sexta-feira, 21 de junho de 2013

12° Domingo do Tempo Comum

O caminho de Jesus Cristo não é garantia de sucesso fácil
(Zc 12,10-11; 13,1;  Sl 62/63; Gl 3,26-29; Lc 9,18-24)

Em 2010, no encerramento do Ano Sacerdotal, os 15.000 padres vindos de todo o mundo e reunidos em Roma, na praça São Pedro, foram interpelados a cantar: “Cristo vence! Cristo reina! Cristo impera!” Em seguida,Bento XVI adentrou na praça lotada, circulou triunfalmente pelos estreitos caminhos a bordo do tradicional papamóvel e sentou-se no trono para ele preparado, entre vivas e salves. Constrangido por tais manifestações de poder intrinsecamente heterodoxas – e evangelicamente heréticas! – eu me perguntava o que isso tinha a ver com o Filho do Homem, o Verbo de Deus que se fez carne em Belém e morreu martirizado na cruz. Nada a ver com um Cristo rei, imperador e vencedor! Todos – padres, bispos, papa e leigos/as – precisamos levar a sério a pergunta “e vós, quem dizeis que eu sou?”, assim como as sérias advertências de Jesus que se seguem às nossas respostas aprendidas de memória.
“Jesus estava orando a sós, e os discípulos estavam com ele.”
O retiro e a oração de Jesus neste momento denotam a encruzilhada ou momento forte no qual ele e seus discípulos se encontram. O que está em jogo é a missão e a identidade de Jesus e dos seus discípulos. A pergunta estava no ar e na cabeça de todos. Jesus havia saciado a fome das multidões, curara doentes, e havia enviado os discípulos para alargar sua ação. Mas estes se perguntavam: “Quem é este que dá ordem aos ventos e à água, e lhe obedecem?” (Lc 8,25). E até Herodes, desejoso de conhecer Jesus, se interrogava: “Quem será este homem, sobre quem ouço falar estas coisas?” (Lc 9,9)
Ao que parece, o conteúdo da pregação de Jesus e o testemunho forte das suas ações eram suficiented para que os discípulos intuíssem claramente sua identidade e sua missão. Mais: a tendência geral era entendê-lo dentro do horizonte da ideologia nacionalista, que vivia a ardente expectativa da vinda de um messias identificado com a tradição monárquica, cuja tarefa seria libertar Jerusalém do domínio do exército romano. É para tomar distância deste perfil de líder popular  nacionalista e consolidar sua vocação diante do Pai que Jesus se retira em oração.
 “Que dizem as multidões que eu sou?”
Depois de aprofundar a consciência sobre a missão que o Pai lhe confia, Jesus retoma a conversa com os discípulos propondo um balanço das opiniões sobre ele. “Quem dizem as multidões que eu sou?” Na verdade, o povo não apenas levantava perguntas. Alguns arriscavam afirmações aproximativas sobre a pessoa de Jesus: ele poderia ser João Batista redivivo; ou Elias que retornava para resgatar a ordodoxia da fé; ou então um outro profeta importante.
Num primeiro balanço do pensamento do povo, Jesus aparece claramente identificado com a tradição profética. Ele mesmo acenara para isso na sinagoga de Nazaré quando, percebendo o desconcerto que sua mensagem provocara, dissera que “nenhum profeta é bem recebido na sua própria terra...” E diante da cura do filho da viúva de Naim o povo dizia: “Um grande profeta surgiu entre nós...” E não esqueçamos também a contestação do fariseu que o recebera em sua casa para uma refeição: “Se este homem fosse profeta, sabedia quem é esta mulher que está tocando nele...”
“E vos, quem dizeis que eu sou?”
Mas não podemos nos deter nas respostas que estão na boca do povo ou que aprendemos de cor e bóiam na superficialidade das fórmulas pouco consequentes. Afinal, que ressonâncias concretas têm em nossa vida e em nossos projetos fórmulas ortodoxas e estirilizadas como Messias, Filho de Deus, Redentor, Salvador, Senhor...? São conceitos desgastados e, frequentemente, envoltos em práticas de dominação, muito bem sintetizadas no velho refrão romano: “Cristo vence! Cristo reina! Cristo impera!”
A pergunta que Jesus dirige aos discípulos exige que eles se definam, chama a tomar posição. “E vós, quem dizeis que eu sou?” Os piedosos que me desculpem, mas eu tenho sérias dúvidas sobre a correção da resposta de Pedro. O que está por trás da fórmula “Cristo de Deus”? Não seria exatamente a idéia de um messianismo de natureza estritamente teocrática e nacionalista, que alimentava a expectativa de uma intervenção poderosa para liberar o território do domínio romano e reinstalar a monarquia?
