quinta-feira, 6 de junho de 2013

10° Domingo do Tempo Comum

Só a compaixão liberta e é digna de crédito
(1Rs 17,17-24; Sl 29/30; Gl 1,11-19; Lc 7,11-17)

Depois de um longo tempo dedicada à caminhada quaresmal e pascal, voltamos ao tempo comum, ao tempo da encarnação humilde e exigente do Evangelho na vida cotidiana. E o fazemos retomando o Evangelho de Lucas praticamente no ponto em que o deixamos ao iniciarmos a quaresma. Neste domingo nos deparamos com um Jesus movido pela compaixão, intrinsecamente implicado com os múltiplos dramas enfrentados diariamente pelos pobres e abandonados. Nele, Deus visita e liberta seu povo, transforma o pranto em alegria e o lamento em dança. Diante de sua ação recriadora somos convidados a trocar nossa pesada roupa de luto e penitência por leves e alegres trajes de festa.
“Os seus discípulos e uma grande multidão iam com ele.”
O anúncio e a prática do Evangelho podem ser percebidos hoje praticamente em todo o mundo. Depois de vinte séculos de história, poucos são os rincões que não têm alguma informação sobre Jesus Cristo e sobre o cristianismo. E não obstante nossas enormes contradições, valentes cristãos e valorosas comunidades lançam inconfundíveis sementes de paz e de vida por onde passa. Apesar de tudo, somos como que uma caravana que, em nossos vasos de barro, porta o precioso tesouro da compaixão.
Mas não cumprimos esta missão num ambiente neutro e indiferente. O anúncio que portamos e a ação restauradora que realizamos se encontra com uma realidade dura e opaca. Nossa caravana de vida se cruza com os lamentos de um povo marcado pela dor e pela morte. A ação violenta do exército de Israel contra os pacifistas solidários do povo palestino que hoje visito é apenas um sinal que vem somar-se a tantos outros, das ditaduras sanguinárias em alguns países africanos às barreiras que os países europeus estão impondo aos desesperados migrantes.
É num contexto semelhante que transcorre a cena narrada pelo evangelista. Depois de se aproximar  da casa de um pagão de Cafarnaum e atender seu pedido e curar seu filho, Jesus vai à pequena cidade de Naim, acompanhado pelos discípulos e por uma grande multidão. Às portas da cidade, esta caravana de sonhadores e estropiados se encontra com a procissão que carrega o corpo sem vida do filho único de uma viúva desamparada. Sem o apoio de um filho homem, uma viúva praticamente não podia sobreviver num ambiente cultural patriarcal...
“O Senhor ouviu a voz de Elias...”
Às vezes a religião, ou uma determinada visão de Deus, acaba colocando mais lenha na fogueira do sofrimento do povo, mais fardos sobre os ombros vergados dos pobres. É o que ocorre com a anônima viúva de Sarepta. Ela havia hospedado o profeta Elias e partilhado com ele seu último punhado de farinha. Mas seu filho acaba adoecendo e morrendo. E a pobre viúva conclui que mediante o profeta, Deus estava lhe jogando na cara os próprios pecados e punindo seus erros. Como esquecer daquele pastor norte-americano que disse que o terrmoto Deus castigou o povo haitiano por seu paganismo?
O próprio Elias parece inicialmente compartilhar essa visão. Entretanto, sua prece ardente é atendida e o menino volta à vida. Elias  fala e age em nome de Deus. A viúva o reconhece e confirma como homem de Deus pelos frutos da sua palavra e da sua ação: ele age em favor dos pobres e desamparados, ajudando-os a descobrir o melhor que há neles mesmos; a farinha e o óleo partilhados na generosidade se multiplicam; o filho, arrimo no presente e no futuro, lhe é devolvido são e salvo.
“O Senhor encheu-se de compaixão...”
O poder distancia, a compaixão aproxima. O que define e caracteriza o Deus que se revela em Jesus Cristo é a compaixão que age regenerando a vida, e não o poder sempre pronto a julgar e condenar. No centro do episódio narrado por Lucas não está o jovem morto mas a viúva desamparada. É a esta pobre mãe que Jesus dirige seu olhar, consciente do total abandono no qual estava jogada. É dela que ele se compadece. É a ela que dirige uma aparentemente patética e insuficiente palavra de consolo.
Como judeu fiel e praticante, Jesus conhecia os mandamentos que obrigavam a socorrer e proteger as vúvas, juntamente com os órfãos e estrangeiros (cf. Dt 10,18; 24,17-22; 26,12-13). “Não faças mal à viúva nem ao órfão. Se os maltratardes, clamarão a mim, e eu ouvirei seu clamor” (Ex 22,20-21). E Lucas nos mostra que Jesus olha positivamente para esta categoria de pessoas: a insistência de uma viúva diante do juiz é modelo para a oração dos cristãos (18,1-8); a pequena oferta de uma pobre viúva é mais significativa que a volumosa doação dos ricos (21,1-4).
Jesus se aproxima da viúva movido pela compaixão. O poder distancia, a compaixão aproxima. Mas por que a teologia, a doutrina e a piedade oficiais insistem em esquecer que é mediante a compaixão e não por causa do poder que Jesus realiza sua missão libertadora? A compaixão é a força acolhedora e redentora que move o pai ao encontro do filho libertado da ameaça de morte (cf. Lc 15,11-32). A compaixão é que move o proscrito samaritano a socorrer aquele que caiu na mão dos assaltantes e faz  dele modelo de crente para judeus e cristãos (cf. Lc 10,25-37).
Deus veio visitar o seu povo.”
Movido pela compaixão, Jesus transgride as leis da pureza, toca no caixão do jovem, faz parar o cortejo, ordena que o morto se levante e o devolve vivo e saudvel à mãe. Jesus intervém para diminuir o aperto de uma mulher que, com o desaparecimento do filho, sendo viúva, perdera a única proteção de que dispunha. Seu gesto é maravilhoso mais pela atenção às necessidades de uma pessoa desamparada que pela demonstração de poder. Poucos dispomos de poder, mas a compaixão está ao alcance de todos!
Lucas nos informa que “todos ficaram tomados de temor e glorificaram a Deus”. E tiravam suas próprias conclusões: “Um grande profeta surgiu entre nós”; “Deus veio visitar seu povo”. É o mesmo temor, a mesma alegria e o mesmo louvor que brota dos lábios dos pastores diante do nascimento de Jesus entre os pobres de Belém (cf. Lc 2,8-20); do povo diante da cura de um paralítico (cf. Lc 5,17-26); da mulher curada de uma doença que a encurvava há dezoito anos (cf. Lc 13,10-13); do leproso gratuitamente curado (cf. Lc 17,11-19); e do cego que pedia esmolas e recuperara a vista (cf. Lc 18,35-43).
Em Jesus Cristo, Deus vem nos visita, mas não o faz como um turista. Sua visita é demonstração de que Deus, ontem como hoje, vê a opressão à qual seu povo está submetida, ouve seu clamor, conhece seus sofrimentos e se compromete com sua libertação (cf. Ex 3,7-10). Soltando a voz calada por uma teologia mancomunada com a ideologia do poder, Zacarias proclamara: “Bendito seja o Senhor, Deus de Israel, porque visitou e libertou seu povo” (Lc 1,68). Seja este também nosso louvor agradecido.
“Mudaste em dança o meu lamento...”
Jesus Cristo revela que Deus é compaixão e misericórdia, e nisso ele não muda. Mas Deus sempre está em ação para mudar os mecanismos e instituições que oprimem e escravizam seus filhos e filhas. Não é verdade que há um destino imutável, que não há como fugir da lógica que condena multidões a uma exclusão inexorável e enexplicável. “Tu me fizeste voltar do abismo”, proclama o salmista agradecido. “Mudaste em dança meu lamento, minha veste de luto em roupa de festa”, continua.
O apóstolo Paulo viveu esta mudança em sua biografia pessoal e não se envergonha de escrever: “Ouvistes falar como foi outrora a minha conduta no judaísmo: com que excessos eu perseguia e devastava a Igreja de Deus e como progredia no judaísmo mais do que muitos judeus da minha idade, mostrando-me extremamente zeloso nas tradições paternas.” Seu encontro pessoal com Cristo foi uma experiência de ser amado, chamado e enviado para uma missão que mudaria radicalmente sua vida.
Às vezes somos assaltados e sitiados por uma sensação de derrota e de impotência. Parece que os mecanismos e estruturas que discriminam e excluem são demasiadamente sólidos e nossos esforços e lutas são líquidos ou gasosos. A própria Igreja se parace com a cidade de Naim, fechada em si mesma, protegida por e sólidos muros, refratária a qualquer sopro de mudança. Mas João XXIII, cuja passagem recordamos nesta semana (+03.06.1963), não pensava assim. E a história mostrou que ele tinha razão.
Jesus de Nazaré, peregrino no santuário das dores humanas: ajuda-nos a extrair da compaixão a sensibilidade, a coragem e a perseverança para manter em movimento a caravana da vida, para bloquear a caravana da morte, para recriar os mecanismos que protegem os desamparados. E ajuda-nos a perceber que tu vens para mudar a sorte do teu povo. Assim seja! Amém!

Pe. Itacir Brassiani msf

Nenhum comentário: