O mundo da vida tem força sobre o mundo do
pensamento. Frequentemente idéias e práticas que julgávamos superadas
reaparecem com força no cotidiano. E mesmo princípios que retínhamos claros,
essenciais e enraizados na vida, acabam relatizados e acomodados às velhas
formas de pensar. Ofereço dois exemplos daquilo que acabo de afirmar. O
primeiro é a idéia de sacrifício. Há poucos dias, na assembléia da CRB
realizada em Brasília, fiquei impressionado com a ênfase que um bispo deu à
leitura sacrifical da vida de Jesus, ignorando quase que totalmente a
interpretação profética. Cheguei quase a me convencer que Jesus foi mesmo
oferecido em sacrifício sobre um altar, em meio a candelabros e incenso, e não
tenha sido vítima da resistência que lhe opuseram os poderes religiosos e
políticos. O segundo exemplo são as homilias que tenho ouvido sobre o
episódio de Jesus na casa de Marta e Maria. Não sei se por superficialidade ou
por preguiça, a maioria dos pregadores ignora a advertência de Jesus e concilia
o inconciliável: a operosidade de Marta com a docilidade de Maria. Mas Jesus
não disse que ‘uma só coisa é necessária’, e que Maria soube escolher? É
claro que não se trata de escolher entre a passividade eivada de
indiferença e o ativismo previdente e responsável. No episódio de Lc 10,38-40 o
que se condena em Marta é uma fé agitada e pressionada por mil leis e normas
(como aquela do sacerdote e dos levitas em Lc 10,25-37), a ponto de se tornar
incapaz de misericórdia e de compaixão (encarnadas exemplarmente pelo
samaritano e ensinada por Jesus). Eis aí a questão: parece muito mais
cômodo e fácil permanercer no senso comum e aparar as arestas do Evangelho,
colocando vinho novo em velhor barris. Ou seja: ressuscitar a velha e
antropologicamente mórbida idéia de sacrifício; reafirmar a necessidade de
cumprir um monte de leis inócuas e opressoras. A quem interessa isso? (Itacir msf)
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