domingo, 13 de outubro de 2013

Missao e sinais dos tempos (7)

Estamos realizando nosso XIII Capítulo Geral. Na manhã do fia 7 de outubro, esteve conosco o Pe. Giulio Albanese, missionário e jornalista comboniano. Ele nos ajudou a refletir sobre a necessidade de ler os sinais dos tempos. Segundo este jornalista missionário italiano, é impossível pensar e projetar a missão hoje sem uma atenta e responsável leitura do tempo e do mundo que vivemos. O presente texto é a ultima parte desta reflexão.
A afirmação da sociedade civil
Um dos sinais dos tempos que que acredito deva ser mencionado, e que frequentemente é desprezado pela pastoral ordinária, é a constante e crescente afirmação da sociedade civil. Trata-se de uma realidade transversal que envolve o conjunto das nações: associações, grupos, movimentos, organizações compostas de homens e mulheres de boa vontade que encontram no engajamento, sobretudo voluntário, um modo de responder aos desafios de uma sociedade na qual a política é uma grave preocupação. O espírito de cidadania e desejo de participação no bem comum evidenciam, antropologicamente falando, um profundo desejo de resgate diante do fim das ideologias, que a Igreja não pode subvalorizar.
Portando, se quisermos extrair qualquer coisa de útil e fecundo dessa tendência, devemos colocar a valorização dos leigos e leigas como prioridade da agenda pastoral, contra a tentação sempre presente do clericalismo que, a longo prazo, leva à desvalorização da fé, pois a faz algo vazio de qualquer experiência. E é preciso lembrar, neste sentido, que a angústia da nossa verdade que administramos como pastores tira dos leigos não apenas os meios para identificar os desafios dos tempos modernos, que eles acabam tendo que enfrentar sozinhos, mas também a possibilidade de se aproximarem da vida de fé para valorizar a própria existência.
Partindo do pressuposto de que a comunidade eclesial é um dom de Deus, um bem da Igreja para a Igreja e ao mesmo tempo para a sociedade, seria desejável que, à luz do que acontece nos nossos dias, a comunidade seja um dinamismo de comunhão, colaboração e corresponsabilidade, três momentos estreitamente ligados entre si, porque a comunhão leva à colaboração e esta implica uma autêntica corresponsabilidade.
As minhas considerações partem exatamente destas premissas. Ao conceito christifideles o Concílio Vaticano II dedicou grande atenção, retomando a inspiração original da Igreja, recusando os longos e nebulosos séculos nos quais o laicato se tornou secundário na vida eclesial. Não era assim nos primeiros tempos do cristianismo. Basta pensar nos vários colaboradores leigos de São Paulo, como o casal Áquila e Priscila, como lemos nos Atos dos Apóstolos. A partir do Vaticano II tentou-se devolver ao laicato seu papel específico. O primeiro documento conciliar a fazer referência a isso é a Lumen Gentium, o qual, antes de falar sobre o Papa e os Bispos, afirma a centralidade da comunhão, utilizando a metáfora “Povo de Deus”.
O Concílio sublinha que fazem parte da Igreja, em virtude do princípio de igualdade e de diversidade, todos os batizados, com a mesma dignidade e as mesmas características. Dentro deste único povo são desenvolvidas diversas responsabilidades, papéis, ministérios. Mas o dado originário é a igualdade, o fato de fazer parte da comunidade cristã com a mesma dignidade, segundo a vontade de Cristo.  Eis a definição de leigos, compreendidos como fiéis que, “depois de serem incorporados a Cristo pelo batismo e constituídos Povo de Deus e, a seu modo, feitos participantes do ofício sacerdotal, profético e real de Cristo, por sua parte realizam na Igreja e no mundo a missão própria de todo o povo cristão”.
Mas, para entrar melhor na compreensão de quem são e o que fazem os leigos e leigas, examinemos a exortação Christifideles Laici, de João Paulo II. Como é do seu estilo, o Papa usa um ícone bíblico como fio condutor do documento; “Os leigos na Igreja são como aqueles chamados a trabalhar na vinha na última hora”. Os Evangelhos, falam da vinha em dois outros momentos: quando aqueles que haviam sido encarregados de cultivá-la se apropriaram dela sem respeitar o patrão e o seu filho, e quando Jesus usa a imagem da vinha dizendo: “Eu sou a videira e vós sois os ramos; se não permanecerdes unidos a mim, não dareis fruto”. A imagem da vinha aparece também no Antigo Testamento. Citemos apenas Isaías: “Este povo é como uma vinha cultivada por Deus. Ele vem buscar os frutos, e em vez de encontrar uva...” Trata-se de uma advertência ao povo que constituía a vinha que Deus cuidava e cultivava e que o desiludia quando se tratava de produzir frutos.
