sexta-feira, 5 de julho de 2013

Minha amizade com o Pe. Rodolpho Ceolin msf

À procura de palavras que dêm sentido a uma perda

Acompanhando com o coração apertado o difícil combate do Ceolin contra o câncer, sabendo da fragilidade em que se encontrava e temendo que ele partisse sem que eu pudesse dizer-lhe o que sentia que deveria dizer, no início de Abril escrevi e enviei a ele uma carta que, com reverência e respeito, dou a conhecer.
“Caríssimo amigo e coirmão Pe. Ceolin!
Os italianos gostam muito de superlativos, mas este, com o qual inicio esta insólita carta, não é motivado por essa espécie de vício de linguagem. Para mim – e para tanta gente, Missionários da Sagrada Família mas não só – dizer que o senhor é caro e precioso é  muito pouco e não faz jus ao carinho que temos pela vossa pessoa e à graça que Cristo vos concedeu de forma tão abundante.
Tento acompanhar de perto, na oração e no sentimento de comunhão, a já longa via-sacra que o senhor vem percorrendo. E, quando digo ‘via-sacra’, não me refiro, como o senhor sabe muito bem e nos ensinou, apenas ao sofrimento que comporta a luta para recuperar a saúde, mas também às inúmras presenças, discretas ou incisivas, mas sempre solidárias, neste percurso. São muitos os cirineus, as verônicas, anônimos companheiros de cricifixão, mulheres e homens que vos acompanham e auxiliam, de perto ou de longe.
Li uma vez que os corpos dos mortos que carregamos ao cemitério têm um peso proporcional às palavras que deveríamos ter dito e não dissemos a eles enquanto viviam. Por isso vos escrevo hoje, caro Pe. Ceolin, para dizer, uma vez mais e com o limite das palavras, o bem que quero, que muitos querem ao senhor. Prefiro vos expressar esse sentimento duas vezes, por carta e, querendo Deus, em julho próximo, do que silenciar.
Abraão intuiu que o fruto de uma vida de peregrino e amigo de Deus, absolutamente confiada a ele, seria uma descendência incontável, como as estrelas do céu e a areia da praia. O senhor saberia contar quantos são os homens e mulheres que destes à luz ou encaminhaste à Luz? Quantos filhos e filhas, mais tarde irmãos e irmãs, a graça de Deus que age no senhor gerou para a fé e para uma vida mais humana? Não se trata de cair na tentação do orgulho vazio, mas tampouco de fechar os olhos às bênçãos que Deus distribuiu e distribui através da vossa vida, por mais limitada e vulnerável que tenha sido.
Falando em primeira pessoa, não sei como agradecer tudo o que o senhor fez por mim, voluntária e involuntariamente. Sim, porque pessoas grandes e verdadeiras influem e ajudam outras mesmo indiretamente. Mas eu tive a graça de ser acolhido no Escolasticado pelo senhor, de tê-lo como mestre no noviciado e, depois, como Superior Provincial. E há décadas como coirmão e amigo amado. Se o senhor tem sido uma firme e sadia referência para muitos, para mim tem sido um pai, um irmão e um modelo em muita coisa. Jamais serei suficientemente grato ao que recebi de Deus através do senhor.
Escrevo isso com a humilde intenção de afofar um pouco o leito qual o senhor repousa nestes últimos tempos. Penso não me enganar imaginando que nestes dias o filme da vida passa e repassa diante dos vossos olhos e do vosso coração, no qual se misturam saudade, temor e gratidão. Quisera que predomissam os sentimentos de gratidão pelo bem que o senhor ajudou Deus a fazer a tanta gente. Da minha parte, neste dias peço a Deus que vos conserve em nosso meio por algum tempo mais, para que possamos beber um pouco mais dessa preciosa fonte de bondade e de sabedoria. Mas se essa não for a vontade de Deus, Pe. Ceolin, que o senhor possa celebrar serenamente o momento belo e terrível do dom radical de si mesmo, já antecipado no batismo e confirmado nos votos, consciente de que os frutos vieram ainda antes deste plantio.
Hoje, na oração da manhã, me detive no cântico (Dt 32,1-12), relacionando-o com a vossa pessoa. “Engrandecei o nosso Deus! Ele é o rochedo! Perfeita é a sua obra, e justos todos os seus caminhos! Deus é fiel, sem falsidade! Ele é justo e correto!... Lembra-te dos tempos antigos, considera os anos de cada geração... Em terra deserta o encontrou, na vastidão ululante do deserto. Cercou-o de cuidados e o ensinou, guardando-o como a menina dos olhos. Qual águia que desperta a ninhada, voando sobre os filhotes, também ele estendeu as asas e o acompanhou e sobre suas penas o carregou...”
E o texto do Evangelho deste sábado (Jo 6,16-21) não me parece menos sugestivo. O contexto é de passagem, de travessia para o outro lado do lago. É escuro e Jesus não está com os discípulos. Sopra um vento forte, o mar está agitado, eles remaram por mais de cinco quilômetros e estão cansados e apavorados. Jesus caminha sobre o mar turbulento e se aproxima deles: “Sou eu. Não tenham medo!” E o barco logo chega tranquilamente ao destino. Para onde quer que seja a travessia que o senhor está fazendo, Jesus está ao vosso lado, acalmando, guiando e sustentando. É como diz o Salmo 22: quanto caminhamos por vales escuros, a simples visão do bastão e do cajado do Senhor é suficiente para nos dar serenidade e segurança.
Já me alonguei mais do que desejava, caro amigo. Não quero tomar muito do vosso tempo, nem das forças que não são muitas. Se divaguei demais e não consegui dizer aquilo que queria, tomo a liberdade de repetir resumidamente: vos quero muito bem e vos desejo todo o bem, Pe. Ceolin; agradeço tudo o que fizestes por mim, pela Província, pela Congregação, pela Igreja, por tanta gente; peço a Deus que nos conceda ainda desfrutar da sua presença por mais algum tempo; e desejo que o senhor se recupere e viva com serena e alegre gratidão entre aqueles/as que amais e que vos amam.

