terça-feira, 30 de julho de 2013

Uma invocação a Dom Romero

 Prece a Dom Oscar Romero
Nós te invocamos, Dom Oscar Romero, bispo dos pobres, profeta da justiça e mártir da paz: alcança-nos do Senhor a graça de dar primazia à sua Palavra e ajuda-nos a intuir sua radicalidade e a sustentar sua força, mesmo quando ela nos desestabiliza. Livra-nos da tentação de estirilizá-la por medo dos poderosos, de domesticá-la por submissão aos que comandam, de esvaziá-la por medo de que nos envolva e comprometa.
Não permitas que em nossos lábios a Palavra de Deus se contamine com os detritos da ideologia do sucesso e da prosperidade, mas ajuda-nos também a encarná-la corajosamente história, inclusive na nossa pequena crônica pessoal e comunitária, para que ali produza a história da salvação. Ajuda-nos a compreender que os pobres são o lugar onde Deus se manifesta e a sarça ardente de onde ele nos fala.
Roga, Dom Romero, para que a Igreja de Cristo não se cale. Pede ao Espírito que derrame sobre ela a parresía de que necessita para abandonar a sutileza da linguagem comedida e dizer com todas as letras que a corrida armamentista é um crime e um ultraje aos pobres, que o sistema econômico vigente é uma idolatria que mata.
Pede, Dom Romero, que todos os bispos da terra sejam defensores da Justiça e construtores da Paz, e assumam a não-violência ativa como critério hermenêutico do seu compromisso pastoral, convictos de que a segurança material e a prudência do espírito não são coisas equiparáveis.
Pede, Dom Romero, por todos os povos do terceiro e do quarto mundos oprimidos pela dívida externa. Por tua tua amizade com o Pai, alcança o perdão destes desumanos fardos de escravidão. Apressa os tempos nos quais uma nova ordem econômica internacional liberte o mundo de todos os aspirantes ao papel de Deus.

Enfim, Bispo Romero, pede por todos nós aqui presentes, para que Deus nos dê o privilégio de fazermo-nos próximos, como tu, de todos aqueles que lutam para sobreviver. E se a luta pelo Reino dilacerar nossa carne, faz que os estigmas deixados pelos pregos nas nossas mãos crucificadas, sejam janelas através das quais possamos vislumbrar desde agora céus novos e terras novas.


(Traduzido e adaptado da homilia de Dom Tonino Bello, por ocasião do sétimo aniversário do Martírio de Dom Oscar Romero. Roma, 23.03.1987)

domingo, 28 de julho de 2013

Leonardo Boff avalia o ministério do Papa Francisco

O que o Papa Francisco trouxe até agora de novo?
É arriscado fazer um balanço do pontificado de Francisco pois o tempo decorrido não é suficiente para termos uma visão de conjunto. Numa espécie de leitura de cego que capta apenas os pontos relevantes, poderíamos elencar alguns pontos.
Do inverno ecclesial à primavera: Saimos de dois pontificados que se caracterizaram pela volta à grande disciplina e pelo controle das doutrinas. Tal estratégia criou uma espécie de inverno que congelou muitas iniciativas. Com o Papa Francisco, vindo de fora da velha cristandade européia, do Terceiro Mundo, trouxe esperança, alívio, alegria de viver e pensar a fé crista. A Igreja voltou a ser um lar espiritual.
De uma fortaleza à uma casa aberta: Os dois Papas anteriores passaram a impressão de que a Igreja era uma fortaleza, cercada de inimigos contra os quais devíamos nos defender, especialmente o relativismo, a modernidade e a pós-modernidade. O Papa Francisco disse claramente: “quem se aproxima da Igreja deve encontrar as portas abertas e não fiscais da alfândega da fé; “é melhor uma Igreja acidentada porque foi à rua do que uma Igreja doente e asfixiada porque ficou dentro do templo”. Portanto mais confiança que medo.
De Papa a bispo de Roma: Todos os Pontífices anteriores se entendiam como Papas da Igreja universal, portadores do supremo poder sobre todos as demais igrejas e fiéis. Francisco prefere se chamar bispo de Roma, resgatando a memória mais antiga da Igreja. Quer presidir na caridade e não pelo direito canônico, sendo apenas o primeiro entre iguais. Recusa o título de Sua Santidade, pois diz que “somos todos irmãos e irmãs”. Despojou-se de todos os títulos de poder e honra. O novo Anuário Pontifício que acaba de sair cuja página inicial deveria trazer o nome do Papa com todos os títulos, agora aparece apenas assim: Francesco, bispo de Roma.
Do palácio à hospedaria: O nome Francisco é mais que nome; sinaliza um outro projeto de Igreja na linha de São Francisco de Assis: “uma Igreja pobre para os pobres” como disse, humilde, simples, com “cheiro de ovelhas” e não de flores de altar. Por isso deixou o palácio papal e foi morar numa hospedaria, num quarto simples e comendo junto com os demais hóspedes.
Da doutrina à prática: Não se apresenta como doutor mas como pastor. Fala a partir da prática, do sofrimento humano, da fome do mundo, dos imigrados da África, chegados à ilha de Lampedusa. Denuncia o fetichismo do dinheiro e o sistema financeiro mundial que martiriza inteiros países. Desta postura resgata as principais intuições da teologia da libertação, sem precisar citar o nome. Diz: “Atualmente, se um cristão não é revolucionário, não é cristão; deve ser revolucionário da graça”. E continua: “é uma obrigação para o cristão envolver-se na política, pois a política é uma das formas mais altas da caridade”. E disse a Presidenta Cristina Kirchner: “é a primeira vez que temos um Papa peronista” pois nunca escondeu sua predileção pelo peronismo. Os Papas anteriores colocavam a política sob suspeita, alegando a eventual ideologização da fé.
Da exclusividade à inclusão: Os Papas anteriores enfatizaram, especialmente Bento XVI, a exclusividade da Igreja Católica, a única herdeira de Cristo fora da qual corre-se risco de perdição. O Francisco, bispo de Roma, prefere o diálogo entre as Igrejas numa perspectiva de inclusão, também com as demais religiões no sentido de reforçar a paz mundial.
Da Igreja ao mundo: Os Papas anteriores davam centralidade à Igreja reforçando suas instituições e doutrinas. O Papa Francisco coloca o mundo, os pobres, a proteção da Terra e o cuidado pela vida como as questões axiais. A questão é: como as Igrejas ajudam a salvaguardar a vitalidade da Terra e o futuro da vida?
Como se depreende, são novos ares, nova música, novas palavras para velhos problemas que nos permitem pensar numa nova primavera da Igreja.

