domingo, 15 de setembro de 2013

Fatos & Personagens: o comércio de gente

A Europa canibal

Os escravos subiam nos barcos tremendo. Achavam que iam ser comidos. Não estavam tão enganados assim. Afinal, o tráfico negreiro foi a boca que devorou a África.

Desde antes, os reis africanos já tinham escravos e lutavam entre si, mas a captura e a venda de gente se transformou no centro da economia, e de todo o resto, a partir do momento em que os reis europeus descobriram o negócio. A partir daí, a sangria de jovens esvaziou a África negra e selou o seu destino.

Malí é atualmente um dos países mais pobres do mundo. No século XVI, era um reino opulento e culto. A Universidade de Tombuctu tinha vinte e cinco mil estudantes.

Quando o sultão do Marrocos invadiu Malí, não encontrou o ouro que buscava, porque pouco ouro amarelo tinha sobrado, mas vendeu o ouro negro aos traficantes europeus, e ganhou muito mais: seus prisioneiros de guerra, entre os quais havia médicos, juristas, escritores, músicos e escultores, foram escravizados e tomaram o rumo das plantações da América.

A máquina escravagista exigia braços e a caça aos braços exigia guerras. A economia guerreira dos reinos africanos passou a depender mais e mais de tudo o que viesse de fora.

Um guia comercial publicado na Holanda, em 1655, enumerava as armas mais cobiçadas na costa da África, e também as melhores oferendas para agradar àqueles reis de fantasia. O gim era muito valorizado, e um punhado de cristais de Murano era o preço de sete homens...



(Eduardo Galeano, Espelhos, L&PM, 2010, p. 149-150)

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