quarta-feira, 18 de setembro de 2013

25° Domingo do Tempo Comum

A palavra de Deus nos faz atentos/as à história.
(Am 8,4-7; Sl 112/113; 1Tm 2,1-8; Lc 16,1-13)

O mundo vive um momento de muita apreensão.  Por um lado, não podemos fazer-nos indiferentes à guerra civil que ceifa vidas na Síria. Por outro, potências ocidentais se mostram ávidas de sangue, ou melhor, não querem perder a oportunidade de vender armas e repartir os despojos, digo, as riquezas naturais do Oriente Médio. Que luzes a Palavra de Deus pode lançar sobre essa situação, que rumos pode indicar? A exortação Verbum Domini diz que “a Palavra de Deus torna-nos atentos à história e a tudo o que de novo germina nela”, e recorda nosso compromisso e nossa responsabilidade com a justiça e paz no mundo (n° 105; 99).  Mas a Palavra de Deus não é simplesmente uma palavra a mais em meio a tantas outras, e sim o sentido profundo e transcendente de todos os anseios e palavras verdadeiramente humanas. A Palavra de Deus está encarnada nas palavras humanas, assim como a ação de Deus se conjuga com a ação humana que cria comunhão e promove a liberdade.
“Quando passará a lua nova, para vendermos bem a mercadoria?”
Vivemos numa sociedade da simulação e da consumo. Tudo é regido pela lei do mercado, tudo existe para ser consumido e substituído o mais rapidamente possível. O consumo é a alma deste mundo sem coração e a mina de onde é extraído o ouro da riqueza de poucos à custa da ruína de muitos. E esta tentação seduz até a religião, a cultura e a política. Todos esperam impacientes o momento oportuno para alterar as regras e dominar os pobres com dinheiro e os humildes com promessas e bênçãos...
Que lugar têm os pobres e que sentido tem a vida deles nesta sociedade? Nenhum! Até pouco tempo eles serviam como combustível humano para mover as máquinas e processos industriais, como mercadoria humana no mercado onde se comercializava a mão de obra. Agora, a automação tomou o lugar deles, com custo menor e sem o incômodo dos olhares famintos ou das greves desestabilizadoras. Os pobres não servem mais nem como consumidores, pois um só consumidor rico vale por noventa e nove consumidores miseráveis. Neste contexto, como promover a justiça, a reconciliação e a paz?
“Um homem rico tinha um administrador que foi acusado de esbanjar seus bens.”
Como iluminar esta realidade com a luz da Palavra de Deus? A parábola que Jesus apresenta hoje aos discípulos é muito complexa, mas pode nos ajudar. Temos ainda bem presentes na memória e no coração as parábolas que Jesus nos propôs no último domingo como defesa da sua prática solidária com os pobres e excluídos. Como esquecer a figura daquele pai que esbanja atenção, dinheiro e compaixão na festa de acolhida do filho que chegara a disputar a ração dada aos porcos?
A parábola de hoje coloca em evidência um protagonista muito diferente: um administrador acusado de esbanjar os bens que não lhe pertencem e, por isso, está ameaçado de demissão. Ciente de que não está preparado para outro trabalho e recusando-se a pedir esmolas, ele age com esperteza e rapidez: altera o montante da conta em favor de alguns devedores, prejudicando mais ainda seu patrão. Com isso, espera que no futuro os devedores por ele beneficiados retribuam solidariamente sua bondade.
O que surpreende e desconcerta é que a esperteza do administrador recebe um elogio explícito do patrão (e do próprio Jesus). Há quem explique o elogio a esta ação aparentemente imoral levantando a hipótese de que o desconto de 50 e 20% corresponde aos juros iníquos cobrados pelo credor ou à comissão à qual o administrador teria direito. Seria isso mesmo? Ou Jesus estaria propondo outra mensagem, semelhante àquela do pai que gasta sem critérios para acolher e restabelecer a dignidade do filho que havia descido involuntariamente ao inferno social?
“Usai o dinheiro injusto para fazer amigos...”
A questão fundamental que Jesus nos apresenta com esta parábola é: como usar de forma evangelicamente correta os bens, as honras e o prestígio? A palavra clara e corajosa de Amós traz à luz do dia as práticas de acúmulo que os ricos de todos os tempos tentam esconder nas sombras da noite ou nas franjas de uma hipocrisia deslavada. Mas Jesus também deixa claro que somos apenas administradores de bens que não nos pertencem e que, frente ao bem maior do Reino de Deus, o dinheiro é coisa de pouco valor e radicalmente injusta.