Leonardo Boff

Via-Sacra da JMJ 2013

Via Sacra do Jovem Solidário
Quem quiser ser meu discípulo, tome sua cruz e siga-me! (Mt 16,24)

Introdução
Nós te adoramos e te bendizemos, Senhor Jesus Cristo, redentor da humanidade. Tua entrega na cruz nos dá a Vida, mostra o Caminho, revela a Verdade!
Ó Pai, enviaste o Teu Filho Eterno para salvar o mundo e escolheste homens e mulheres para que, por Ele, com Ele e n’Ele, proclamassem a Boa-Nova a todas as nações. Concede as graças necessárias para que brilhe no rosto de todos os jovens a alegria de serem, pela força do Espírito, os evangelizadores de que a Igreja precisa no Terceiro Milênio. Amém!

1º ESTAÇÃO – Jesus é condenado à morte
Do Evangelho segundo São João (19, 14-16): “Era véspera da Páscoa, por volta do meio-dia. Pilatos disse aos judeus: “Aqui está o vosso rei” Eles começaram a gritar: “Fora! Fora! Crucifica-o” Pilatos perguntou: “Mas eu vou crucificar o vosso rei?” Os chefes dos sacerdotes responderam: “Não temos outro rei além de César.” Então, finalmente, Pilatos entregou Jesus a eles para que fosse crucificado”. Eles levaram Jesus. Um inocente foi condenado.
Um missionário de fronteira: Senhor Jesus, Cristo Redentor, eis-me aqui! Fui atraído pelo teu divino Coração. Venho das fronteiras do mundo. Sou missionário e encontro no meu caminho muitos jovens inocentes que todos os dias são condenados à morte pela pobreza, pela violência e por todo tipo de consequências do pecado que nos machuca desde as origens da humanidade. Quero seguir teus passos na certeza de que tudo posso n’Aquele que me fortalece e se Deus é por nós, quem será contra nós? (Cf. Fil 4,13; Rm 8,31-32)

2ª ESTAÇÃO – Jesus toma a cruz aos ombros
Do Evangelho segundo São Marcos e São João: Depois de zombarem de Jesus, tiraram-lhe o manto vermelho, o vestiram de novo com as próprias roupas dele, e o levaram para fora, a fim de o crucificarem. (Mc 15, 20) Levaram então consigo Jesus. Ele próprio carregava a sua cruz para fora da cidade, em direção ao lugar chamado Calvário, em hebraico Gólgota. (Jo 19,17). Assumiu uma cruz que não era dele.
Um jovem convertido: Senhor Jesus, Cristo Redentor, eis-me aqui! Fui convertido pelo teu divino Coração. Tomaste sobre os ombros minhas dores e misérias (Cf. Is 53,4.). Era minha a cruz que te feriu. Quero completar o teu sacrifício em minha vida, deixando-me tocar por tão grande amor e dando testemunho com as palavras e com o exemplo ali onde o mundo precisa. Levarei para sempre a tua cruz no meu peito e as tuas palavras no meu coração. Quero ser instrumento deste amor que nunca se cansa de amar.

3ª ESTAÇÃO – Jesus cai pela primeira vez
Do livro do profeta Isaías (53, 4-5): “Eram as nossas doenças que ele carregava, eram as nossas dores que ele levava em suas costas. E nós achávamos que ele era um homem castigado, um homem ferido por Deus e humilhado. Mas ele estava sendo transpassado por causa de nossas revoltas, esmagado por nossos crimes. Caiu sobre ele o castigo que nos dá a paz; e por suas feridas é que fomos curados.” A cruz foi ficando pesada.
Jovem voluntário numa comunidade de recuperação: Senhor Jesus, Cristo Redentor, eis-me aqui! Nas quedas sou animado pelo teu humilde Coração. Sou voluntário numa comunidade de recuperação de jovens que caíram na dependência química. São vítimas de um comércio violento e cruel. São desfigurados e correm o risco de permanecer no chão. Vejo teu rosto na face de cada um deles. Ensina-me a ser como o bom samaritano que, para além dos discursos, tem coragem de levantar quem está caído à beira do caminho e cuidar de suas feridas (Cf. Lucas 10,25-37). Neste gesto de solidariedade salutar, ensina-me que somente em ti encontraremos a total transfiguração.

4ª ESTAÇÃO – Jesus encontra sua aflita mãe
Do Evangelho segundo São Lucas (2, 34-35.51b): “Simeão abençoou-os e disse a Maria, sua mãe: ‘Este menino está aqui para queda e elevação de muitos em Israel e para ser sinal de contradição. Quanto a vós, uma espada há de atravessar-lhe a alma. Assim serão revelados os pensamentos de muitos corações.’ Sua mãe guardava todas estas coisas no seu coração.” Dor de filho, dor de mãe!
Uma jovem mãe: Senhor Jesus, Cristo Redentor, eis-me aqui! Contemplo a profunda comunhão de amor entre o teu Coração e o coração de tua mãe. É uma comunhão redentora! Aquela troca silenciosa de olhares no caminho da cruz fala mais do que qualquer discurso ou palavra. A dor do filho é realmente a dor da mãe. Isto me faz pensar nas lutas em favor da vida da sua concepção até o seu fim natural. Nós mulheres temos uma vocação muito forte para defender tudo o que vive. Não podemos aceitar a violência de quem se acha no direito de interromper uma vida indefesa. Queremos proclamar com tua mãe: O Senhor fez em mim grandes coisas. Derruba do trono os arrogantes e eleva os humildes. Manifesta a força de seu braço e nos sustenta nos caminhos vida.

5ª ESTAÇÃO – Simão Cireneu ajuda Jesus a carregar a cruz
Do Evangelho segundo São Lucas (23, 26) e São Mateus (16,24): “Enquanto o conduziam, detiveram um certo Simão de Cirene, que voltava do campo, e impuseram-lhe a cruz para que a carregasse atrás de Jesus. (Lc 23, 26) Jesus disse aos seus discípulos: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz, e me siga.” (Mt 16,24). Converteu-se enquanto ajudava Jesus.
Jovem seminarista: Senhor Jesus, Cristo Redentor, eis-me aqui! Fui chamado pelo teu divino Coração. Sou um jovem vocacionado a caminho do sacerdócio. O teu apelo ressoa muito forte no meu interior: Quem quiser ser meu discípulo, tome sua cruz e siga-me! Mas nem sempre compreendo que a luz passa pela cruz. Ao carregar um pouco do teu fardo quero aprender os caminhos da configuração a ti. Livra-me da tentação dos primeiros lugares e ensina-me a ser um bom pastor. Que um dia eu possa dizer: eu vivo, mas não sou eu que vivo; é Cristo que vive em mim (Cf. Gal 2,20).

