sexta-feira, 18 de outubro de 2013

29° Domingo do Tempo Comum

Missão não é proselitismo, mas testemunho de vida.
(Ex 17,8-13; Sl 120/121; 2Tm 3,14-4,2; Lc 18,1-8)

Vivemos um tempo no qual o mundo aparece praticamente inteiro e ao vivo diante dos nossos olhos. Temos a impressão de que não precisamos mais sair do nosso lugar, pois tudo vem ao nosso encontro, onde quer que estejamos. Nesta perspectiva, parece que sair em missão é uma expressão que não faz mais sentido. Mas será mesmo assim? Ou será que, tanto do ponto de vista pessoal como comunitário, precisamos superar um olhar limitado e mesquinho, incapaz de ver além dos muros dos próprios interesses e do tempo presente? O Papa Francisco, na mensagem para o Dia Mundial das Missões,  nos lembra que a missão da Igreja não pode se identificar com proselitismo, mas “testemunho de vida que ilumina o caminho, que traz esperança e amor”. Lutar pela erradicação da pobreza, pelo direito à alimentação e pelo desarmamento do mundo, como propunha a ONU nesta semana, não seria um testemunho credível da nossa fé e uma clara renúncia ao proselitismo?
“Eu levanto os meus olhos para os montes: de onde pode vir o meu socorro?”
Quando falamos sobre a oração, é bom não esconder as amargas experiências de pedidos não atendidos. Cada um/a de nós tem uma lista mais ou menos longa de preces que caíram no vazio, apesar de terem sido feitas com ardor e até com temor. Como somos vistos como pessoas de fé e não queremos escandalizar outros que não alcançaram uma fé madura, silenciamos estas experiências frustradas. Mas uma reflexão sobre o significado e a força da oração não pode menosprezá-las!
Algumas destas experiências têm uma raíz claramente ambígua e pouco consistente. Basta lembrar da oração ferverosa dos torcedores das equipes que se enfrentam numa partida de futebol: geralmente a prece de um dos lados não é atendida. E há também aquela prece nacionalista de dois povos em guerra, ambos pedindo a graça de vencer. Mais perto do nosso cotidiano, quem não mantém na memória duras experiências da ineficácia da oração por um parente ou amigo/a gravemente enfermo/a?
“Jesus ontou uma parábola para mostrar a necessidade de rezar sempre e nunca desistir.”
Retomemos o evangelho de hoje nesta perspectiva. O primeiro aspcto a ser ressaltado é que Jesus não insiste propriamente na oração ininterrupta, mas na oração perseverante. Não se trata apenas de ‘rezar sempre’, mas de ‘nunca desistir’. O próprio Jesus não foi uma espécie de monje dedicado exclusivamente à oração, e os discípulos que deram prosseguimento à sua missão, conjugaram equilibradamente o anúncio do Evangelho com a prática da caridade e a oração.
Para entender a parábola proposta hoje por Jesus é preciso dar um passo atrás e verificar o contexto literário no qual está situada. Assim percebemos que vários versículos são dedicados à questão da vinda do Reino de Deus (cf. Lc 17,20-37). Misturando a linguagem direta com a linguagem apocalíptica, Jesus ensina que o Reino de Deus não aparece de forma ostensiva e espetacular, mas é uma surpresa que se esconde em todas as ações e movimentos de solidariedade entre os seres humanos.
Ora, o conteúdo da súplica da viúva da parábola se liga implicitamente à vinda do Reino de Deus. O que é o pedido da viúva para que se faça justiça senão a súplica para que “venha o teu Reino”, como Jesus mesmo ensinara? (cf. Lc 11,2) E a espera ativa que sustenta a insistência da viúva não é mesma que traduzimos hoje como a espera e a luta por “um outro mundo possível e necessário”? Esta é uma primeira lição importante: Jesus pede que sejamos perseverantes na espera ativa do Reino de Deus.
“E Deus, não fará justiça aos seus escolhidos?”
Na Bíblia, a viúva é o protótipo do pobre que não tem com quem contar e está no limite da sobrevivência. E Deus não pode ser indiferente ao clamor de quem dia e noite suplica diante dele. Quem clama são sempre os oprimidos e os pobres; os poderosos e ricos apenas reclamam. A passagem paradigmática continua sendo aquela do livro do Êxodo: “Os israelitas continuavam gemendo e clamando sob dura escravidão. E os gritos de socorro devidos à escravidão subiram até Deus” (Ex 2,23).
