Mostramos com a vida
que somos filhos de Deus?
Jesus nos apresenta um caminho inusitado mas seguro para
felicidade, para a plena
realização das aspirações humanas mais profundas, para a santidade. Trata-se de
buscar a perfeição ou o jeito de ser do próprio Deus, evitando a tentação de
construir uma idéia de Deus à nossa imagem e semelhança, delimitado pelos
nossos medos e interesses. Embora este caminho nos pareça um pouco estranho e dissonante,
o próprio Jesus o viveu em primeira pessoa.
No evangelho de hoje Jesus começa respondendo à
nossa pergunta sobre ‘como reagir frente às situações de violência e seus
agentes’? Ele conhecia bem a lei judaica que, para limitar uma violência
reativa e desproporcional à violência sofrida, propunha não passar do “olho por
olho” e do “dente por dente”. Mas Jesus nos surpreende apontando os limites
deste preceito: pagar com a mesma moeda não erradica a violência que
ofende, machuca e mata.
Jesus
pede para não reagirmos com violência à
ação dos violentos. Mas vai adiante, ilustrando e concretizando sua
proposta de não-violência ativa em
três situações: o tapa na cara, ato de humilhação considerado um direito dos
superiores; o processo de penhora da roupa de um pobre endividado, visto como
direito dos credores; a obrigação de acompanhar a marcha dos soldados
imperiais, carregando às costas as armas que se voltavam contra o próprio povo.
A
proposta de Jesus não tem nada de
submissão passividade. Oferecer a outra face significa permanecer senhor de
si e desafiar a legalidade de um sistema projetado para humilhar. Dar o manto a
quem penhora a túnica (desnudar-se publicamente) significa revelar a humanidade
que a todos irmana e denunciar a avareza
dos credores. Caminhar o dobro do que o soldado determinou significa não
aceitar o jogo do império, questionar a hierarquia, tomar a iniciativa e
decidir a ação.
O caminho proposto por Jesus tem como meta eliminar o círculo vicioso que liga as ações
e reações violentas. O fato é que sempre classificamos as pessoas e dividimos
o mundo em amigos e inimigos, amamos e respeitamos os que estão próximos e alimentamos suspeitas e somos
indiferentes em relação aos estranhos.
É aqui que entra o mandamento de Jesus: nosso amor não pode ser restritos aos
iguais, aos próximos, mas deve chegar aos estranhos e distantes, até aos
inimigos.
Sabemos que a figura do próximo abrange uma certa diversidade de gênero, riqueza,
parentesco e etnia, e que a imagem do inimigo
não se limita aos adversários nacionais ou aos membros de outras religiões, mas
se estende aos oponentes pessoais e até à gente da própria família. Hoje
colocaríamos entre os inimigos (reais ou potenciais) as pessoas e grupos que ameaçam nosso bem-estar e nossos privilégios ou
questionam nossa supremacia em termos de competência, gênero, religião,
cultura, etc.
Pedindo que amemos nossos inimigos e até rezemos por
aqueles que nos perseguem, Jesus está sublinhando que condição social, a etnia,
o gênero e a religião não podem ser limites que restringem o dinamismo do nosso
amor. O amor entre os iguais pode ser egoísmo! Mas o próprio Jesus mostra que este amor não é sinônimo de gentileza nem
isento de conflitos. Rezar por quem nos persegue significa também clamar
pelo fim da opressão e das estruturas que as sustentam!
Jesus resume sua proposta ética e espiritual numa
frase: “Sejam perfeitos como o vosso Pai
celeste é perfeito.” A perfeição do Pai faz com que a chuva beneficie tanto os
justos como os injustos e o sol ilumine tanto os bons quanto os maus. Ser perfeito/a
como o Pai celeste significa não impor condições nem ter reservas, ser inteiro/a
e verdadeiro/a em tudo e com todos/as, pois, como nos lembra Paulo, todos –
nós, os outros, a comunidade eclesial e a comunidade humana! – somos templos do
Espírito Santo.
Jesus, mestre e
servidor da liberdade, de todas as liberdades: ajuda tua Igreja a vencer o
terrível medo da liberdade e da verdade que viveste e ofereceste a todos/as.
Faz que nossas comunidades sejam laboratórios nos quais as pessoas de boa
vontade se exercitem no respeito e na promoção da dignidade de todos os teus
filhos e filhas, inclusive no amor aos inimigos. E dá-nos a sábia loucura que
espanta os doutores mas seduz as pessoas que não sacrificaram sua humanidade no
altar do egoísmo predatório. Queremos ser filhos/as do Pai celeste! Assim seja!
Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf
(Levítico 1,2.17-18 * Salmo 102 (103) * Primeira
Carta aos Coríntios 3,16-23 * Mateus 5,38-48)
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