Aquela humildade e atenção de sempre
Alguns dias depois, junto com o meditação sobre sua vida pastoral, apesar da sua debilidade física e do combate espiritual que ainda travava, o Ceolin tem a delicadeza de escrever-me uma resposta. Nestas poucas palavras, transparece a sincera humildade e a incvrível sensibvilidade desse grande coirmão.
“Meu querido e tão fiel Amigo e Confrade ITACIR!
A estas alturas da vida, não devo agradecer-lhe apenas pela amizade e benquerença fraternal. Sou-lhe muito grato, em especial, por sua constante intercessão a Deus por minha saúde e crescimento espiritual, na fase que estou vivendo com os demais coirmãos enfermos e idosos. Além disso, você vem me abastecendo  de leituras animadoras, mormente nesta  fase tão rica, humana e espiritual, que o Deus da VIDA, me proporciona aqui no Lar de Nazaré.
Mas quanto à mensagem que você fez chegar a mim, através do nosso amigo comum Pe. André, a meu ver, só me resta dizer: ITA, é demais!  Não passo de um mortal como todo ser humano. O que fui e sou, devo-o unicamente ao BOM DEUS e a VOCÊS confrades e a tantos amigos (as) que ELE colocou na minha vida! Ita, meu abraço fraterno, amigo, carinhoso e agradecido.”

Louvor no meio da dor

No final do mês de abril, respondi ao Ceolin. Se transcrevo essa correspondência privada não o faço com o desejo de parecer qualquer coisa, mas unicamente para testemunhar o quando Deus fez através desse coirmão fez em mim e por mim. E porque ser reconhecido e expressar gratidão nos coloca no nosso verdadeiro lugar: somos beneficiados e devedores, e jamais credores diante de quem quer que seja.
“Como já tive oportunidade de vos dizer, nos últimos tempos o senhor está mais presente na minha oração. Nas Laudes de hoje lembrei muito do senhor, do momento que estais vivendo. E não me refiro apenas à dor e às preocupações, mas também à profunda (e exigente) experiência espiritual que transparece nas vossas palavras e gestos, e da qual às vezes o senhor fala.
Neste contexto, o Salmo 62 é muito expressivo: “Ó Deus, tu és o meu Deus, desde a aurora te procuro. De ti tem sede a m inha alma, anela por ti minha carne, como terra deserta, seca, sem água. Assim no santuário te busquei... Pois tua graça vale mais que a vida, meus lábios proclamarão o teu louvor. Assim, te bendirei enquanto eu for vivo, no teu nome eu erguerei minhas mãos, e com vozes de alegria te louvará minha boca. No meu leito te recordo, penso em ti nas vigílias noturnas, pois tu foste meu auxílio; exulto de alegria à sombra de tuas asas; a tua mão direita me sustenta...”
Mas o Salmo 149 não fica por menos. “Cantai ao Senhor um cântico novo; ressoe seu louvor na assembléia dos fiéis... Louvem o seu nome com danças, pois o Senhor ama o seu povo, enfeita os humildes com a vitória. Que os fiéis festejem sua glória e cantem jubilosos em filas...”
Claro que a debilidade física, a cama que começa a parecer pouco cômoda e a já longa luta contra a doença não representam uma boa situação e não estimulam muito ao louvor. Mas, toda vossa vida tem sido uma busca de Deus, um serviço a ele no serviço aos filhos e filhas dele. E contemplando o que Deus fez e faz através da vossa pessoa, o louvor brota espontâneo e autêntico em nós. Mesmo na fragilidade atual, o senhor é um testemunho eloquente de humanidade e de Evangelho, ao menos para quem não foi conquistado pela indiferença e pela funcionalidade.
Na amável mensagem anexa à reflexão que me enviastes, escrevestes que as palavras que vos dirigi na carta são “demais” ou inadequadas, porque não passais “de um mortal como todo ser humano”, e o que fostes e sois deve ser creditado “unicamente” ao bom Deus e aos coirmãos e tantos amigos que Ele colocou na vossa estrada.  Estou de acordo, Ceolin! Mas Deus não se relaciona conosco seguindo o estreito binário dos débitos e créditos, e nós nos sentimos no dever de celebrar e bendizer a bondade e a humanidade que Deus se digna manifestar através da vossa pessoa. Só isso, mas nada menos que isso!
Itacir Brassiani msf

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