sábado, 26 de outubro de 2013

A tragédia de Lampedusa

Prá não esquecer a tragédia de Lampedusa
O grupo dos promotores de Justiça, Paz e Intregridade da Criação (JPIC), ligado às Uniões dos Superiores Gerais, promove, na última sexta-feira de dada mês, um encontro de oração em torno de uma situação concreta de violação da justiça, da paz e da integridade da criação. Estes encontros são realizados na igreja São Marcelo, no centro de Roma.

Ontem o encontro fez memória e clamor do trágico destino dos migrantes que tentam entrar na Europa, recordando especialmente o terrível naufrágio que vitimou 400 dos mais de 500 refugiados provindos da Eritréia e da Somália, no último 3 de outubro. A igreja estava lotada, especialmente de religiosas, mas o número era dezenas de vezes menor que multidão de religiosos/as que dominicalmente vai à Praça de São Pedro participar da oração do Angelus...

Como sabemos, uma frágil embarcação, manobrada por aproveitadores e criminosos que exploram o desespero humano, transportava mais de 500 homens, mulheres e crianças, migrantes desesperados que fizeram uma viagem de mais de 4.000 quilômetros, fugindo da guerra na Somália ou da opressão na Eritréia. Mas os números desta tragédia não são novidade, pois fatos como este se repetem todos os dias e não recebem mais que algumas linhas nos jornais.

Faz tempo que a Europa fechou suas portas aos imigrantes “ilegais”. E continua dizendo claramente que eles não são bem vistos nem bem vindos. Recusando os pedidos de visto na origem, os governos fizeram uma espécie de acordo informal com os estados do Norte de África: a estes compete fazer o trabalho sujo, fazendo de tudo para que os navios não cheguem às costas da Europa. Assim, milhares de africanos subsaarianos giram sem rumo pelas cidades costeiras de países como Marrocos e Argélia, depois de terem percorrido milhares de quilômetros, perdido as raízes e gasto tudo...

A União Européia investe milhões de euros num dispositivo quase militar para vigiar suas fronteiras e evitar o que chama de “invasão de migrantes”. Através da agência Frontex, a Europa intercepta os migrantes nas fronteiras terrestres ou marítimas e os devolve aos países de origem por via aérea. E parece pouco se importar com os direitos humanos, como o direito de asilo, a um tratamento digno e à integridade física. Tudo ocorre como se os imigrantes pertencessem a uma classe inferior de cidadãos...

Depois de terem arriscado a vida numa travessia incerta, os imigrantes que conseguem chegar às fronteiras européias acabam detidos por meses e meses por causa de problemas burocráticos, sem direitos essenciais, como, por exemplo, assistência sanitária. São publicamente difamados e acusados de roubar o trabalho dos cidadãos europeus e de ameçar seus bons hábitos. Na Grécia, na Holanda e na Noruega existem partidos políticos que se opõem de forma aberta e violenta aos imigrantes. Tudo isso, dizem, para proteger o estado de bem-estar, como se o bem-estar de alguns devesse ser pago pelos outros...

Estas multidões, “indecisoes cordões” vivem à beira do desespero, pois arriscaram e perderam tudo. Se houvesse a possibilidade de pedir asilo político nos países de destino nas embaixadas de um terceiro país, os imigrantes não seriam forçados a longas e perigosas viagens, diminuiria o risco de caírem nas mãos de grupos mafiosos e se evitaria a necessidade de chegarem via marítima a um lugar que garanta proteção internacional.

A desgraça de Lampedusa (03.10.2013) provocou uma inesperada e estranha explosão de demonstrações de luto por parte da comunidade internacional e dos governos de vários países europeus. Entretanto os países membros da União Européia mantém com outros países acordos sobre a migração que contradizem as condolências expressas publicamente. Não é uma questão de impotência ou falta de recursos, mas de cinismo e de prepotência.

Este cinismo chegou ao grau máximo quando o governo italiano anunciou que todas as vítimas fatais do naufrágio do dia 3 de outubro obteriam a cidadania italiana. Mas no mesmo dia, o Ministério Público de Agrigento (Sicília), acusava os 144 sobreviventes de terem cometido crime de imigração clandestina, que pode ser punido com multa de até cinco mil euros e expulsão do território italiano... Imigrante bom é imigrante morto?


Itacir Brassiani msf

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