sexta-feira, 7 de março de 2014

Dia Internacional da Mulher

Mulheres em movimento.
Dia internacional da mulher.

Um marco da história
Todas nós sabemos que o dia internacional da mulher tem sua origem marcada por uma história de luta por direitos e por igualdade social.  Por isso, é um dia de memória e de luta. No dia 8 de março de 1857 mulheres operárias, em uma cidade do norte de Nova Iorque, ocuparam a fábrica de tecidos para reivindicar melhores condições de trabalho (redução de horas diárias, equiparação de salários com os homens) e tratamento digno dentro do ambiente de trabalho. No entanto, este movimento foi reprimido com total violência e aproximadamente 130 tecelãs foram mortas carbonizadas dentro da fábrica.  Na conferência realizada em Dinamarca, em 1910, decidiu-se que este dia passaria a ser o “dia internacional da mulher”, em memória à luta das operárias mortas em 1857. Contudo, por meio de um decreto da ONU, esta data só foi oficializada em 1975, não apenas como um dia comemorativo, mas um dia para discutir o papel das mulheres na sociedade, direcionando o esforço para pensar em políticas sociais que viessem a diminuir o preconceito, a discriminação e a desvalorização das mulheres.
Lutas plurais em movimento
No decurso da história, principalmente a partir do século XIX, uma pluralidade de lutas foi explodindo.  Diversas bandeiras começam a ser levantadas em que as mulheres são as principais protagonistas de uma nova história cultural. Elas reivindicam os direitos que a cultura patriarcal havia reservado somente aos homens, tais como: direito ao acesso à educação (ler e escrever); direito ao voto; direito de participação política; direito à inserção em diferentes carreiras profissionais; direito de acesso à propriedade da terra; direito de sindicalização, entre outros. E, recentemente, vemos emergir as bandeiras que reivindicam os direitos reprodutivos.
 Uma sociedade ainda desigual
Mesmo com todos os avanços, que foram protagonizados pelo movimento feminista e pelas diversas organizações de mulheres, em muitos contextos, elas ainda sofrem processos discriminatórios e opressivos que se traduzem nos salários baixos, na violência masculina, na jornada excessiva de trabalho e desvantagens na carreira profissional. Os discursos, as representações simbólicas e as práticas institucionais, que são reiteradas pela cultura, continuam reproduzindo uma sociedade muito desigual. As mulheres, em geral, recebem em média 30% a menos do que os homens, mesmo quando realizam a mesma função. Em maior número, elas estão em ocupações e empregos mais precarizados e inseguros e fazem parte dos índices de uma pobreza que tem um rosto feminino.  Praticamente todas as responsabilidades do espaço privado ainda recaem sobre as mulheres. Em uma sociedade que continua reproduzindo a cultura machista, como é o caso do Brasil, a cada 15 segundos uma mulher sofre algum tipo de violência doméstica; muitas são assinadas pelos seus companheiros, amantes ou namorados. Além disso, junto com as crianças, as mulheres são as grandes vítimas do tráfico de pessoas. Constatamos que muito foi conquistado, mas, ainda, há muito para ser modificado nesta história.
Dia de memória e de luta
Considerando que convivemos em uma sociedade desigual e injusta, celebrar o dia internacional da mulher é manter viva a memória e o sentido desse dia, como um dia de luta; para além de somente comemorar as conquistas sociais, políticas e econômicas das mulheres, é um convite à inquietação resistente, à ousadia e à coragem para colocar-se no movimento do mundo e somar com as lutas contemporâneas em favor dos direitos e da dignidade das mulheres que, em geral, continuam sendo discriminadas e colocadas às margens dos grandes processos históricos, incluso, dentro do universo eclesial. Não podemos cair na armadilha daqueles que reduzem esse dia a um momento para homenagear e valorizar a importância das mulheres, destacando atributos que a cultura produziu como parte de uma “essência feminina”, em uma visão romantizada. Isso parece ser muito recorrente em imagens e mensagens que circulam na mídia em relação à celebração deste dia.  É só olharmos para as os cartões digitais ou para PowerPoint que encontramos na internet. Certamente, nos deparamos com mensagens e imagens que parecem fazer bem ao ego feminino, mas que ocultam o dinamismo de um sistema simbólico que, sutilmente, reproduz os papéis tradicionais para as mulheres, como boas esposas, mães e donas do lar e reforça um determinado modelo de feminino e, consequentemente, a desigualdade social.  É claro, que também encontramos mensagens e imagens que reforçam a luta das mulheres, atributos de coragem, de ousadia, de racionalidade, de criatividade diante dos problemas do mundo cotidiano e profissional, mas em menor proporção.  O que queremos dizer com tudo isso, não é nos opor às situações que podem ser celebradas o ano todo que, certamente, são importantes para muitas mulheres. A insistência é mantermos uma consciência crítica e que isso não nos faça perder o foco sobre o sentido do dia internacional da mulher, em uma sociedade ainda tão desigual, em que os problemas sociais que atingem as mulheres não podem ser ignorados.
Homenagear as mulheres?
Sim, é dia também de homenagear as mulheres que se colocaram em movimento na luta por justiça, por igualdade e por dignidade, não só para o mundo das mulheres, mas em favor de todos os seres humanos que são colocados às margens da sociedade, simplesmente porque os marcadores de diferença de classe, raça/etnia, sexo, cultura, geração etc., são tomados como um sistema simbólico que desqualifica, discrimina e excluí pessoas. Temos muitos exemplos de mulheres, desde a história bíblica até a contemporaneidade: mulheres do povo, intelectuais, militantes, políticas, profissionais, consagradas ou anônimas (impossíveis de nomeá-las todas aqui), que lutaram e que continuam lutando por igualdade de direitos ou por outras situações mais pontuais, que merecem nossa memória, homenagem e que podem ser nossas inspiradoras, quando está em causa à justiça, à igualdade e à dignidade humana que, para nós, aos olhos da fé, pode ser interpretada como Reino de Deus.
Na visão do sociólogo francês Alan Touraine, as mulheres na contemporaneidade são os grandes sujeitos da história, por serem “criadoras de cultura”. Oxalá, que nós mulheres consagradas façamos parte desta grande rede de mulheres que produzem novos significados culturais e também eclesiais, somando na luta por igualdade, justiça e dignidade humana, porém com o diferencial da fé.  Mulheres, que se sentem chamadas pela Divina Fonte da Vida, e nesta fonte encontram a energia que alimenta o desejo de doar a vida fazendo a diferença neste mundo, sobretudo junto a um povo que tem “nome” (mulheres, indígenas, jovens, crianças, ribeirinhos...).
Assim sendo, homenageamos também a você mulher consagrada, que se dispõe a colocar-se neste movimento de luta pela dignidade humana, como profetiza da vida e da esperança, em um mundo que produz tantas feridas e processos de discriminação social e religiosa.
Março, de 2014.
Neiva Furlin

Nenhum comentário: