sábado, 5 de outubro de 2013

27° Domingo do Tempo Comum

A fé nos leva a partilhar e servir com humildade.
(Hab 1,2-3.2,2-4; Sl 94/95; 2Tm 1,6-8; Lc 17,5-10)
Na mensagem para a Jornada Mundial de Oração pelas Missões (20.10.2013), o Papa Francisco nos recorda que esta é uma oportunidade para revigorarmos nossa amizade com o Senhor e o nosso compromisso com uma Igreja que anuncia corajosamente o Evangelho.   E escreve: “A fé é um dom que não se pode conservar exclusivamente para si mesmo, mas deve ser partilhado. O anúncio do Evangelho é um dever que brota do próprio ser discípulo de Cristo e um compromisso constante que anima toda a vida da Igreja.” É exatamente sobre a complexa e dinâmica vivência da fé que o evangelho deste domingo discorre. Acolhendo o apelo do salmista, não fechemos hoje nosso coração, e coloquemo-nos à escuta da santa Palavra que Deus pronuncia através da Bíblia e através da vida.
“Por que me fazes ver tanta crueldade, e só ficas olhando a perversidade?”
Olhando de frente a realidade do mundo e seus enormes desafios é difícil não sentir-se impotente: a desigualdade e a indiferença crescem por todos os lados e não cedem aos nossos piedosos apelos; as tragédias climáticas, provocadas direta ou indiretamente pela ação predatória dos seres humanos, golpeia povos inteiros; a hipocrisia e a mentira são o recheio substancioso de disputas políticas interessadas apenas no poder; e até padres e altos prelados da Igreja se deixam corromper...
Diante desse contexto, descrito apenas em alguns dos seus traços, sentimo-nos um pouco como o profeta Habacuc, que suspira: “Até quando, Senhor, ficarei clamando sem que me dês atenção? Até quando devo gritar a ti “Violência!”, sem me socorreres? Por que me fazes ver iniquidades, quando tu mesmo vês a maldade? Destruições e prepotência estão à minha frente. Reina a discussão, surge a discórdia...” A sensação é de que nada consegue ameaçar este enorme muro, e só nos resta lamentar.
Por isso, parece-me fácil entender o fascínio que algumas falsas saídas exercem sobre os cristãos. Uma delas é a mentalidade apocalíptica, que vê nesta situação o confronto mítico entre o mal e o bem, uma luta na qual nosso envolvimento é irrelevante. Outra falsa saída é o refúgio no cultivo interior, na busca de paz mediante a introspecção. Uma terceira saída perigosa é o maniqueísmo, a divisão do mundo entre pessoas e grupos bons e pessoas e grupos maus, e a adesão acrítica aos considerados justos.
“Aumenta a nossa fé!”
A fé é sempre uma luz que nos ajuda a assumir um posicionamento crítico e ativo diante da realidade. O Concílio Vaticano II diz que ela “ilumina com sua luz tudo que existe e manifesta o propósito divino a respeito da plena vocação humana, orientando assim o espírito para as verdadeiras soluções” (Gaudium et Spes 11). Portantto, são três as ações que a fé suscita: ilumina todas as realidades; revela o que Deus deseja da humanidade; orienta a inteligência para a busca de soluções para os diversos problemas.
Por trás do pedido dos apóstolos e da resposta de Jesus apresentada pelo evangelho de hoje estão alguns problemas concretos: o abismo que separa os ricos e indiferentes dos pobres e carentes; o escândalo que isso provoca nas comunidades cristãs; a orientação exigente e concreta da palavra profética; o imperativo do perdão incondicionado aos irmãos e irmãs (cf. Lc 16,19-17,4). É diante disso que os apóstolos reagem assustados e suplicam a Jesus: “Aumenta a nossa fé!”
Qual é o problema dos apóstolos, dos Doze e de todos os que vieram depois? O problema é que eles se sentem incapazes de romper com alguns valores profundamente arraigados e tidos como essenciais: a necessidade de punir as pessoas consideradas pecadoras ou impuras; a sedução de uma religião que prioriza ações milagrosas e espetaculares; o empenho em vista do enriquecimento e do próprio bem-estar às custas da indiferença frente às necessidades do próximo.
“Se tivésseis fé, mesmo pequena...”
Os apóstolos percebem claramente que necessitam da luz e da força da fé para superar esta floresta de amorreiras que impedem a vida. Eles sabem que a fé não é estéril, mas talvez não têm consciência de que seus frutos não são necessariamente espetaculares. É a irresistível atração pelas coisas grandiosas e que ainda hoje leva tantos irmãos e irmãs – inclusive pastores, padres e bispos! – a ler a metáfora usada por Jesus de forma literal. É triste assistir à multiplicação de pretensos milagres – induzidos e a serviço do poder e da riqueza de alguns poucos – em estádios e shows, com transmissão ao vivo.
