(At 5,17-32.40-41; Sl 29/30; Ap 5,11-14;
Jo 21,1-19)
Ao sabor do tempo pascal,
redescobrimos o horizonte e a urgência da missão. As celebrações deste período
nos ajudam a ajuntar os pedaços das múltiplas experiências e a compor um
mosaico que nos mostra como Jesus ressuscitado se manifesta e onde ele se deixa
encontrar. Mas revelam também as dificuldades que enfrentamos para organizar
nossa vida a partir de um Deus crucificado e assimilar as exigências desta fé.
Neste terceiro domingo da páscoa somos convidados/as a meditar sobre as
frustrações do trabalho missionário e a nos interrogar sobre a profundidade do
nosso vínculo com Jesus Cristo, o
missionário do Pai. A missão será tanto mais frutuosa quanto mais profundo
for nosso vínculo com Jesus, pois sem esse vínculo não podemos fazer nada e
secamos como o ramo cortado da árvore. Em todas as fases da missão precisamos
perceber como o próprio Jesus se aproxima para nos alimentar com o Pão da sua
vida e examinar o fundamento no qual assentamos nossa missão.
“Mas não pescaram nada naquela noite.”
Estimulados por Pedro, os sete
discípulos, símbolo da comunidade aberta aos gentios, estão em plena missão.
Aparentemente fazem tudo do jeito certo, mas a frustração, pouco a pouco, vai
enchendo o barco e faz pesar o coração. “Não pescaram nada naquela noite.”
Jesus lhes havia dito que era preciso realizar as obras de Deus enquanto é dia,
porque “vem a noite, quando ninguém poderá trabalhar” (Jo 9,4). Brilhava a
estrela d’alva e eles voltavam cansados, famintos e derrotados.
Por que o esforço deles se mostrava
estéril? Não estaria faltando um vínculo profundo com Jesus Cristo? “Como o
ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira, assim
também vós não podereis dar fruto se não permanecerdes em mim” (Jo 15,4). Ou
será que faltava colocar em prática a lição do despojamento radical? “Se o grão
de trigo que cai na terra não morre, fica só. Mas, se morre, produz muito
fruto” (Jo 12,24).
Talvez sejam estas também as causas
de alguns dos fracassos pastorais da nossa Igreja. Fazemos planos arrojados e
nos lançamos com vontade e generosidade na sua realização, mas não encontramos
gosto e tempo para cultivar uma relação pessoal com Jesus Cristo e
alimentarmo-nos na mesa da sua Palavra. Ou então atuamos como executores
técnicos de uma obra entre outras tantas, sem empenhar nela a totalidade do
nosso ser, sem comprometer nosso nome nem arriscar nela nossa inteira vida.
“Já de manhã, Jesus estava na praia, mas o discípulos
não sabiam que era ele.”
Aquele grupo de generosos ativistas
não tinha percebido nem reconhecido que Jesus continuava presente e próximo nas
atividades missionárias. “Já de manhã, Jesus estava na praia, mas os discípulos
não sabiam que era Jesus.” Oprimida pelo fracasso, a comunidade dos discípulos se
fecha e não consegue mais ver o essencial. Entretanto, Jesus continua se
relacionando com eles com amizade e afeto, e isso se mostra na linguagem: “Filhinhos (ou rapazes), tendes alguma
coisa para comer?”
A resposta dos discípulos é tão seca
quanto a boca depois de uma noite de trabalho incessante. Com esta pergunta, Jesus
acaba levando os discípulos a mergulhar no próprio fracasso. Mesmo que aqueles
olhos cansados não conseguissem ver, Jesus Cristo continuava sendo uma presença
discreta e fecunda nas idas e voltas da missão. Eles precisavam aprender a pescar diferente. Nós precisamos
perceber e tornar sensível e reconhecível esta presença também hoje e mudar
nosso modo de fazer as coisas.
“Lançai a rede à direita do barco...”
Obedecendo a Jesus, os
discípulos recomeçam o trabalho
resignados, mas são surpreendidos pelos resultados. Pegam ‘uma multidão’ de peixes.
Será que não era exatamente ali, no lado direito do barco, que estava a
‘multidão’ de doentes, cegos, coxos e paralíticos que não conseguiam caminhar
por si mesmos? Não seriam eles os primeiros interlocutores e beneficiados da
missão da comunidade cristã? O segredo do êxito da missão da Igreja não estaria
exatamente em voltar-se aos oprimidos?
De qualquer modo, os discípulos obedecem à Palavra de Jesus
Cristo e o trabalho dá frutos. Nesta obediência a Jesus Cristo está
embutida uma relativização dos próprios
conceitos e, frequentemente, uma desobediência
às ordens vindas dos sistemas de coerção. Perseguidos, presos e ameaçados
pelas autoridades do judaísmo, os apóstolos obedecem a Deus, deixam a prisão e,
ao invés de fugir, vão à praça e continuam intrepidamente a missão. “É preciso
obedecer a Deus antes que aos homens.”