6ª ESTAÇÃO – Verônica enxuga o rosto de Jesus
Do livro do profeta Isaías (53, 2-3): “Meu servo cresceu como broto na presença do Senhor, como raiz em terra seca. Ele não tinha aparência nem beleza para atrair o nosso olhar, nem simpatia para que pudéssemos apreciá-lo. Desprezado e rejeitado pelos homens, homem do sofrimento e experimentado na dor; como indivíduo de quem a gente esconde o rosto, ele era desprezado e nem tomamos conhecimento dele.” A mulher que não se calou.
Jovem consagrada: Senhor Jesus, Cristo Redentor, eis-me aqui! Sou consagrada ao teu divino Coração no serviço ao meu irmão. Não posso me calar quando encontro nas vias-sacras da vida tantas vítimas de uma “cultura de morte”: mulheres prostituídas e famílias na miséria, enfermos sem atendimento e idosos desprezados, migrantes sem terra e jovens desempregados. Ao enxugar as lágrimas, o suor e o sangue do rosto destes irmãos e irmãs vejo maravilhada que a tua face fica estampada no lenço da minha solidariedade (Cf. Mt 25,31-46).

7ª ESTAÇÃO – Jesus cai pela segunda vez
Do livro das Lamentações (3,1-2.9.16.20-21): “Eu sou alguém que provou a miséria, sob a vara da sua ira. Ele me conduziu e me fez andar nas trevas e não na luz. (…) Embarrou meus caminhos com blocos de pedra, obstruiu minhas veredas. (…) Ele quebrou meus dentes com cascalho, mergulhou-me na cinza. (…) Mas existe alguma coisa que eu lembro e me dá esperança: o amor de Deus não acaba jamais e sua compaixão não tem fim.” Quem caiu subindo, caiu para o alto!
Um casal de namorados: Senhor Jesus, Cristo Redentor, eis-nos aqui! Encontramos em teu Coração a nossa morada. Desde que começamos a namorar ensaiamos o jeito certo de construir uma família que tem papel fundamental na transmissão da fé e da vida. Contemplando a tua paixão entendemos que tudo isso foi por amor. Aprendemos, porém, que as nossas paixões não são um fundamento seguro. Só constrói sobre a rocha, quem edifica no amor (Cf. Mt 7,24-27). Dá-nos a sabedoria de começar a construção pelos fundamentos e não pelo telhado. Ensina-nos que cada escolha exige renúncias. Se cairmos, Senhor, seja sempre avançando e nunca desistindo. Mesmo nas quedas, não permita que nos afastemos de ti.

8ª ESTAÇÃO – Jesus consola as mulheres de Jerusalém
Do evangelho segundo São Lucas (23, 28-31): “Jesus, porém, voltou-se, e disse: “Mulheres de Jerusalém, não chorem por mim! Chorem por vocês mesmas e por seus filhos! Porque dias virão, em que se dirá: ‘Felizes das mulheres que nunca tiveram filhos, dos ventres que nunca deram a luz e dos seios que nunca amamentaram.’ Então começarão a pedir às montanhas: ‘Caiam em cima de nós!’ E às colinas: ‘Escondam-nos!’ Porque, se assim fazem com a árvore verde, o que não farão com a árvore seca?” Vocação de mulher: do berço até a cruz.
Uma jovem: Senhor Jesus, Cristo Redentor, eis-me aqui! No teu Coração tão humano aprendi o valor salvífico do sofrimento e da dor. Completo na minha carne o que falta aos teus sofrimentos pelo teu Corpo, que é a Igreja (Cf. Col 1,24). Teu sacrifício na cruz me ensina que a dor faz parte da condição humana e é tocada inteiramente pelo teu amor que salva. Isto não me leva a uma resignação alienada, mas me faz consciente de que algumas dores são oportunidades para me unir à tua cruz. Ensina-me que na hora da dor melhor do que falar sobre Deus é falar com Deus. A prece consola mais que a explicação.

9ª ESTAÇÃO – Jesus cai pela terceira vez
Do livro das Lamentações (3, 27-32): “É bom para o homem suportar o jugo desde a juventude. Que esteja sozinho e calado, quando cai sobre ele a desgraça; que ponha sua boca no pó: talvez haja esperança; que entregue a face a quem o fere até fartar-se de insultos, porque o Senhor não rejeita para sempre. Se ele aflige, se compadecerá com grande amor.” Depois disso, não mais caiu!
Um jovem cadeirante: Senhor Jesus, Cristo Redentor, eis-me aqui! No teu Coração de mestre encontrei a Verdade. Venho do mundo dos estudos. Eles fazem parte da minha missão neste momento. O conhecimento e a ciência me encantam, mas muitas vezes me seduzem e até induzem a imaginar que não preciso de ti. Mas meu coração tem sede de um amor e de uma verdade que superam os amores e as verdades desta terra. Apenas na tua Verdade encontro a sabedoria eterna. E neste tesouro encontro as forças para não mais cair. Apenas quem encontra a Verdade, para além dos limites do corpo, fica verdadeiramente de pé.

10ª ESTAÇÃO – Jesus é despojado de suas vestes
Do evangelho segundo São Mateus (27, 33-36): “Chegados a um lugar chamado Gólgota, quer dizer “Lugar do Crânio”. Aí deram vinho misturado com fel para Jesus beber. Ele provou, mas não quis beber. Depois de o crucificarem, fizeram um sorteio, repartindo entre si as roupas dele. E ficaram aí sentados, montando guarda.” Era pobre e mais pobre morreu!
Jovem conectado às redes sociais: Senhor Jesus, Cristo Redentor, eis-me aqui! Teu Coração me ensina que a verdadeira identidade está para além da aparência. Livra-me da superficialidade. Faço parte desta geração que nasceu conectada por meio da Internet. Sei que as redes sociais são uma possibilidade para construir relações verdadeiras, mas exigem muita atenção abrir não da identidade e cair na dispersão. Olhando para o teu despojamento total no caminho da cruz eu te peço: ensina-me que a felicidade passa por uma vida simples e despojada. A roupa, a moda e a aparência nunca serão mais importantes do que existe no interior de cada um. Que a tua graça nos ensine os caminhos para evangelizar o “continente digital” e nos deixe atentos à possível dependência ou confusão entre o real e o virtual.
11ª ESTAÇÃO – Jesus é pregado na cruz
Dos evangelhos: Acima da cabeça de Jesus puseram o motivo da sua condenação: “Este é Jesus, o Rei dos Judeus.” Com Jesus, crucificaram também dois ladrões, um à direita e outro à esquerda. As pessoas que passavam por aí, o insultavam, balançando a cabeça, e dizendo: “Tu que ias destruir o Templo, e construí-lo em três dias, salva-te a ti mesmo! Se é o Filho de Deus, desce da cruz!” Feita de dois riscos foi a sua cruz.
Um jovem da Pastoral Carcerária: Senhor Jesus, Cristo Redentor, eis-me aqui! No teu divino Coração encontrei a verdadeira liberdade. Estou consciente daquilo que disse João Paulo II: “a pior das prisões é um coração fechado”. Milhões de jovens estão presos cumprindo pena por um erro cometido. Teu olhar de perdão no alto da cruz me faz pensar que é possível mudar de vida. Ensina-me que a tua cruz uniu a terra e o céu e os teus braços abertos acolhem a todos, até quem está na prisão (cf. Mt 25,43). É bom saber que amas não apenas quem é justo e santo, mas também o pecador (cf. Rm 5,8). Obrigado, Senhor, pela tua imensa compaixão!

12ª ESTAÇÃO – Jesus morre na cruz
Do evangelho segundo São Mateus (27, 45-50): “Desde o meio-dia até as três horas da tarde houve escuridão sobre toda a terra. Pelas três horas da tarde Jesus deu um forte grito: (…) “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (…) Alguém foi correndo pegar uma esponja, a ensopou em vinagre, colocou-a na ponta de uma vara, e deu para Jesus beber. (…) Então Jesus deu outra vez um forte grito, e entregou o espírito.” O autor da vida aceitou morrer.
Jovem que trabalha com doentes terminais: Senhor Jesus, Cristo Redentor, eis-me aqui! Teu Coração aberto na cruz é a fonte da vida para todos os que vivem na doença um tempo difícil de purificação. Acompanho o calvário de irmãos em estado terminal. A certeza da tua presença muda até mesmo o sentido da dor. Um instante contigo tem o sabor da eternidade. Então, Senhor, fortalece em mim a fé, a esperança e a caridade. Faz de mim um missionário da vida, da cura, do cuidado dos pobres e esquecidos. Morrendo para mim mesmo, converte-me para o serviços aos irmãos.

13ª ESTAÇÃO – Jesus é descido da cruz
Do evangelho segundo São Lucas (23, 50.52-53): “Havia um homem bom e justo, chamado José. Era membro do Conselho, mas não tinha aprovado a decisão, nem a ação dos outros membros. Ele era de Arimatéia, cidade da Judéia, e esperava a vinda do reino de Deus. José foi a Pilatos, e pediu o corpo de Jesus. Desceu o corpo da cruz, o enrolou num lençol, e o colocou num túmulo escavado na rocha, onde ninguém ainda tinha sido sepultado.” Maria e os discipulos o descrucificaram.
Um jovem com deficiência autitiva: Senhor Jesus, Cristo Redentor, eis-me aqui! É maravilhoso escutar as lições do teu divino Coração. Passo os dias no silêncio de sons e palavras. Não consigo ouvir com os ouvidos, mas escuto tua voz em meu coração. Ao ver-te descido da cruz, repousar no colo piedoso de tua querida mãe, sinto que todos os discursos são insuficientes e uma única palavra já é demais. Existem momentos em que o silêncio e a contemplação falam muito mais. Ensina-me a descrucificar os meus irmãos. Que o meu testemunho seja um silencioso grito de amor e de solidariedade.

14ª ESTAÇÃO – Jesus é sepultado
Do evangelho segundo São Mateus (27, 59-61): “José, tomando o corpo, o envolveu num lençol limpo, e o colocou num túmulo novo, que ele mesmo havia mandado escavar na rocha. Em seguida, rolou uma grande pedra para fechar a entrada do túmulo, e retirou-se. Maria Madalena e a outra Maria estavam aí sentadas, em frente ao sepulcro.” Semeado no silêncio fecundo.
Jovens dos cinco continentes (europeu, europeu do leste, africano, norte-americano, latino-americano, asiático e da oceania): Senhor Jesus, Cristo Redentor, aqui estamos, envia-nos! (Cf. Is 6,8). Queremos ser um só coração e uma só alma. Iremos a todas as nações da terra para dar testemunho de que encontramos o verdadeiro caminho para a vida. A semente de tua Palavra caiu em nossos continentes. Não ficará sepultada na terra. Ensina-nos a cultivá-la para que nasçam os frutos de uma nova evangelização.
Que o Leste Europeu seja marcado pela paz e pela liberdade religiosa. Que a Europa supere a agressiva onda de secularização pelo anúncio corajoso da fé. Que a África supere a violência e construa a Igreja como família e a família como Igreja. Que a América do Norte reconheça as culturas que afastam do Evangelho. Que a América Latina e o Caribe encontrem caminhos para superar a injustiça e a violência. Que a minoria cristã da Ásia seja presente como semente fecunda, mesmo quando perseguida. Que a Oceania sinta mais fortemente o compromisso de anunciar o Evangelho!
Conclusão
Nós te adoramos e te bendizemos, Senhor Jesus Cristo, redentor da humanidade. Tua entrega na cruz nos dá a Vida, mostra o Caminho, revela a Verdade!
Ó Cristo, Redentor da humanidade, Tua imagem de braços abertos no alto do Corcovado acolhe todos os povos. Em Tua oferta pascal, nos conduziste pelo Espírito Santo ao encontro filial com o Pai. Os jovens, que se alimentam da Eucaristia, Te ouvem na Palavra e Te encontram no irmão, necessitam de Tua infinita misericórdia para percorrer os caminhos do mundo como discípulos missionários da nova evangelização. Amém!
 (Textos: Pe. Zezinho, scj e Pe. Joãozinho, scj)