O que chama a atenção na resposta que Jesus dá aos apóstolos assustados não é uma fé prodigiosa e espetacular, mas uma fé mínima. “Se tivésseis fé, mesmo pequena como um grão de mostarda...” Ele mesmo sempre evitou recorrer a ações miraculosas para se fazer ouvido e aceito. Jesus tinha consciência de que a fé não procede do milagre, mas o precede. As ações de Jesus que chamamos de milagres são respostas compassivas que vinham em socorro de quem não tinha com quem contar.
O fruto da fé se mostra substancialmente na descoberta da própria dignidade socialmente negada e no olhar que reconhece os seres humanos e todas criaturas como parceiras e irmãs. Essa é a lição aprendia e ensinada por Francisco de Assis. Mesmo parecendo pequena, desprezível e frágil como semente de mostarda, a fé tem a força necessária para jogar no fundo do mar as estruturas poderosas e opressoras simbolizadas pela amorreira. Mas para que isso, é preciso ser capaz de romper com a lógica do poder. E estar disposto a pagar o preço!
“Quero exortar-vos a reavivar o carisma que Deus te concedeu.”
A ação missionária da Igreja é sempre frutuosa, mas ao modo do grão de mostarda. A ação de um/a missionário/a, se pautada pela fé e não pelo poder, jamais será estéril. Aqueles/as que agem como filhos/as de Deus, livres e libertadores, generosos/as e solidários/as, duplamente apaixonados/as por Deus e pela humanidade, nunca serão pessoas inúteis. Inútil é quem age, consciente ou inconscientemente, como servo de senhores cujos nomes próprios são poder, dinheiro, honra.
Paulo lembra a Timóteo a fé sincera que o caracteriza, recebida da avó Loide e da mãe Eunice, e pede que ele conserve esse dom sempre vivo e ativo. A fé gosta de vir acompanhada pela fortaleza, pelo amor e pela sobriedade. Como Paulo e Tmóteo, o/a missionário/a não conhece a vergonha, nem diante de Jesus Cristo , nem diante da perseguição ou do escárnio que sofrem aqueles/as que levam adiante seu projeto. Não é esse outro aspecto do testemunho de Francisco de Assis?
Talvez seja exatamente isso o que os/as missionários/as têm a oferecer ao mundo em nome dos cristãos: uma fé capaz de romper com todos os dinamismos de isolamento e de dominação; um amor capaz de reestabelecer a dignidade de quem a tem negada; uma esperança que vê para além dos muros e borrascas do tempo presente. Não seriam estes/as missionários/as – com todas as suas fraquezas e contradições – expressões vivas do novo e autêntico humanismo do qual nos falava Bento XVI?
“Sofre comigo pelo Evangelho...”
Em outras palavras, a missão que brota da fé se ordena à criação de novas relações. Não é uma estratégia para aumentar o número e o poder da própria religião ou Igreja, nem uma cruzada para ensinar conteúdos e doutrinas pretensamente superiores, ou um pacote de atividades para convencer o mundo sobre a importância de crer. Se a missão da Igreja é um dinamismo que tem suas raízes e seu paradigma na missão do Filho e do Espírito, não pode ser reduzida a uma estratégica de conquista.
Crer no Evangelho é estabelecer novas relações, pautadas pela sua prática de Jesus Cristo. O/a missionário/a não se relaciona com um deus-senhor, mas com um Deus-Pai-Mãe-Irmão. Missionários/as são filhos/as legítimos/as e herdeiros/as do sonho divino de uma humanidade única e solidária, de uma sociedade justa e fraterna, e agem para que todas as criaturas descubram esta mesma vocação. Mesmo quando sofrem como quem está em trabalho de parto, sabem que sua vida é semente. Como o justo, o missionário vive pela fé, e sua fé frutifica em vida no povo.
É a ti que nos dirigimos, Deus Pai e Mãe, neste primeiro domingo do mês dedicado à oração e à animação missionárias. Dá-nos uma fé que nos una aos demais homens e mulheres e impeça a tentação do isolamento. Faz com que o encontro com o teu Filho e nosso Irmão nos torne autênticos discípulos, destemidos apóstolos, eloquentes testemunhas no serviço solidário e gratuito aos mais pobres. Vem em nosso socorro para que nossa fé, mesmo sendo pequena como semente de mostarda, seja ativa, remova as amorreiras da injustiça e renove e dinamize a presença dos cristãos no mundo. Assim seja! Amém!

Pe. Itacir Brassiani msf

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