Os frutos inesperados do trabalho
abrem os olhos para a presença de Jesus, mas só o discípulo amigo é capaz de reconhecê-lo e passar a notícia adiante.
Então Pedro, fazendo as vezes de líder, ‘amarra a túnica na cintura’ (como
fizera Jesus no lava-pés!) e se lança no serviço. Todos são recebidos com pão e
peixe, mas o alimento oferecido por Jesus teve que ser completado pelo que eles
produziram com o próprio trabalho. Ninguém pergunta pela identidade de Jesus,
pois isso estava claro para todos.
“Tu me amas mais do que estes?”
No final da ceia pascal, depois de
lavar os pés dos discípulos, Jesus perguntara: “Entendeis o que eu vos fiz?”
(Jo 13,12) Agora, para arrematar a ceia à beira da praia, Jesus se dirige a
Pedro perguntando: “Simão, filho de João, tu
me amas mais que estes?” Jesus interroga o líder do grupo e faz questão de
sublinhar sua origem e sua expectativa de um Messias poderoso e bem-sucedido.
No fundo, quer fazer Pedro revelar se sua pretensão de liderança tem motivação
e horizonte evangélicos.
Aquele que pergunta é o Cordeiro imolado, o humilhado exaltado e
confirmado por Deus. Só ele é digno de receber honra, glória e poder para
sempre. E Pedro responde afirmando sua amizade por Jesus. Estaria ele lembrado
das palavras ditas por Jesus na última ceia: “Ninguém tem maior amor do que
aquele que dá a vida por seus amigos.
Vós sois meus amigos se fizerdes o
que eu vos mando” (Jo 15,13-14)? De qualquer modo, sem amor pelo Cristo
despojado e sem disposição de dar a vida pelo próximo não há autoridade
evangelicamente legítima.
“Cuida dos meus cordeiros.”
A cada resposta afirmativa de Pedro,
Jesus acrescenta um mandato: “Cuida dos meus cordeiros. Sê pastor das minhas
ovelhas. Cuida das minhas ovelhas.” As variações evidenciam algumas ênfases e
particularidades: providenciar segurança e alimento para os mais pequenos e
humildes (cuidar dos cordeiros); liderar conduzindo à liberdade (pastorear as
ovelhas); guiar à vida dando a própria vida (cuidar das ovelhas). São variações
de uma mesma e única missão.
Enquanto a pesca representa uma
atividade pastoral como que voltada para dentro, para as necessidades da
comunidade eclesial, a missão confiada a
Pedro e à comunidade cristã está voltada para fora, para as pessoas em geral. E em cada palavra,
Jesus sublinha que as ovelhas e cordeiros são seus, e não de Pedro ou da
Igreja. E se oferece como modelo e caminho para a missão, um modelo vivido com
radicalidade e simplicidade pela Irmã Adelaide Molinari (martirizada aos
14.04.1985).
Tanto as brasas sobre as quais Jesus
grelhou o peixe como a tríplice pergunta fazem Pedro lembrar sua falta de coerência
no caminho da cruz. É como se, ao confirmar o mandato missionário que confere a
Pedro e a cada um/a de nós, Jesus fizesse questão de recordar nossa
vulnerabilidade. Mas ele quer também destacar outros dois elementos
fundamentais: não há autoridade legítima sem amor pessoal a Jesus Cristo, o
Cordeiro imolado; não há amor a Jesus sem serviço aos pequenos e últimos.
“Segue-me.”
O encontro que começou com uma pesca
frustrada, continuou numa refeição fraterna e se aprofundou num diálogo comprometedor,
terminou com um convite dirigido a Pedro: “Segue-me!” Até então Pedro havia acompanhado Jesus levado por
outros, motivado por interesses ambíguos. No evangelho de João, esta é a primeira vez que Jesus se dirige a Pedro
convidando-o a ser seu discípulo. Depois do fracasso no caminho da cruz e
na missão, e depois da confirmação do seu propósito de ser amigo de Jesus e
cuidar do seu rebanho, Pedro está maduro para iniciar o belo e exigente caminho
do discipulado.
Jesus de Nazaré, pão da vida, pescador de outros mares, mestre do bem
viver: queremos ser teus discípulos/as e aprendizes. Estamos prontos/as a estar
contigo onde quer que estejas,
participando assim da tua missão. Queremos permanecer unidos/as a ti,
alimentamo-nos à tua mesa, obedientes e livres, dispostos a testemunhar um amor
mais forte do que a morte. Queremos seguir teus passos, que são passos de um humilhado
no qual reside toda glória desejável e possível. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani
msf
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