Palavra & Polêmica

O mundo da vida tem força sobre o mundo do pensamento. Frequentemente idéias e práticas que julgávamos superadas reaparecem com força no cotidiano. E mesmo princípios que retínhamos claros, essenciais e enraizados na vida, acabam relatizados e acomodados às velhas formas de pensar. Ofereço dois exemplos daquilo que acabo de afirmar. O primeiro é a idéia de sacrifício. Há poucos dias, na assembléia da CRB realizada em Brasília, fiquei impressionado com a ênfase que um bispo deu à leitura sacrifical da vida de Jesus, ignorando quase que totalmente a interpretação profética. Cheguei quase a me convencer que Jesus foi mesmo oferecido em sacrifício sobre um altar, em meio a candelabros e incenso, e não tenha sido vítima da resistência que lhe opuseram os poderes religiosos e políticos. O segundo exemplo são as homilias que tenho ouvido sobre o episódio de Jesus na casa de Marta e Maria. Não sei se por superficialidade ou por preguiça, a maioria dos pregadores ignora a advertência de Jesus e concilia o inconciliável: a operosidade de Marta com a docilidade de Maria. Mas Jesus não disse que ‘uma só coisa é necessária’, e que Maria soube escolher? É claro que não se trata de escolher entre a passividade eivada de indiferença e o ativismo previdente e responsável. No episódio de Lc 10,38-40 o que se condena em Marta é uma fé agitada e pressionada por mil leis e normas (como aquela do sacerdote e dos levitas em Lc 10,25-37), a ponto de se tornar incapaz de misericórdia e de compaixão (encarnadas exemplarmente pelo samaritano e ensinada por Jesus). Eis aí a questão: parece muito mais cômodo e fácil permanercer no senso comum e aparar as arestas do Evangelho, colocando vinho novo em velhor barris. Ou seja: ressuscitar a velha e antropologicamente mórbida idéia de sacrifício; reafirmar a necessidade de cumprir um monte de leis inócuas e opressoras. A quem interessa isso? (Itacir msf)

sábado, 27 de julho de 2013

JMJ 2013 Rio

Jornada Mundial de Juventude: algumas inquietações

O Brasil está sendo movido e comovido pela Jornada Mundial da Juventude (JMJ). Até a imprensa tradicional e comercial está se dobrando a um fato que se torna necessariamente notícia religiosa. A presença do Papa Francisco recebe um destaque suplementar. Mas também a Igreja católica dirige para a JMJ suas atenções e recursos, e tem nela sua visibilidade. E isso não deixa de proporcionar ao mundo católico um crto alívio e uma sensação de relevância que se pensava perdida.

Acabo de assistir a Via-Sacra da Jornada, montada e apresentada nas areias da praia de Copacabana: um texto leve, breve e orante, acompanhado por cenas comoventes, sempre unindo o caminho de Jesus com a caminhada da juventude e seus desafios. Pouco acompanhei dos demais momentos, especialmente das catequeses feitas nas comunidades paroquiais na parte da manhã. Certamente estas atividades, mesmo sem a publicidade das demais, contribui para uma fé mais enraizada e menos espetacular. E é isso que permanecerá, junto com a experiência indelével de fraternidade universal.

Mas confesso que aquilo que vi da JMJ me deixa algumas inquietações. E a primeira é a excessiva centralização na figura do Papa Francisco (e dos bispos). Nem de longe me passa pela cabeça negar a lufada de ar renovado que ele vem ajudando a Igreja toda a respirar, tanto pelas suas palavras como pelo seu testemunho. Mas esse velho hábito de saudar o Papa como ‘vigário de Cristo’, não é coisa superada? Ou será que esquecemos Mt 25,31-46 (e outras passagens), onde Jesus estabelece claramente os pobres como seus representantes no mundo?

Uma outra preocupação é sobre o papel dos/as jovens na Jornada. A JMJ é uma atividade do Papa ou um evento organizado e protagonizado pela Juventude? Onde está o protagonismo dos/as jovens? Eles são sujeitos ou apenas destinatários da JMJ? Causou-me desconforto ver que, cada vez que um/a jovem toma a palavra ou sobe ao ‘palco’ para intervir numa liturgia, sempre aparece acompanhado por um sacristão, seminarista ou padre (mesmo que também esses sejam jovens). Os jovens são menores que precisam de tutela clerical?

Todos sabemos (ou esperamos) que a JMJ não se reduz às atividades desta semana. Oxalá os dois anos de preparação, a peregrinação da cruz oficial por todas as dioceses brasileiras, as atividades para reunir recursos econômicos, a organização da hospitalidade para acolher os jovens que vieram de outros estados e países representem um dinamismo que deixe suas marcas, germine e frutifique numa Igreja menos clerical e mais jovem.


Itacir Brassiani msf 

17° Domingo do Tempo Comum

Na oração, alargamos a visão e confirmamos a caminhada.
(Gn 18,20-32; Sl 137/138; Cl 2,12-14; Lc 11,1-13)