Fundamento para minhas dúvidas eu encontro na reação do próprio Jesus à resposta de Pedro. Ele simplesmente adverte os discípulos – e não apenas Pedro! –que não anunciem uma coisa dessas ao povo. Jesus esconjura ou ameaça os discípulos como fizera com os maus espíritos que dominavam os doentes. Fica a impressão de que, através da resposta de Pedro, os discípulos revelam que estão possessos por uma ideologia que os fanatiza desvia do caminho. Para falar de si mesmo, sua missão e o modo de realizá-la Jesus prefere e propõe a expressão ‘Filho do Homem’.
“Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz, cada dia, e siga-me.”
Nas imagens e conceitos que usamos para falar de Jesus está embutido aquilo que esperamos dele e aquilo que pensamos sobre a pessoa humana. Os próprios chefes do judaísmo dão a entender que há uma idéia de poder e de sucesso conexa com o conceito “Cristo de Deus” (cf. Lc 23,35). Não é por nada que, mesmo depois de acompanhar Jesus no seu caminho até Jerusalém e de participar da sua ceia sacramental, os discípulos ainda discutem qual deles devia ser considerado o maior (cf. Lc 22,14-30).
Consciente disso, Jesus passa a falar do caminho do Filho do Homem: sofrimento (prisão, julgamento, tortura, morte) e rejeição por parte da aristocracia religiosa (sacerdotes), leiga (anciãos) e intelectual (escribas). Não se trata de uma fatalidade histórica da qual Jesus não teria como fugir, nem de um suicício premeditado, mas efetivamente do jeito escolhido por Deus para plantar a liberdade no coração do mundo: a via da compaixão e do dom de si pelos mais fracos.
Mas nesta estrada Jesus não vai sozinho. Esta não é apenas a sagrada via de Jesus, mas também o santo caminho de todos os seus discípulos e discípulas. “Jesus começou a dizer a todos:  se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz, cada dia, e siga-me.” Para o/a discípulo/a, a cruz não está ligada apenas aos grandes momentos de testemunho, mas à cotidianidade do despojamento de si em favor dos outros. Sem isso não há verdadeiro discipulado.
“Todos vós sois filhos de Deus pela fé no Cristo Jesus.”
Precisamos ter consciência de que, para quem ousa seguir Jesus, as coisas não irão sempre bem. Ele não promete sucesso ou facilidades. Não é verdade que Cristo e a Igreja sempre vencem, reinam e imperam. Esta é mais uma tentação que uma verdade!... O fracasso, a falência e o menosprezo livremente aceitos são o único caminho capaz de nos levar à liberdade e à maturidade verdadeiras. “Pois quem quiser salvar sua vida a perderá, e quem perder a sua vida por causa de mim a salvará.”
Entretanto, neste caminho de uma fé em Jesus Cristo e como Cristo, é mais importante aquilo que fazemos do que aquilo que dizemos. Paulo ensina que é pela fé em Cristo Jesus – e não no ‘Cristo de Deus’! – que nos tornamos filhos/as de Deus. E a fé é bem outra coisa que repetição de fórmulas dogmáticas ou adesão intelectual a elas. A fé é força que ajuda a resistir às ideologias e projetos de poder e a agir movido pela compaixão e pela solidariedade.
“Vos revestistes de Cristo...”
Precisamos mudar nossos hábitos, trocar os velhos trajes que trazem as marcas de reinos, impérios e ideologias de péssima memória. Paulo lembra que o nosso batismo significa exatamente isso: revestir-se de Cristo.  E isso implica na eliminação dos muros – arquitetônicos ou dogmáticos – que separam e hierarquizam crentes e não crentes, ricos e pobres, cultos e incultos, homens e mulheres, sacerdotes e leigos, etc.  “Todos vós sois um só, em Cristo Jesus”, insiste o Apóstolo das nações. Fiéis a esta verdade porque não proclamar o início de um ano solene e sem fim do Povo de Deus?
Partindo da história concreta e completa de Jesus – que inclui sua rejeição e seu fracasso em Jerusalém – podemos responder com temor e tremor à sua pergunta: Jesus de Nazaré, carpinteiro como teu pai e ouvinte assíduo da Palavra, sendo filho da humanidade e nosso irmão maior, tu és o Ungido de Deus, o Pai dos pobres. Olhando para teu corpo trespassado, te reconhecemos como um dos nossos e, por isso, como início do Ano Novo (que os indígenas celebram no dia 21/06) e Caminho que nos leva à plena liberdade. Esta liberdade vale mais que a vida. Exultamos de alegria à sombra das asas da ta cruz e tomamos a nossa, cada dia. Com vozes de alegria nossa boca te canta louvores. Assim seja! Amém!

Pe. Itacir Brassiani msf

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