
“Eis aqui a serva do Senhor!”
O sim discreto e comprometido de Maria abre possibilidades inauditas para a humanidade. Para fazer-se carne, Deus bate à porta das  criaturas e se fica à espera da sua resposta. Acolhendo a proposta divina, Maria nos mostra que a atitude que melhor contribui para a realização da vontade de Deus não é a de ser senhora e patroa, mas humilde servidora. Aquele que eleva os humildes e rebaixa os orgulhosos escolhe servos/as e parceiros/as aos quais confia sua obra libertadora.
Mas é claro que a postura de servidora assumida por Maria não tem nada de ingenuidade ou de passividade. No seu cântico, Maria mostra que servir o Senhor e cumprir sua vontade significa discernir a ação na Deus na elevação dos humilhados e no atendimento das necessidades dos famintos, assim como na limitação do poder dos poderosos e dos bens dos ricos. Em Maria e na vida dos cristãos, o serviço não se casa com a ausência de crítica social e teológica.
Tanto quanto manifetação do dom de Deus à humanidade, o evento da encarnação nos mostra “a resposta do homem ao dom de Deus na sua expressão mais clara”. A encarnação não é apenas o movimento descendente e condescendente de Deus em direção à humanidade e ao corpo, mas também o movimento ascendente e transcendente dos homens e mulheres que pronunciam e mantém seu sim à proposta de Deus. Nossa mãe Maria, nosso pai José e nosso irmão Jesus, na sua radical disponibilidade ao projeto de Deus, são as mais belas flores desta nossa humanidade ferida e redimida.
“Não escondi tua justiça dentro do meu coração...”
Aproximemo-nos agradecidos/as e necessitados/as da mesa do Senhor. Ofereçamos a ele nosso corpo vivo e comprometido com novas relações, e assim ele nos dará seu próprio corpo e nos acolherá numa vida cujo dinamismo nada pode estancar. E rezemos com a alegria e o espanto das comunidades antigas: “Alegra-te, tu que és o trono do Rei. Alegra-te, pois carregas aquele que tudo carrega. Alegra-te, estrela que revelas o sol. Alegra-te, útero da divina encarnação. Alegra-te, pois por meio de ti a encarnação se renova. Alegra-te, porque por meio de ti o Criador se faz criatura, o Senhor se faz servo, o grande se faz criança. Alegra-te, Maria, cheia de graça! O Senhor está contigo! Bendita és tu entre as mulheres, e bendito é o fruto do teu ventre, Jesus!”
Pe. Itacir Brassiani msf

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