O administrador aparentemente desonesto é elogiado porque evita ser amigo do dinheiro (como os fariseus) e se mostra amigo das pessoas, não daquelas que contabilizam créditos, mas das que são devedoras insolventes. Com ele nós aprendemos que o dinheiro que passa pelas nossas mãos, bolsas e contas não nos pertence e precisa ser usado corretamente: para construir solidariedade, para beneficiar a pessoa humana, todas as  pessoas, começando pelas mais necessitadas. A ação do administrador é claramente oposta àquilo que fazem os comerciantes denunciados pelo profeta Amós.
Aquilo que, ù primeira vista, parece esbanjamento e desonestidade é pura sabedoria evangélica. Precisamos desenvolver nossas responsabilidades no mundo da economia – produção, administração, distribuição e consumo de bens – com critérios evangélicos. E o critério fundamental é este: ou os bens estão a serviço de uma convivência humana, sadia e solidária, ou não servem pra nada. E desviar para os bens econômicos o amor e o afeto que devemos às pessoas é uma loucura que compromete nossa felicidade pessoal e destrói os laços sociais. Só o uso solidário pode lavar o dinheiro sujo!
“Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro.”
Precisamos fazer a escolha certa no tempo certo. O momento presente é decisivo em nossa vida. O passado se foi, o futuro ainda está para chegar, mas o presente urge e solicita nossa intervenção sábia. Existem cristãos que construíram sua moradia no passado, e dela não saem para nada. E outros se refugiam no futuro, onde vivem num mundo de fantasia. E quando este futuro é chamado de “vida eterna” e revestido com esfarrapadas roupas de piedade, a mudança é quase impossível. Mas é enquanto estamos constituídos administradores/as desse mundo que devemos tomar a decisão correta.
O uso esperto e sábio dos bens econômicos é que nos habilita a administrar o bem verdadeiro, o Reino de Deus. A fé tem a ver também com a economia! É o uso solidário dos bens em favor dos necessitados a chave que nos abrirá as portas das moradas eternas. “Estive com fome e me destes de comer...” Esta é a lição que Jesus dá aos cristãos e à Igreja. É inaceitável que uma instituição que se legitima unicamente como administradora do Reino de Deus imponha fardos aos mais pobres, beneficie os poderosos, exclua e criminalize aqueles/as que não podem seguir estreitas regras morais, nem sempre evangélicas, enquanto que Paulo nos lembra que Deus quer que todos se salvem!...
O tempo é breve e os bens não nos pertencem! O próprio Jesus veio ao mundo como herdeiro e administrador das coisas do Pai, e não fez outra coisa que diminuir e cancelar os débitos das pessoas que os sistemas sempre criminalizaram. Ele esbanjou os bens do Pai, inclusive a própria vida, para fazer amigos/as entre os últimos! Ele não teve receio de comprometer a honra, o nome e a própria fé para fazer amigos/as. Mas a maioria das igrejas dá a impressão de que foram enviadas para aumentar estas contas ou cobrar comissão para renegociá-las... Em vez de fazer amigos/as, criar vínculos e construir espaços de liberdade, elas engordam suas contas bancárias e aumentam o próprio poder...
“E o senhor elogiou o administrador desonesto, porque ele agiu com esperteza.”
É impossível amar Deus e viver em nome Jesus Cristo e, ao mesmo tempo, dobrar os joelhos diante da riqueza, do poder e do prestígio. Ninguém pode adiar impunemente a necessidade de decidir entre servir a Deus e servir ao dinheiro. A Palavra de Deus é penetrante como uma faca de fio duplo: vai até a medula e separa o que é bom e o que é ruim. Tomemos como orientação e guardemos estas palavras santas no coração, mesmo quando são duras, como as do profeta Amós. Precisamos aprender de Jesus o que significa ser esperto e sábio.
Senhor, tua Palavra é santa e caminho para a sabedoria. Queremos guardá-la e pô-la em prática em todas as circunstâncias da nossa vida. Ensina-nos a contar adequadamente o tempo e avaliar corretamente o valor das coisas. Concede-nos a coragem de desmascarar os males que nos são propostos em belas e sedutoras embalagens. Confirma-nos no serviço a ti, único e supremo bem, e no serviço àqueles/as que são excluídos/as da mesa de todos e recebem apenas as migalhas que sobram. Ajuda-nos a gastar tudo o que temos para fazer amigos/as e irmãos/ãs, levantando o indigente da poeira, retirando os pobres do lixo e fazendo-os sentar entre os nobres do teu povo. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf

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