sexta-feira, 30 de maio de 2014

Festa da Visitação de Nossa Senhora em Nazaré

Como pode a mãe do meu Senhor vir me visitar?
Terminando o mês de maio e celebrando a visitação de Nossa Senhora, reedito a crônica que escrevi no dia 31 de maio do ano passado, visitando Nazaré, na Galiléia.

Hoje é o último dia do mês de maio. O mês que a espiritualidade católica dedica a Maria termina com a bela Festa da Visitação de Nossa Senhora. E por coincidência humana e graça de Deus, estou terminando esse dia exatamente em Nazaré, onde viveu essa jovem graciosa e corajosa, e de onde ela saiu apressadamente para visitar sua parente Isabel.
A missa na basilica da Anunciaçao
Hoje  deixamos de lado o comportamento de turistas religiosos e voltamos ao que realmente somos: discípulos e missionários de Jesus, o filho de Maria de Nazaré. Estimulados pela Irmã Religiosa que dirige a casa que nos hospeda, fomos à basílica da Anunciação, aquela construída sobre a casa de Maria, para participar, com a comunidade local, da oração do terço, da missa e da procissão.
Tudo foi celebrado em árabe, mas isso não impediu nossa participação. A basílica – que não é pequena! – estava totalmente lotada por uma multidão vibrante de crianças, jovens, adultos e idosos, em porções equilibradas. A impressão é de que a comunidade católica de Nazaré, apesar de ser minoritária frente aos muçulmanos, é muito viva e vibrante.
Já ao descer as escadarias do beco que nos leva da casa das Irmãs do Rosário à basílica – uns 10 minutos de descida – íamos conversando sobre o que significa pisar o mesmo chão que Maria, José e Jesus pisaram. Quantas vezes eles teriam subido e descido esta ladeira? Teriam cultivado algo por aqui? Teriam subido a ladeira para visitar algum vizinho ou ajudar alguém necessitado?
Mas um pouco antes, fora aqui que Maria ouvira pela primeira vez e de modo único e irrepetível aquela saudação que repetimos cinquenta vezes na oração que delicadamente chamamos de rosário: "Ave Maria! Tu és cheia de graça! O Senhor está contigo!” Sabemos que Maria ficou um pouco perturbada e desconcertada. Mas isso diz muito pouco daquilo que significou esta experiência para aquela moça da vila de Nazaré.
Detalhe da procissao saindo da basilica
Como podemos pronunciar estas mesmas palavras sem ter presente tudo o que elas acarretariam para Maria e acarretam para nós? Como sustentar a convicção de que os caminhos de Deus não passam pelo suntuoso templo de Jerusalém, pelo rigor legalista da sinagoga ou pelo poder sedutor dos palácios? Como não parecer ridículo dizendo que Deus dirigiu sua palavra a uma mulher simples e anônima?
Fiquei meditando também sobre o que pode significar ser cristão em Nazaré. Que perguntas e desafios a maioria muçulmana poderia dirigir à comunidade cristã? Como sustentar diante do homem moderno e das demais religiões que no seio de uma moça aqui desta vila perdida no mapa o Deus infinito se fez carne e o Altíssimo se esvaziou e assumiu a cotidiana vida dos homens e mulheres?
Não sei se é um privilégio ser cristão aqui em Nazaré. Talvez seja mais um desafio e um ônus que um privilégio. No seu tempo Jesus já dissera que normalmente as pessoas têm  dificuldade de aceitar os santos e profetas da própria casa. Por mais que a comunidade possa se alegrar por celebrar na casa que foi de Maria e por tê-la como um dos seus antepassados, não é fácil ter olhos para ver o que se passa nos níveis que não sejam o da superficialidade.
Gosto daquela velha e simples canção do Pe. Zezinho: “Maria de Nazaré, Maria me cativou. Fez mais forte a minha fé, e por filho me adotou. Às vezes eu páro e fico a pensar, e sem perceber, me vejo a rezar, e meu coração se põe a cantar pra Virgem de Nazaré. Menina que Deus amou e escolheu pra Mãe de Jesus, o Filho de Deus. Maria que o povo inteiro elegeu Senhora e Mãe do céu...”
A bela imagem da filha mais ilustre de Nazaré
Mas a festa de hoje nos lembra que essa menina, amada e escolhida por Deus, se fez companheira e servidora. “Como são belos teus pés, ó Maria: descendo os montes, paz anuncias! Companheira mais fiel deste meu povo nos caminhos do amanhã, do mundo novo!” E na casa de Isabel Maria, em geral tão calada e restrita ao essencial, solta a língua e diz coisas que até hoje temos dificuldade de compreender e aceitar...
Mistérios!... Coisas quase extravagantes de uma religião que que prega a descida de um Deus que cresce no ventre de uma moça aqui de Nazaré e caleja as mãos numa carpintaria;  que crê na força da compaixão; que espera a ressurreição da carne; que diz que o amor fraterno é a moradia mais amada e desejada por Deus nesta terra. Coisas quase incríveis. Coisas maravilhosas. Sonhos e delírios de uma fé que nasceu e sobreviveu aos rigores dos desertos, perseguições e traições, vindas de fora ou sofridas por dentro...

Itacir Brassiani msf

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