quinta-feira, 26 de junho de 2014

O comércio eleitoral no Brasil

Compra das eleições
Ano de eleições decisivas para o país! Seguimos os movimentos dos partidos, dos candidatos, negociação sem fim, falta de propostas etc. Tudo pode ser muito emocionante, mas normalmente nos esquecemos de que na realidade não temos eleições que manifestem a vontade soberana dos cidadãos uma vez que elas são compradas pelos grandes grupos econômicos.
Uma lei de 1997 liberou o financiamento privado das campanhas por interesses privados (uma vaga de deputado federal custa por volta de 2,5 milhões) o que fez com que os recursos empresariais constituam a fonte mais importante de financiamento das campanhas. A deformação financeira gera assim sua própria legalidade e transforma o poder financeiro em direito político. Desta forma o voto não representa mais o cidadão já que o processo eleitoral é deformado através de grandes somas de dinheiro.
O Prof. L. Dowbor em livro recente nos mostra um exemplo muito significativo: o caso da empresa Friboi, o maior grupo mundial na área de carne. Há uma bancada Friboi no Congresso com 41 deputados federais e 7 senadores que com uma única exceção votaram contra as modificações do Código Florestal. O próprio relator do código recebeu 1,25 milhão de empresas agropecuárias.
Uma empresa não financia um candidato por solidariedade, mas em virtude das políticas de seu interesse que serão aprovadas através de seus votos. Os políticos caem numa armadilha lamentável: entre representar os interesses legítimos da população (o mote central das manifestações recentes) e assegurar a próxima eleição a decisão se impõe. Através disto é o próprio processo de decisão sobre o uso dos recursos públicos que de alguma forma é privatizado. A consequência terrível é que se perde a dimensão pública do Estado.
Trata-se claramente de uma apropriação privada da política que conduz a uma sistemática deformação das prioridades do país: os recursos públicos ao invés de serem investidos no que traz melhora da qualidade de vida são direcionados para o que traz mais lucro em termos de contratos empresariais.
Um elemento importante neste processo é o sobre-faturamento. Quanto maior for o custo financeiro das campanhas maior será a concentração da pressão empresarial sobre os políticos em grandes empresas. Sendo as empresas poucas, poderosas e com muitas vinculações a políticos, a tendência é organizar a seu favor a estruturação dos contratos com duas consequências de enormes efeitos: a concorrência pública se torna um grande arremedo e a elevação radical dos grandes contratos.
Isto faz com que os lucros alcançados sejam a base do financiamento das futuras campanhas de tal modo na realidade o próprio Estado se torna a garantia dos fundos para o financiamento privado das campanhas. Tal processo corrói pela raiz a gestão pública e deforma essencialmente a democracia o que gera a enorme perda de confiança da população nas dinâmicas públicas.
Experiências de outros países mostram que esta tragédia não constitui um destino inexorável. Por esta razão a recuperação da dimensão pública do Estado é certamente um dos desafios centrais do Brasil de hoje.
Manfredo Araújo de Oliveira

[*Padre e filósofo. Professor na Universidade Federal do Ceará (UFC). Mestre em Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma, Itália, e doutor em Filosofia pela Universidade Ludwig-Maximilian de Munique, Alemanha]

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