Compra
das eleições
Ano de eleições
decisivas para o país! Seguimos os movimentos dos partidos, dos candidatos,
negociação sem fim, falta de propostas etc. Tudo pode ser muito emocionante,
mas normalmente nos esquecemos de que na realidade não temos eleições que
manifestem a vontade soberana dos cidadãos uma vez que elas são compradas pelos
grandes grupos econômicos.
Uma lei de 1997
liberou o financiamento privado das campanhas por interesses privados (uma vaga
de deputado federal custa por volta de 2,5 milhões) o que fez com que os
recursos empresariais constituam a fonte mais importante de financiamento das
campanhas. A deformação financeira gera assim sua própria legalidade e
transforma o poder financeiro em direito político. Desta forma o voto não
representa mais o cidadão já que o processo eleitoral é deformado através de
grandes somas de dinheiro.
O
Prof. L. Dowbor em livro recente nos mostra um exemplo muito significativo: o
caso da empresa Friboi, o maior grupo mundial na área de carne. Há uma bancada
Friboi no Congresso com 41 deputados federais e 7 senadores que com uma única
exceção votaram contra as modificações do Código Florestal. O próprio relator
do código recebeu 1,25 milhão de empresas agropecuárias.
Uma
empresa não financia um candidato por solidariedade, mas em virtude das
políticas de seu interesse que serão aprovadas através de seus votos. Os
políticos caem numa armadilha lamentável: entre representar os interesses
legítimos da população (o mote central das manifestações recentes) e assegurar
a próxima eleição a decisão se impõe. Através disto é o próprio processo de
decisão sobre o uso dos recursos públicos que de alguma forma é privatizado. A
consequência terrível é que se perde a dimensão pública do Estado.
Trata-se
claramente de uma apropriação privada da política que conduz a uma sistemática
deformação das prioridades do país: os recursos públicos ao invés de serem
investidos no que traz melhora da qualidade de vida são direcionados para o que
traz mais lucro em termos de contratos empresariais.
Um
elemento importante neste processo é o sobre-faturamento. Quanto maior for o
custo financeiro das campanhas maior será a concentração da pressão empresarial
sobre os políticos em grandes empresas. Sendo as empresas poucas, poderosas e
com muitas vinculações a políticos, a tendência é organizar a seu favor a
estruturação dos contratos com duas consequências de enormes efeitos: a
concorrência pública se torna um grande arremedo e a elevação radical dos
grandes contratos.
Isto
faz com que os lucros alcançados sejam a base do financiamento das futuras
campanhas de tal modo na realidade o próprio Estado se torna a garantia dos
fundos para o financiamento privado das campanhas. Tal processo corrói pela
raiz a gestão pública e deforma essencialmente a democracia o que gera a enorme
perda de confiança da população nas dinâmicas públicas.
Experiências
de outros países mostram que esta tragédia não constitui um destino inexorável.
Por esta razão a recuperação da dimensão pública do Estado é certamente um dos
desafios centrais do Brasil de hoje.
Manfredo
Araújo de Oliveira
[*Padre e filósofo. Professor na Universidade
Federal do Ceará (UFC). Mestre em Teologia pela Universidade Gregoriana de
Roma, Itália, e doutor em Filosofia pela Universidade Ludwig-Maximilian de
Munique, Alemanha]
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