domingo, 23 de junho de 2013

Festa do Nascimento de São João Batista

João: o profeta que veio preparar a estrada
(Is 49,1-6; Sl 138/139; At 13,22-26; Lc 1,57-66.80)

A festa de São João está profundamente arraigada na cultura do povo brasileiro. Em algumas regiões tornou-se até atração turística, e é explorada como ocasião para ganhar dinheiro ou consolidar votos. Mas esta é uma festa que só aparentemente se distanciou do seu nascedouro bíblico e profético, pois a alegria simples e inocente que a caracteriza brota da certeza de que Deus não esquece a aliança que fez conosco, visita e liberta seu povo, e envia profetas e profetizas que preparam caminhos novos. Por isso, celebremos este dia com trajes e comidas que nos aproximam do povo simples, mas também com a alegria que brota da liberdade que virá, e com a coragem profética que João nos deixa como herança.
“E alegraram-se com ela...”
A festa de hoje não exige uma mega-produção. Bastam uma pequena fogueira e fogos de artifício, algumas roupas simples e baratas, uma banda improvisada e capaz de tocar a alma popular, alimentos que custam pouco e tém sabor de intimidade, bandeirinhas coloridas nos varais e balões levados ao sabor do vento, gente boa e amável que se despe dos trajes que demarcam fronteiras, consolidam hierarquias e impõem honrarias.
Os degraus do poder são substituídos pela roda que a todos iguala nas mãos dadas. A seriedade sisuda dos comandantes e a resignação calada de quem deve obedecer o ritmo de produção ditado pela sede de lucro dá lugar a uma alegria que não há como esconder, uma alegria que lança raízes no passado bíblico que nos pertence e se embebeda das luzes de um mundo novo que está por vir. De repente, os operários viram artistas, os camponeses se revelam bailarinos, os coadjuvantes são protagonistas.
“Os vizinhos e parentes ouviram quanta misericórdia o Senhor lhe tinha demonstrado.”
A alegria, assim como a irreverência, têm força revolucionária e raízes bíblicas. Não se trata da alegria forçada pelas drogas lícitas ou ilícitas, nem da felicidade histérica daqueles que se deleitam com os bens subtraídos aos homens e mulheres que os produzem, da alegria produzida artificialmente por líderes religiosos sequiosos de domínio e de riqueza, ou estrelas políticas e midiáticas que seduzem incautos mas duram pouco mais que uma noite.
Trata-se da alegria que brota da descoberta de que Deus olha para as mãos calejadas, para os rostos sofridos, para os corpos vergados e os corações partidos e os vê e proclama cheios de graça, plenos de charme. “Alegra-te, cheia de graça! O Senhor está contigo! Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre” (Lc 1,28.42). A notícia de que Deus nos ama desde sempre e para sempre faz pular de alegria até os bebês que ainda estão nos úteros. “Feliz aquela que acreditou!” (Lc 1,45).
Como Maria na casa de Isabel, alegramo-nos em Deus porque ele olhou para a humilhação dos seus filhos e filhas; porque sua misericórdia se estende de geração em geração; porque ele mostra a força do seu braço derrubando os poderosos dos tronos e elevando os humildes; porque enche a mesa dos pobres e despede os ricos de mãos vazias; porque acolhe o seu povo e não esquece o compromisso jurado aos nossos antepassados.
“Que vai ser este menino?”
Assim, a alegria inocente e despojada das festas juninas têm raízes na história da salvação, que atravessa e supera a história da opressão que está ainda hoje em curso. Antes de mais nada, o nascimento de João representa a delicadeza de um Deus que levanta o manto da vergonha e da dor que, numa sociedade machista, pesa sobre uma mulher idosa e sem filhos (cf. Lc 1,25). E quando o menino nasce, a vizinhança toda se alegra com esta demonstração da misericordia de Deus. É essa alegria atravessou a história e chegou até os mais recônditos rincões do Brasil.
E a razão dessa alegria vem sacramentado no próprio nome dado àquele prodígio nascente: João significa literalmente ‘Deus age com misericórdia’. Ao dar este nome ao filho, Zacarias e Isabel rompem com a tradição e renunciam a fazer do filho um espelho dos desejos do pai, um sacerdote como ele. João não será sacerdote mas profeta. Nas palavras que voltam aos lábios de Zacarias em forma de canção, ele será ‘profeta do Altissimo’, porque irá à frente do Senhor, ‘preparando os seus caminhos, dando a comhecer ao seu povo a salvação, com o perdão dos pecados, graças ao coração misericordioso do nosso Deus’ (cf. Lc 1,76-78).
