quarta-feira, 30 de abril de 2014

Vivências da Semana-Santa (8)

Vigília e Páscoa: onde estão os sinais da ressurreição?

Nas partilhas anteriores, já enumerei um rosário de surpresas que tive na vivência da semana-santa na Vila do Morro. E aqui está mais uma, a última: a comunidade católica costuma iniciar a celebração da vigília, com a bênção do fogo, em frente ao cemitério da vila! Jamais havia pensado nessa possibilidade... E faz sentido!
É no cemitério que deixamos os restos físicos das pessoas que amamos, e também daquelas que ignoramos. É nele que repousará aquilo que vai sobrar deste corpo no qual somos reconhecidos, que é mediação e expressão de tantas coisas belas e no qual frequentemente experimentamos dores. O cemitério é símbolo da longa e silenciosa espera da ressurreição da carne, elemento constitutivo da nossa fé.
O início da vigília pascal estava previsto para as 19:30h. Cheguei às portas do cemitério às 19:00h, e já encontrei um bom número de fiéis reunidos em torno de um belo monte de lenha, preparada por um generoso fiel, cada qual preparado com sua vela e um frasco com água. Aproveitamos o tempo de espera e, na falta de alguém que entoasse um “bendito” próprio para as vigílias, começamos a entoar cânticos populares, convocando todas as criaturas a esta vigília celebrada sob o céu estrelado, mas ainda sem a vita de luca cheia. “Luar do Sertão”, “Calix Bento”, “Oh Minas Gerais”, “Sim, eu quero...” foram canções que vieram expontaneamente à nossa memória e que foram cantadas com entusiasmo por aquela gente simples, pura e fiel.
Depois de decorar o círio pascal, com todos os pormenores simbólicos que isso comporta, e depois de abençoar o fogo, partimos em direção à igreja, sempre cantando, pontilhando a escuridão com um sem número de pequenas luzes que faziam sorrir as estrelas. Paramos na porta do templo e perguntamos, cantando: “Senhor, quem entrará no santuário prá te louvar?” E nós mesmos cantamos a resposta que que nos foi revelada: “Quem tem as mãos limpas e o coração puro, quem não é vaidoso e sabe amar!” E, então, declaramos, em uníssono: “Senhor, eu quero entrar!...” E adentramos no templo dando graças a Deus pela luz de Cristo materializada no círio que nos precedia.
Depois da bela memória e profecia do “exultet”, ainda na penumbra, abrimos a mente e o coração para escutar e deixar ressoar a Palavra de Deus. Infelizmente tivemos que decidir pela simplificação deste tempo de escuta, focalizando apenas três perícopes do Antigo Testamento, mais a carta aos Romanos e o Evangelho. O calor intenso e a presumida impaciência do povo nos levou a tomar esta decisão. Mas poderia ter sido diferente... E penso que seria melhor, mais expressivo e frutuoso... Solenidades como esta são também formadoras de consciência e de hábitos...
A invocação das testemunhas do ressuscitado, mediante a ladainha de todos os santos, abriu o rito de renovação do batismo. Pois o mistério da páscoa de Jesus se realiza de um modo todo especial neste sacramento que sela a nossa lealdade com o senhor-servo: nas águas do batismo morremos com Jesus para o mundo do “cada um para si” e ressuscitamos com ele para o mundo do “dom generoso e solidário de si”. É por isso que, sem deixar de ser uma festa eucarística – a Aliança se torna definitivamente nova! – a páscoa é também uma festa rdicalmente batismal.

Itacir Brassiani msf

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