A oração faz parte da vida de Jesus Cristo e da vida dos cristãos. Há quem reza muito e quem reza pouco; quem prefere rezar sozinho e quem prioriza a oração comunitária; quem reza para sustentar a luta e quem reza em vez de lutar; quem se dedica ao louvor e quem se concentra nas lamentações. Há também grupos que se encarregam de rezar por procuração e pessoas que atribuem a outros a tarefa de rezar em seu lugar. E não faltam santos e santas que advertem sobre a insuficiência da nossa oração. Até Maria, em algumas aparições mais recentes, parece obsessionada pela questão da oração. Porém, o mais importante não é a quantidade de tempo dedicado e nem as fórmulas usadas para rezar, mas a atitude profunda e global diante de Deus e da urgência de realizar seu reinado no mundo.
“Jesus estava orando num certo lugar...”
A catequese de Jesus sobre a oração que a liturgia nos propõe hoje está inserida no contexto da caminhada para Jerusalém, onde se daria o confronto decisivo entre seu projeto de vida e os poderes da oficialidade. Depois de nos contar o ensino de Jesus sobre a necessidade de fazer-se próximo de quem está em situação de vulnerabilidade e de nos apresentar a lição na casa de Marta e de Maria, Lucas começa dizendo muito genericamente que “um dia, Jesus estava orando num certo lugar”.
A oração de Jesus está claramente a serviço da fidelidade à decisão de construir o Reino de Deus mediante o serviço profético em favor dos últimos e o enfrentamento das forças que se lhe opõem. Nos momentos de oração Jesus vislumbra e recoloca diante de si o horizonte maior do Reino de Deus e confirma seus passos nesta direção. Jesus não parece preocupado em pedir que os discípulos rezem, mas ele mesmo se retira em oração para confirmar sua identidade e renovar sua responsabilidade.
Observando Jesus em oração, são os discípulos que pedem que lhes ensine a rezar. Eles conheciam os ritos e fórmulas de oração ensinados por João Batista e por outros líderes, como os que pertenciam ao grupo dos essênios. Parece que os discípulos desejam que Jesus lhes ensine ritos e práticas definidas e rígidas de oração, como aquelas que haviam aprendido no judaísmo. Anelam por práticas espirituais que dispensem das exigências da conversão ao Reino, do despojamento e do dom de si.
“Pedi e vos será dado...”
A oração praticada e ensinada por Jesus Cristo supõe a consciência de que somos seres carentes, necessitados e limitados diante da grandeza da missão. Em outras palavras, a base humana da oração é a abertura ao futuro, aos outros e a Deus. Quem dispõe de todos os poderes não precisa pedir nada nem agradecer a ninguém. E quem está absolutamente satisfeito com o presente, não espera nada para a futuro, a não ser um prolongamento repetitivo do presente.
Mas longe de induzir à passividade e desenvolver uma visão mágica da vida, a oração cristã ajuda a fecundar e potencializar os recursos de que dispomos para construir a vida e transformar a história. O pedido de quem reza supõe, expressa e cultiva a consciência de que algo importante falta à história, à Igreja ou às pessoas singulares. No pedido orante está imbutido o senso de urgência e de responsabilidade pessoal e comunitária diante dos dramas e necessidades do mundo.
“Pai, santificado seja o teu nome.”
Para Jesus, Deus é Alguém bom, presente e próximo, e a oração se sustenta numa relação de absoluta confiança, amizade e intimidade com Ele, como aquela do/a filho/a que confia no pai e na mãe e os sente próximos. É uma confiança que permite até a insistência em favor dos/as amigos/as, como demonstram o pedido de Abraão em favor do povo de Sodoma e a parábola do vizinho que bate à porta do amigo para pedir-lhe ajuda. “Vais realmente exterminar o justo com o ímpio?”
Segundo a prática e o ensino de Jesus, a oração parte da contemplação da ação libertadora de Deus que está em curso na história. É isso que significa dizer “santificado seja o teu Nome”. Na tradição bíblica, Deus é santificado quando liberta os oprimidos, perdoa os pecadores, sacia os famintos, repatria os exilados, garante um abrigo aos deserdados. Ou, como cantamos hoje: “Teu Nome é santificado naqueles que morrem defendendo a vida. Teu nome é glorificado quando a justiça é nossa medida.”
Mas o rio da santidade de Deus, que fertiliza a terra e possibilita uma vida abundante aos seus filhos e filhas, tem um leito ainda  muito estreito que precisa ser alargado. E aqui a oração entra como uma pedagogia que suscita e ressuscita em nós o ardente anseio do Reino de Deus. “Venha o teu Reino!” Esta súplica profunda e envolvente ajuda a evitar duas atitudes pouco cristãs: a conformidade resignada com o mundo do jeito que ele está; a preocupação escapista com uma indefinida vida depois da morte.
“Dá-nos a cada dia o pão cotidiano...”
A oração cristã é uma ação essencialmente comunitária, e está voltada ao presente histórico. E isso está patente na segunda parte da oração que Jesus nos ensinou: os pedidos estão na segunda pessoa do plural e são expressão da voz de uma comunidade. Mesmo quando oração é feita individualmente, ela sempre supõe uma comunhão real, profunda e visceral não apenas com os cristãos da comunidade ou da mesma Igreja, mas com a humanidade e a criação inteira.
É em nome da humanidade à qual nos sentimos intrinsecamente unidos que pedimos: “Dá-nos, a cada dia, o pão cotidiano, e perdoa-nos os nossos pecados...” O primeiro pedido adquire tons dramáticos e proféticos num contexto histórico no qual mais de um bilhão de pessoas – quase 20% da população mundial! – não dispõem da alimentação necessária em termos de quantidade e qualidade. E não se trata de postular o pão para um futuro distante, mas para cada dia, para hoje!
Um segundo pedido ensinado por Jesus na sua síntese da postura de uma pessoa orante é o perdão dos pecados. Não obstante os moralismos que se sucedem e pesam sobre a cabeça e a alma de tanta gente discriminada, com o conceito ‘pecado’ é designada a situação humana de quem não alcançou a plena realização, de quem ficou aquém ou perdeu o rumo. Paulo diz que Deus anulou o documento das nossas dívidas, pregando-o na cruz. Mas a oração ajuda a assimilar existencialmente o perdão já concedido.
“E não nos deixe cair em tentação.”
Na oração nos propõe, que Jesus Cristo nos previne contra as muitas tentações que nos rondam. No caso dos Doze, temos bem presente quais são: uma ideologia religiosa violenta e nacionalista; uma evangelização integrista, pronta a proibi-la a quem não pertence ao própio grupo e a punir os que a ela se opõe (cf. Lc 9,49-56); uma religião que se refugia em Deus e relativiza o amor concreto (cf. Lc 10,25-37); uma preocupação exagerada com regras e ritos e pouco atenta ao discipulado (cf. Lc 10,38-42).
São reais as tentações que hoje rondam a vida das comunidades cristãs, e uma delas é tratar as diversas Igrejas ou confissões cristãs como heréticas, inferiores ou inimigas, como se não tivessem a mesma origem, a mesma base e o mesmo objetivo. Somos responsáveis diante de Deus pelo obstáculo que nossas divisões provocam aos homens e mulheres de boa vontade que buscam a Deus de coração sincero mas tropeçam no nosso contra-testemunho.
Uma segunda tentação na qual caímos com muita frequência, inclusive quando rezamos, é o desprezo ou a fuga da história de dor e esperança do tempo no qual vivemos. Caímos na tentação de multiplicar regras e cânones litúrgicos, hierarquizar protagonistas e agentes, priorizar as necessidades espirituais e individuais, focalizar tudo na vida depois da morte. Quando o Reino de Deus não nos interessa mais, como podemos santificar seu Nome? Ou nossa oração tem raízes na história, ou não é cristã.
“O pai do céu dará o Espírito Santo aos que lhe pedirem.”
Jesus de Nazaré, filho amado do Pai, irmão e amigo da humanidade e mestre na arte de rezar: ajuda-nos a pedir o que realmente necessitamos para continuar no teu caminho, e não aquilo que nos agrada ou facilita as coisas. Tanto nosso pai Abraão como tu mesmo sublinhas a importância de pedir com confiança e até insistir nos pedidos. Mas qual é o pedido que o teu e nosso Pai não deixa sem resposta? Certamente não é o alimento (peixe e ovo), nem simplesmente a saúde, o sucesso ou uma boa morte. O que necessitamos realmente, e tu nos dás seguramente, é teu Espírito, sem o qual não há discipulado, profecia, liberdade e vida verdadeiras. Envia-nos teu Espírito, Senhor, e isso nos basta! Assim seja!

Pe. Itacir Brassiani msf

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Recordando os bons amigos e grandes homens: Pe. Ceolin msf

“Eu me entrego, Senhor, em tuas mãos!”

“Vamos fazer o elogio dos homens famosos...”

