quinta-feira, 10 de abril de 2014

Domingo dos Ramos (Ano A - 2014)

A liberdade é um caminho de descida e de compaixão
Ouvindo o relato da entrada de Jesus em Jerusalém, somos forçados a abandonar toda fantasia de poder e de sucesso que alimentamos e projetamos nele. Nesta cena não há nada de triunfal. Jesus vem da Galiléia e entra na capital do seu país politicamente dominado montado numa jumenta. Nada de cortejos de honra, de generais e cavalos vistosos, de discursos oficiais de acolhida. Jesus chega a Jerusalém como sempre foi: um servidor, um reformador, um simples homem da Galiléia.
Ele chega à capital do seu país caminhando à frente de um numeroso e desconcertado grupo de discípulos e discípulas. O povo da capital não o conhece e o teme, mas o pessoal do campo o aclama com entusiasmo, como o Messias esperado. “Bendito o Rei que vem em nome do Senhor!” Como o velho Simeão, essa gente sabia reconhecer naquele homem que tinha ouvidos e palavras para os últimos o Enviado de Deus. E isso contrasta com a fria acolhida do povo de Jerusalém...
Na verdade, este grupo aclama o despontar do Reino messiânico inspirado em Davi e a chegada do líder enviado por Deus. Jesus, porém, não realiza as ações de poder que esta ideologia messiânica comportava. Ele é o servo paciente e o ouvinte atento da Palavra do qual fala Isaías, e é dessa escuta que brota uma palavra que desperta as pessoas adormecidas e encoraja as acorrentadas pelo medo. Sua ação não será outra que o dom incondicional e solidário de si mesmo na cruz.
O entusiasmo suscitado naquele pequeno grupo de gente que vinha do interior não se sustentará por muito tempo. Os próprios discípulos se unem às multidões e o saúdam como o Messias esperado, embora em seguida se sintam obrigados e voltar atrás. Os gritos de ‘hosana’ – Deus salva agora! – logo serão substituídos pelo insolente pedido ‘crucifica-o’, fruto da frustração popular e da manipulação interesseira das autoridades políticas e religiosas de Jerusalém.
A divisão que se criava entre os próprios discípulos, assim como a possibilidade concreta de traição, não fazem Jesus mudar de rumo. É verdade que ele se sente abatido e chega a se perguntar sobre o que fazer. Ele enfrenta um discernimento difícil. Pede aos discípulos que fiquem com ele e vigiem. “Pai, se quiseres, afasta de mim este cálice...” A oração no Getsêmani foi um momento de confronto profundo com a vontade do Pai e com a traição que se desenhava entre os próprios discípulos.
Aquele que o cortejo havia saudado Jesus na entrada da cidade como quem vinha e agia em nome de Deus permaneceu fiel e acabou preso, abandonado pelos próprios discípulos, condenado e pregado na cruz. Tanto para os judeus como para os romanos, a crucifixão representava a completa negação do ser humano, o redundante fracasso da pretensão de liderança, a absoluta ausência de Deus, a mais radical falta de sentido. E para os discípulos, essa foi a pedra no meio do caminho...
As autoridades ridicularizam e desafiam Jesus a salvar a própria pele, e oele mesmo parece mergulhar num turbilhão escuro e protestar contra o abandono até por parte de Deus. “Desde o meio-dia até as três horas da tarde houve escuridão sobre toda a terra.” Mas Jesus acaba vislumbrando a suprema consolação na radicalização do dom de si mesmo: “E eis que a cortina do santuário rasgou-se de alto abaixo, a terra tremeu e as pedras se partiram...”
É da boca de um soldado pagão se ouve a palavra que faz brilhar uma pequena luz na escuridão que fazia em plena tarde. “Ele era mesmo Filho de Deus!” O que aquele soldado viu que os outros não viram? Viu aquilo Simeão reconhecera trinta anos antes: que Deus se revela na pequenez e na fidelidade daqueles que morrem defendendo a vida. Naquele homem anulado e descartado, mas absolutamente fiel no seu amor pelos últimos e senhor de si mesmo, o soldado viu a exaltação da humanidade de Deus, diante da qual todo corpo se inclina e todo poder despótico treme.
Jesus de Nazaré, humilde justiceiro dos pobres, herdeiro do pequeno Davi. Abre nossos ouvidos para que prestemos atenção como discípulos, e dá-nos palavras adestradas para confortar as pessoas abatidas. Envia-nos teu Espírito, para que te acolhamos em nossa cidade e em nosso coração, e permaneçamos firmes aos pés da cruz da irrelevância na qual os poderes te condenam ainda hoje. E agracia-nos com a alegria profunda que só experimentam aqueles que fazem contigo o caminho da descida que esvazia e despoja, o único que enriquece e liberta verdadeiramente. Assim seja! Amém!

Pe. Itacir Brassiani msf
(Isaías 50,4-7 * Salmo 21 (22) * Carta aos Filipenses 2,6-11 * Mateus 21,1-11; 27,11-54)

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