Vida Religiosa Consagrada: alguns
desafios
No último
sábado (18 de janeiro), participei de uma bela celebração na qual um grupo de
15 Irmãs de Santa Catarina celebravam o jubileu (25, 50, 60 e 65 anos) de vida
consagrada, e uma professava seus primeiros votos no mesmo instituto. Nos dias
anteriores (16 e 17 de janeiro) participei, em Porto Alegre, de uma parte do
curso de especialização em Vida Religiosa, promovida pela Conferência dos Religiosos do Brasil e pela Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (ESTEF),
guiando uma reflexão sobre as intuições fundamentais e os desafios atuais da
Vida Religiosa Consagrada.
Os
participantes do curso eram majoritariamente jovens, ou melhor, não eram
idosos. Por outro lado, a maioria dos mais de 400 participantes da celebração
jubilar, obviamente, eram pessoas de idade mais avançada. Fiquei imaginando
esta mesma celebração sendo realizada a 50 anos atrás: certamente a proporção entre
professandas e jubilares seria inversa... E as diferenças não se limitariam apenas
a este aspecto... Tudo isso nos leva a perceber a urgência de repensar e
recriar a vida religiosa, para que seja vida e seja religiosa também nos tempos
e na situação atual da Igreja.
Repensar
a vida religiosa hoje sopõe, como nos lembram Antonieta Potente e Giséle Gómez,
uma atenção responsável aos movimentos da história e à divina Presença no seu
interior. Para os cristãos, a história não é terreno alheio à fé ou, menos
ainda, campo de ação do demônio, mas habitada e fecundada por “questões de
grande importância”: desejos, sonhos, nostalgias, expectativas. Precisamos
reler e recontruir a VR na perspectiva da coincidência entre o desejo humano e
o desejo divino. É isso que celebramos na encarnação.
Como
pessoas consagradas ao Deus de Jesus Cristo, precisamos aprender a ler a
história a partir de dentro, a discerni-la e compreendê-la unindo mística e
profecia. As coisas públicas são as coisas de Deus (profecia). Mas o Papa
Francisco nos adverte a entrar na história pela porta certa: “As grandes mudanças da história não se
realizam quando a realidade é vista a partir do centro, mas a quando é vista do
ponto de vista da periferia: só compreendemos
a realidade quando a olhamos desde a periferia, não quando olhamos a partir
de um centro equidistante. Para entender verdadeiramente a realidade,
precisamos deixar a calma e a tranquilidade da posição central e dirigirmo-nos
à zona periférica.”
A função
simbólica da Vida Religiosa Consagrada no mundo e na Igreja e no mundo consiste
em evocar o permanente que está semeado na história, o que tem e cria futuro, o
amor que nunca passa nem fica velho. E ela faz isso através da exageração
profética: renunciando ao que é funcional e transitório e assumindo aquilo que
tem força de eternidade. De novo o Papa Francisco: “Os resligiosos
seguem o Senhor de maneira especial, de modo profético. E eu espero de vocês
este testemunho. Os religiosos devem ser homens e mulheres capazes de despertar
o mundo. A prioridade de Vida Religiosa é a profecia do Reino, e isso é
inegociável. Os religiosos jamais podem renunciar à profecia. Os religiosos são
homens e mulheres que iluminam o futuro... É preciso reforçar aquilo que é
institucional, e não confundir o Instituto com a obra apostólica. O primeiro
permanece, o segundo passa...”
A estas
alturas, minhas perguntas são as seguintes: Que lugar pode ocupar a vida
religiosa consagrada em uma sociedade que é fruto de um processo emancipador e
em uma Igreja que ousa se pensar como povo de Deus, profético e peregrino no
mundo, todo inteiro chamado à santidade? Quais são os principais desafios
diante dos quais as pessoas consagradas e seus institutos não podem desviar o
olhar ou esconder a cabeça na areia? Como viver com autenticidade e alegria o
seguimento de Jesus Cristo em tempos tão críticos e tão pleno de encruzilhadas?
Uma bela canção da região missioneira diz que, à
primeira vista, as encruzilhadas parecem caminhos que se afastam, mas, para
quem olha mais atentamente e de um outro ponto de vista, são pontos de encontro
para quem quer voltar. No caso da Vida Religiosa Consagrada, as encruzilhadas
atuais – que são cruzes, por isso pesam, mas também levam à páscoa! – podem
esconder possibilidades de retorno às intuições fundamentais. Os desafios,
quando identificados, instigam a fé e a inteligência e descobrir as trilhas que
se aninham ou desenham no seu próprio ventre. Atrevo-me a dar nome a alguns
deles, àqueles que me parecem mais profundos e urgentes.
Itacir Brassiani msf
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