Começamos a entender que o foco de Jesus não é propriamente a questão da oração contínua e perseverante, e nem apenas o seu conteúdo. A parábola está focalizada na eficácia do clamor que pede perseverantemente a intervenção de Deus. Fazendo referência ao juiz que, mesmo não tendo fé, atende ao clamor da viúva, Jesus nos interroga: “E Deus, não fará justiça aos seus escolhidos, que dia e noite gritam por ele? Será que vai fazê-los esperar?”
O próprio Jesus responde à pergunta: “Eu vos digo que Deus lhes fará justiça bem depressa.” Jesus é pessoalmente a mediação da socorro de Deus, mas não é o único. Lembremos novamente da experiência do êxodo: “Eu vi a opressão de meu povo no Egito, ouvi os gritos de aflição diante dos opressores e tomei conhecimento de seus sofrimentos. Desci para libertá-los das mãos dos egípcios...” Mas a bola é passada aos pés de Moisés: “E agora vai! Eu te envio ao faraó para que faças sair o meu povo...” (Ex 3,7.10).
“Deus te guarda na partida e na chegada.”
Todos/as os/as que cremos em Deus somos mediadores/as da sua resposta aos clamores pela vinda do seu Reino. Mesmo que muitas vezes nós mesmos/as estejamos entre aqueles/as que clamam quase desesperadamente, desde que aderimos a Jesus Cristo somos responsáveis também pela resposta de Deus aos clamores dos outros. Continuamos a pedir “venha o teu Reino”, mas não podemos enterrar os talentos que recebemos. Ele nos propõe a figura do samaritano e diz: “Vai e faze tu a mesma coisa.”
Essencialmente, a oração cristã – tanto aquela feita individualmente como as celebrações comunitárias dos sacramentos – é um espaço e um exercício de ruptura com o fechamento e a confiança absoluta em nós mesmos/as, uma abertura radical à vontade de Deus, que é sempre e ao mesmo tempo, surpreendente e libertadora. É um exercício que aproxima a nossa vontade da vontade de Deus, desloca o centro em torno do qual gira a nossa vida de nós mesmos para o Reino de Deus.
Assim, eficácia da oração se mostra claramente no alargamento e no aprofundamento da nossa consciência, do nosso modo de ver as coisas. A oração nos ajuda a tomar consciência da ação de Deus que está em curso na história e das possibilidades escondidas nela e em nós mesmos/as. Mas também nos eleva como que no alto da cruz para que, assumindo uma perspectiva essencialmente cristã, sintonizemos com todas as criaturas que clamam por uma libertação que ainda não se realizou.
“Proclama a Palavra, insiste oportuna e inoportunamente...”
É neste horizonte que compreendo o chamado a alargar o nosso olhar e contemplar os imensos espaços da missão. Não se trata mais apenas de pensar os espaços de missão como os territórios e povos que não conhecem Jesus Cristo, nem de rezar piedosamente pelos padres e religiosos que deixam a pátria e arriscam a vida em terras inóspitas e entre povos incultos e violentos. Os espaços, os agentes e as ações propriamente missionárias hoje são outras, e passam necessariamente pelo testemunho de vida.
Há quase 20 anos o Papa João Paulo II insistia que a missão não tem fronteiras, e se concretiza em vários âmbitos. O primeiro é o âmbito territorial, e compreende os espaços onde o Evangelho não chegou ou onde a vida cristã ainda não amadureceu ou já perdeu sua força. O segundo é o âmbito social, e diz respeito aos grandes centros urbanos, ao mundo da pobreza, dos migrantes, dos jovens, dos idosos, etc. O terceiro é o âmbito cultural: o mundo das comunicações, da pesquisa científica, da luta pelos direitos humanos, da defesa das minorias e da promoção da paz, etc. (cf. RMi 37).
Nosso clamor e nosso labor como cristãos do século XXI deve ser para que estes mundos e seus projetos sejam iluminados e transfigurados à luz do Reino de Deus. Caminhos e projetos existem, e muitos, e não precisam ser necessariamente carimbados pelo cristianismo. Precisamos ampliar o horizonte do nosso olhar, do nosso rezar e do nosso agir para além do recôndito familiar, das ilhas religiosas que são nossas comunidades, e dos guetos culturais e nacionais que gostamos de formar.
“Será que o filho do homem, quando vier, vai encontrar fé sobre a terra?”
Dai-nos, Jesus, missionário do Pai, a confiança e a perseverança daquela viúva que não tinha com quem contar. Ajuda-nos e pedir sem cansar que venha o teu Reino. Envia irmãos e irmãs que sustentem nossos braços cansados. Leva-nos até o alto da tua cruz para que, sintonizados com todos os clamores, desçamos aos caminhos da história para iluminá-los com o nosso testemunho. Assim seja! Amém!

Pe. Itacir Brassiani msf

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