Segundo os evangelhos, João despertará a ira de Herodes ao denunciar seu casamento com a cunhada (cf. Mc 6,17-18). Mas este homem frágil e intrépido é muito mais que um pregador preocupado com a moralidade das relações e vínculos matrimoniais. João é um autêntico profeta, na linha dos grandes profetas de Israel, que exige mudanças radicais tanto o âmbito pessoal como na esfera social. Eias sua voz: “Preparai os caminhos do Senhor; endireitai as veredas para ele. Produzi frutos que mostrem vossa conversão. Quem tiver duas túnicas, dê uma a quem não tem; e quem tiver comida, faça o mesmo...”
 “Desde o seio materno, o Senhor me chamou...”
A liturgia de hoje nos convida a refletir sobre a fonte da profecia, assim como foi experimentada e descrita por Isaías. A profecia nasce da descoberta de ser chamado pelo nome desde um tempo imemorial, desde o seio materno. Não é o indivíduo que decide ser profeta. É Deus que o elege. “Tu és meu servo, é em ti que vou brilhar.” E isso leva leva a duras batalhas, a confiar somente no Deus que chama e que vai à frente, a descobrir-se mais servo que senhor, mais aprendiz que professor.
É importante ter presente que Zacarias parece inicialmente não entender ou não aceitar a vocação profética do filho. Seu ouvido se fecha e sua boca se cala. Sua língua se solta e seus ouvidos se abrem somente quando ele se liberta das malhas da tradição sacerdotal e reconhece que a vocação de João é mostrar a misericórdia de Deus em favor do povo e defendê-los dos inimigos. Oxalá todos os pais e mães possam dar o melhor de si para que seus filhos e filhas descubram e realizem sua vocação na Igreja e no mundo de hoje, antecipando isso no próprio nome que escolhem para eles!
“Quero fazer de ti uma luz para as nações...”
O perdão gratuito dos pecados que João pregará será uma senha que abrirá as portas da vida a todos os excluídos, tanto judeus como pagãos. À luz de Isaías, podemos dizer que a profecia autêntica não se deixa limitar pelas paixões nacionalistas. “É muito pouco seres o meu servo só para resutaurar as tribos de Jacó, só para trazer de volta os israelitas que escaparam. Quero fazer de ti uma luz para as nações, para que minha salvação chegue até os confins do mundo.”
As comunidades cristãs reúnem homens e mulheres que descobriram sua vocação de derrubar muros, de ultrapassar fronteiras – geográficas, sociais, políticas e culturais – para abrir estradas e edificar pontes capazes de unir diferentes grupos humanos. Sem esquecer que nossa vocação também é superar as estreitas fronteiras eclesiais e doutrinais, procurando levar a semente perigosa e promissora do Evangelho aos âmbitos econômico, político e cultural. A boa profecia não se detém na proposta de uma reforma dos costumes.
“A mão do Senhor estava com ele...”
No clima alegre e singelo das festas juninas não posso deixar de mencionar o testemunho profético de um jovem que nos deixou tragicamente há poucos anos. Ele se chamava Pedro Fukuyei Yamaguchi Ferreira, tinha 27 anos e era advogado, filho de Paulo Teixeira Ferreira (deputado federal pelo PT-SP) e da advogada Alice Yamaguchi Ferreira. Pedro renunciou a uma promissora carreira advocatícia em São Paulo foi a São Gabriel da Cachoeira (AM) como missionário leigo e advogado popular a serviço dos indígenas. Morreu afogado no rio Negro alguns meses depois.
O Bispo de São Gabriel da Cachoeira, testemunha a seu respeito: “Como os índios das vinte e três etnias do Rio Negro se consideram parentes, Pedro já tinha sido adotado como parentes deles. Era alegre, comunicativo, bem humorado, apaixonado por samba e futebol...” Recentemente Pedro escrevera aos amigos: “Tenho trabalhado bastante. As pessoas têm me procurado bastante, e ficam aliviadas quando sabem que eu não cobro pelo trabalho... Eu quero trabalhar para mostrar que cadeia não funciona e que temos de achar outras soluções, sobretudo com os Povos Indígenas, que têm peculiaridades culturais próprias.” Vivam sempre a alegria, a coragem e a liberdade proféticas!

Pe. Itacir Brassiani msf

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