Retomando o discurso inicial do confronto com a vinha, devemos considerar que os trabalhadores são convocados em todas as horas do dia e em todas as situações, como homem e como mulher, como pessoa sadia ou doente. Nesta perspectiva, o que caracteriza os fiéis leigos é a índole secular, o viver na realidade do mundo. A característica dos leigos e leigas é serem chamados à plenitude da santidade atuando dentro da realidade do mundo, como a sociedade, o trabalho, a política, a economia, o esporte, a imprensa, ou seja: em tudo aquilo que compreende a vida de uma pessoa. Todos são chamados a se tornarem santos, mas, para chegarem a esta meta, os leigos não precisam entrar num convento ou viver isolados num eremitério. Ao contrário, devem sujar as mãos pela causa do Reino, na vinha do Senhor. A fé cristã, encarnada na história dos homens, não evita os desafios, nem aqueles da modernidade. Não desvia das crises nem se refugia no cume dos montes para sentir-se segura. A fé cristã tem força em si mesma, em razão da sua singularidade: a força do Espírito que pode mudar a história.
Certamente, em relação ao período pré-conciliar, a Igreja não é mais marcada prevalentemente pelos aspectos visíveis, organizativos e institucionais. Mas é também verdade que, por ser ainda hoje marcada por muitos condicionamentos morais e temporais, a Igreja não consegue sempre expressar e realizar historicamente aquele mistério de salvação e de fé que deveria ser a sua dimensão constitutiva, a fonte inspiradora da sua missão.
Do Concílio Vaticano II, como dissemos, nos veio uma nova concepção de Igreja como Povo de Deus, realidade posta em evidência e com anterioridade à Igreja hierárquica. João Paulo II foi o primeiro Papa que se empenhou para moderar os excessos de clericalismo reinante e, ao mesmo tempo, sustentar abertamente a valorização do laicato. Assim, da realidade profunda do catolicismo emergiram novos carismas e novos protagonistas: os jovens, os movimentos, e especialmente, as mulheres.
Pois bem, tudo isso aconteceu, mas podemos dizer que, de fato, chegamos a uma Igreja que seja um conjunto virtuoso de unidade e multiplicidade, de identidade e de diversidade? Certamente temos deixado muito à margem o laicato, este verdadeiro tesouro que frequentemente permanece escondido na grande massa. Mas é exatamente nos leigos e leigas que encontramos a verdadeira fé vivida e praticada nas dobras da vida de cada dia, aquela vida ordinária, normal, de quem se empenha, entre outras coisas, na ajuda a quem tem mais necessidade, porque é esquecido, não apenas pela sociedade, mas também pelo Estado.
Também esta é Igreja, mas certamente não podemos dizer que os leigos, particularmente as mulheres, tenham chegado a uma verdadeira corresponsabilidade. Ao contrário, devemos dizer que aqui há um certo desequlíbrio em relação às expectativas conciliares. Não apenas elas não podem participar, ao menos no nível da consulta, das decisões que são tomadas nas dioceses ou no desenho do perfil do novo bispo que deverá ser nomeado; não são reconhecidas nem mesmo naquela espiritualidade de comunhão propriamente laical que possibilita enfrentar tantas contradições do mundo moderno. A sensação que se tem, portanto, é de que estamos mantendo os leigos num estado se não de minoridade, ao menos de dependência dos clérigos.
É necessário tomar consciência de que é decisivo, sobretudo para a Igreja do futuro, contar com um povo. Uma geração de cristãos com uma fé mais pessoal, mais consciente, que atribua um papel diferente à mulher. Um povo que seja livre da “tutela clerical”, portador de criatividade nos diversos âmbitos da vida, especialmente na política. Cristãos que sejam pessoas da esperança, da liberdade, da tolerância e da paz.
E então, é ainda mais necessário ir ao fundo das coisas e tentar ler o futuro que Deus reservou à sua Igreja e a todos os que crêem nele. Nos desejos imprescrutáveis de Deus, poderíamos compreender como é que de um mal poderia nos vir um grande bem. Anular definitivamente as distâncias (que separam clero, religiosos e leigos) é uma boa ocasião para se colocar numa escuta aberta e confiante de quem, em razão do comum batismo, tem a mesma dignidade e responsabilidade.
Estas perspectivas sobre os sinais dos tempos, enquanto aproximações de um futuro no qual creio, supõem que ainda existam pessoas que se consagrem totalmente à missão evangelizadora da Igreja, por causa do Reino de Deus. Neste sentido, o momento presente não nos oferece muitas ilusões, não por desconfiança, mas porque a realidade está sob o nariz de todos. Vemos que as vocações missionárias na Itália e no exterior estão diminuindo, inclusive naquelas Igrejas que até agora as tinham em abundância, enquanto que as vocações missionárias que nascem nas comunidades do Sul do mundo ainda não conseguem substituí-las de modo a dar continuidade ao passado.

Será este um dado de fato desencorajador, que nos faz cair os braços, como se estivéssemos diante de uma tendência inevitável e irreparável? Ou seria esta uma indicação providencial que Deus nos dá para renovamos evangelicamente a própria figura do missionário, abrindo-a a todos aqueles – presbíteros, religiosos e religiosas, leigos e leigas – que sentem necessidade de responder ao amor de Cristo? Precisamos rezar e discernir, para poder realizar a sua vontade.

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