Hoje celebramos São Joaquim e Santa Ana, pais de Nossa Senhora e avôs de Jesus de Nazaré. E o texto da Palavra proposto como primeira leitura nos convida a fazer memória dos antepassados, das pessoas boas que nos precederam. “Estes são homens de misericórdia; seus gestos de bondade não serão esquecidos... Seus corpos serão sepultados na paz e seu nome dura atravéas das gerações. Os povos proclamarão sua sabedoria...” (Eclo 44,10-15). Motivado por esta festa e estas palavras, recordo e partilho hoje algumas anotações deixadas pelo Ceolin nos últimos meses de vida.

Que o Pe. Ceolin era uma pessoa sensível, organizada e metódica todos sabemos. Mas fiquei profundamente impressionado ao ler suas anotações diárias (a maioria delas quase telegráficas) na agenda pessoal, nos últimos meses de vida. Não seria difícil, a partir destas poucas palavras, acessar os sentimentos que se aninhavam nele, a madura riqueza da sua personalidade e o testemunho de fé e humanidade que ele nos deixa como herança viva. Recolho e ofereço aqui apenas algumas migalhas, filtradas (e limitadas) pelos meus sentimentos. Outros poderiam fazer outras leituras, enfatizando diferentes sutilezas e detalhes.

Organização e método

Um primeiro elemento que se destaca é a organização atenciosa e metódica do Ceolin. Nas anotações registradas nas agendas de 2012 e 2013 temos uma crônica datalhada da sua longa e dura luta pela saúde: exames, consultas, diagnósticos, sintomas, cirurgias, internações, terapias, repousos domésticos, etc. Nos últimos meses, encontramos anotações precisas e sistemáticas sobre as variações da pressão e da glicose, assim como sobre o decréscimo do peso e o desejado e difícil aumento das plaquetas no sangue. Conheço poucas pessoas que, como ele, tiveram consciência clara e plena daquilo que estava acontecendo.

Eis aqui alguns exemplos: “(16.03.2012) Às 16:40 apresento a radiografia pulmonar ao Dr. Maraschin. Nada de grave. Ele me forneceu o laudo de ciotoscopia a levar ao Dr. Edilson. (10.04.2012) Internação para cirurgia. Cirurgia às 13:30. (25.04.2012) Às 10:30 recebo o resultado da biópsia. O câncer continua. Marco consulta no CACON de Ijuí. (25.05.2012) Hemorragia. À meia-noite, na emergência. 45 dias após a cirurgia. (28.05.2012) Internação no Hospital Santo Angelo (até o dia 1° de junho). (01.06.2012) Acamado em casa (até o dia 8). (01.07.2012) À tarde, início da hemorragia. (15.10.2012) Às 16:00, primeira radioterapia. Serão ao todo 33, cinco por semana. Presvisto até o dia 30.11.”

Preocupação com a saúde

Com o passar do tempo e os poucos sinais de melhora, em algumas anotações transparece uma crescente e compreensível aprensão com a própria saúde: “(06.10.2012) Faz 30 dias que estou em Passo Fundo. (04.03.2013) Jovino faleceu às 3:30, no HSVP. De madrugada, (minha) internação no HSVP, após 7 horas de espera na emergência. Exames e mais exames. (09.03.2013) Dra. Moema pediu que o David venha conversar com ela hoje de manhã e que eu permaneça mais no quarto. Devo evitar os corredores e tocar nos corrimões (bactérias). (13.03.2013) Médicos resolveram que eu siga hospitalizado. Até quando? (15.03.2013) Às 8:00 a Dra. Moema veio ao quarto dizendo que amanhã dará alta e que devo repousar muito em casa e alimentar-me bem. Devo evitar me aproximar demais das pessoas a fim de evitar contágios (infecções). (26.04.2013) À noite, caí no banheiro. Precisei da ajuda da enfermeira para levantar.” (26.05.2013) Na hora do banho matinal, percebo que as manchas púrpura se alastram pelo corpo. O fato é sintoma de que?
Vez por outra, as anotações deixam transparecer um certo alívio ou uma forte expectativa, como nestas que seguem: “(17.03.2013) Dra. Moema: “Amanhã, novo exame de sangue. Terá alta somente quando tiver o medicamento indicado para o seu caso”. (Quantos dias levará para consegui-lo? Veremos! Oxalá que seja já amanhã!” (18.03.2013) Às 9:40 a Dra. Moema veio ao “meu” quarto com a boa notícia que existe no HSVP o medicamento específico para o meu caso. Amanhã receberei alta hospitalar. Graças a Deus!”

Sensibilidade e gratidão

Outro aspecto que me impressionou foi a sua aguçada sensibilidade e sentimento de gratidão pelos gestos de atenção, inclusive aqueles aparentemente insignificantes. Depois da transferência para Passo Fundo, o Pe. Ceolin registrou simplesmente todos os tolefonemas, cartas e visitas que recebeu. Mais tarde, quando precisou de acompanhantes no quarto, sempre registrou o nome dos que estiveram com ele. Os comentários são poucos, mas cada palavra denota profundos sentimentos. E isso vem desde o tempo em que se tratava em Santo Angelo, como demonstram estas duas notas: “(27.05.2012) Não celebrei. Ao meio-dia, Susana e Rômulo trazem almoço e o fazem comigo. (23.07.2012) À tarde, fui a Ijuí marcar consultas e visitar a mãe do Pe. Pedro Almeida. Paulo Amaral levou-me no seu carro.”

Eis mais algumas notas significativas: “(25.11.2012) Às 18:00 recebi telefonema do Itacir (Roma), felicitando-me pelo 56° aniversário sacerdotal. À noite, a mana Neli me telefonou querendo saber como me encontro de saúde. (13.05.2013) Hoje à tarde recebi a visita do velho amigo Eusébio Ceolin. Veio especialmente de Bagé para isso. Está com quase 83 anos. Ele é um irmão de coração. (25.05.2013) Telefonei para a paróquia Sagrada Família. Salete disse que estão pagando a mensalidade do meu celular e do FAC. (15.06.2013) Ao meio dia, as sobrinhas de Chapecó (Ocimar, Cristina e o filhinho) chegaram de visita, com planos de voltar hoje à tarde. Às 19:00 chegaram de São Vicente os sobrinhos Elton Cláudia e a filha Luana. O pernoite é aqui no Lar. O plano é retornarem amanhã, levando as manas Sueli e Helena. (17.06.2013) À tarde, recebi a visita do primo Sílvio Ceolin e mais dois filhos, vindos especialmente de Santo Augusto. Às 17:00 retornaram. Ir. Moacir esteve comigo das 18:00 às 19:00.”

Frente a frente com a morte

O prolongamento da doença, o enfraquecimento físico e o pouco sucesso das terapias foram progressivamente colocando o Ceolin diante da possibilidade muito real morte, a oferta total e radical de si, sem outra garantia que a fé. Podemos imaginar a complexidade dessa experiência. No caso do Ceolin, essa aproximação veio acompanhada (e agravada) pela partida de dois coirmãos que estava no mesmo caminho: o Pe. Jovino – caríssimo amigo seu – e o Pe. Sausen, além do seu velho e amado pároco de Jaguari, Pe. Nelson. O que poderia significar para uma pessoa de 83 constatar que as terapias não estavam ajudando muito e, ao mesmo tempo, acompanhar a partida de dois coirmãos queridos? Com que sentimentos alguém pode entregar-se ao Deus que sempre amou e pregou, mas ao mesmo tempo deixar a vida e as pessoas que quer bem? Vejamos alguns registros que o Ceolin nos deixou sobre essa luta interior.

“(10.03.2013) Aniversário do meu batismo, ocorrido em 10.03.1930, em Ernesto Alves, Santiago (RS). São 9:30. Acabo de celebrar a Eucaristia, no quarto, sozinho, neste dia especial: 83 anos de vida cristã, agraciada de tantas formas. O evangelho de hoje: o filho pródigo, que volta ao Pai. Obrigado, Pai misericordioso! Peço-te mais vida, para fazer-te amado, e ao teu Filho, que veio curar e salvar! Eu CONFIO! (15.04.2013) Falece meu pároco, Pe. Nelson Friederich, com 94 anos de vida e 56 anos em Jaguari. Às 11:15, presidi missa por ele no Lar. (27.04.2013) Passei o dia acamado, por causa da pancada na altura do rim esquerdo, durante a noite. Banho, em cadeira, com a ajuda do David. Pela primeira vez, andei de cadeira de rodas, e com ela jantei. (28.05.2013) Visita da Tere Ceolin. Trouxe um lençol térmico que o Eusébio me mandou... Fiz uma confissão geral. (05.06.2013) Às 10:00, recebo a unção dos enfermos e absolvição geral. Presentes os padres Provincial, Maicon, Hermeto, Schnorr, Leopoldo, Pablo, Ir. Clara Lunkes e David Scortegagna.”

Humor e serenidade

Mas quero também registrar a capacidade de auto-crítica, serenidade e humor, virtudes que o Ceolin não perdeu nem mesmo nessa fase, e que são muito importantes para a nossa saúde psíquica e espiritual. No dia 17.11.2012 o Ceolin anotou laconicamente: “Após expor-me ao forte sol na cidade, ao visitar o Jovino e o Gebert no Hospital, pressão 18 x 10; temperatura 38.” E, no dia 18 de março: “À tarde exagerei ao tentar, ajoelhado, arrancar inço na horta, e não pude mais por-me em pé. Precisei chamar por ajuda.”

No dia 13 de dezembro de 2012, escreveu: “Entrevista com o Coordenador provincial. Assunto: possibilidades futuras a meu respeito, após o reestabelecimento completo da saúde. Enquanto isso, seguirei aqui em Passo Fundo. “De aliis, nisi bene!” Gebert e Sulzbach receberam transferência para o Sítio da Buriti.” E, no no dia 25 de dezembro: “A Província publica as transferências para 2013. A minha será para o Seminário de Santo Angelo (= ‘Asilo de Velhos!...’): Pe. Arno, 80 anos; Ir. Aloísio, 74 anos; Ir. João, 67 anos; Pe. Ceolin, 82 anos e 11 meses...”

Comunhão e compaixão até o fim

Finalmente, como não sublinhar que, mesmo debilitado fisicamente, o Pe. Ceolin não deixou de  demonstrar sua atenção a outras pessoas que também sofriam ou lhe demonstraram afeto? Na página do dia 18 de abril, com indisfarçável emoção, o Pe. Rodolpho anota: “O Ir. Lauri entregou-me carta das Irmãs Carmelitas de Santo Angelo, escrita pela Ir. Milagros. Agradeci-lhes por telefone esta tarde.” Sabemos que não é tão comum telefonar para agradecer uma carta, e ainda mais no mesmo dia em que a recebemos...

No dia 1° de maio, o Pe. Ceolin recordou sua primeira comunhão e escreveu na agenda: “Em 1941, minha primeira comunhão. Em 1994, falecimento da mamãe (19 anos). Às 18:00 o Pe. Maicon levou ao Pe. Hermeto e a mim ao velório da Franciele, filha do nosso enfermeiro Neri, no Bairro Jaboticabal.” No dia 05 de junho, depois da confissão geral, e de receber a unção dos enfermos, fatos registrados com uma caligrafia irreconhecível, sinal da grande emoção que tomava conta dele, escrevia comovido e agradecido: “Ir. Gislena Ziliotto me visita, representando a presença feminina amiga na minha história.”

Ele partiu cercado de amor

Estas poucas notas nos ajudam a entender como são verdadeiras e sinceras as palavras que o Ceolin escreveu para serem lidas na missa das própias exéquias, um verdadeiro testamento humano e espiritual:

“Nos meses, recolhido e acolhido no Lar de Nazaré para tratamento de saúde, junto a confrades verdadeiramente irmãos e funcionárias (os) dedicadas (os), fiz a experiência mais bela da vida: DEUS É TODO AMOR, É PAI DEVERASMENTE MISERICORDIOSO, É PASTOR EM BUSCA DA OVELHA AMADA. Como é bonito estar cercado não só do Amor de Deus mas também muito cercado do amor de vocês, familiares, parentes, amigos (as) de tantos lugares, cercado de amor de meus confrades de toda a Província e do Generalado, cercado, ultimamente pelos de Passo Fundo e de Santo Ângelo; cercado de amor pelos funcionários (as) do Lar de Nazaré...
É bonito morrer cercado de amor como fui pelas queridas irmãs Carmelitas, Pe. Jacinto e Pe. Marcos, pelos funcionários (as) da casa Paroquial, pelos paroquianos (as) que me conduziam ao Hospital de Ijuí, pelos que me assistiam de dia e de noite no Hospital de Santo Ângelo e na casa Paroquial. É mais que bonito morrer cercado de tanto amor dos amados paroquianos (as) que tanto oraram por mim.” Esta foi a versão pessoal do hino “Eu me entrego, Senhor, em tuas mãos”, que o Ceolin cantou com a vida. Deus seja louvado por este belo testemunho, semente que há de germinar.

Itacir Brassiani msf