segunda-feira, 2 de junho de 2014

Pe. Rodolpho Ceolin msf

Uma presença que se insinua em muitas ausências
O mistério de uma pessoa não cabe nestes poucos dados…
Passaram-se onze meses e já começou a contagem regressiva para o primeiro ano da tua páscoa definitiva. É verdade que não eras mais propriamente um jovem e que já podias apresentar uma longa fichha de testemunhos edificantes e de serviços relevantes ao povo, à Congregação, à Vida Consagrada e à Igreja. Tinhas chegado à desejada e difícil maturidade em idade, sabedoria e graça. Eras como uma fruta madura, bela e desejável. Somente agora damo-nos conta de que esta fruta nos foi roubada antes que a colhêssemos e degustássemos como desejávamos...
Nestes longos onze meses privados da tua presença física, querido Pe. Ceolin, crescemos na consciência de que não soubemos apreciar adequadamente o que tinhas a nos dar, e não consegimos nem imaginar quanta falta tua partida nos faria. Percebemos que não te levamos suficientemente a sério, que mais brincávamos contigo que te escutávamos. Hoje percebemos, com uma pitada de ressentimento e de dor, a falta do teu olhar nos encontros, o silêncio da tua palavra nas nossas rodas de conversa, o lugar vago na cadeira que ocupavas nos nossos encontros, a ausência da tua experiência nas nossas buscas e encruzilhadas, a falta da tua incrível memória nas nossas projeções, a falta do teu abraço nas nossas chegadas e partidas...
Apagou-se teu olhar, Rodolpho, aquele olhar do tipo que basta por si mesmo. Não precisavas dizer ou fazer nada. Ser visto por ti era o bastante para sentir-se acolhido, confirmado, valorizado, seguro. É verdade que às vezes te encontrávamos agitado e até nervoso, e parecía-nos que nos negavas teu olhar... Mas, mesmo naqueles momentos, comparecer diante de ti era o suficiente para desfazer a sensação de abandono e de nulidade. Nos teus olhos nos sentíamos amados, experimentávamos a serena alegria de podermos ser nós mesmos, sem nenhum constrangimento. Que teu olhar se volte ainda e sempre a nós...
Silenciou tua palavra, aquela palavra fácil e eloquente em público, mas que brotava como que arrancada do silêncio nos diálogos pessoais e íntimos, no acompanhamento espiritual e no aconselhamento. Uma palavra sempre ponderada e equilibrada, lentamente amadurecida. Palavra que estimulava, desafiava, confortava. No púlpito, era uma palavra que chamava a um sadio e concreto realismo, à mudança profunda e corajosa, à esperança que não engana, à memória responsável e agradecida. E quando escrevias, tua palavra não rabiscava idéias: era sempre auto-implicativa e traduzia experiências e esperanças. Por favor, não te cales!
Tua cadeira permanece desocupada, ali diante dos nossos olhos, nos grupos de trabalho e de reflexão, nos encontros e cursos da Província. Eras presença certa, desejada e apreciada pela maioria de nós, nos cursos, encontros, assembléias e discussões. Tua presença impunha respeito e seriedade às atividades, mesmo quando davas vazão a um humor cáustico ou a uma inesperada descrença, que nos parecia difícil coadunar com tua biografia. Há onze meses e tantos encontros tua cadeira permanece muda e vazia, e não encontramos ninguém que possa ocupá-la em teu lugar. Se fosse a cadeira do juiz ou do professor não faltariam candidatos... Ocupa de novo o lugar que te pertence no meio de nós!
Tua experiência também nos faz muita falta... Aquela experiência temperada no fogo das crises e nas noites escuras da fé. Esta experiência faz muita falta nestes tempos líquidos, quando aquilo que nos parecia sólido se desfaz em mil fragmentos e as promessas feitas “para sempre” estão sempre por um triz... Era belo, gostoso e animador te escutar quando falavas das crises superadas e dos questionamentos que te atormentavam, mesmo quando, por vezes, nos parecias denasiadamente voltado ao passado. Em ti, a experiência não era uma receita a ser seguida rigidamente, mas um saber que se oferecia generosamente.
Um click não consegue eternizar 
o mistério da pessoa humana…
Perdemos com tua partida um bocado da nossa memória coletiva. Tinhas alinhavados na mente a maioria dos fatos importantes que, desde 1943, envolveram a Província e a Congregação. Deles participaste como “testemunha ocular” e, em muitos casos, como protagonista. Se tivesses acolhido nossos insistentes pedidos de escrever esta história, hoje estaríamos mais vivos e menos pobres! Esta memória, que é muito mais que o registro de datas e fatos, faz muita falta na hora de visualizar nosso futuro como Província e como Congregação. Resta-nos catar as nodas que deixastes aqui e acolá... E aprender contigo a tomar notas, pensando nas gerações que virão.
E quanta falta nos faz oteu abraço, real ou imaginário, tanto nas chegadas como nas saídas... Sem ele, nossas viagens e travessias ficam com um sabor de fuga, de errância, de deserção. Nos teus braços alquebrados e no teu corpo que envelheceu sem jamais se enrijecer nos sentíamos acolhidos, envolvidos, revigorados, enviados. Somente agora, quando teu corpo jaz no cemitério do Seminário que tanto amavas, percebemos o quanto necessitávamos daquele abraço tão teu, abraço de pai generoso, de irmão e igual, de amigo fiel, de mestre sábio e prudente... Mas agora ele está para sempre perdido. Ou será que não?!
Sim, porque continuas conosco, saudoso irmão e precioso amigo, nas mil e uma lembranças que nos visitam cada dia, no edificante testemunho que recordamos com saudade e gratidão: teu indisfarçável apreço pela tua terra e tua origem; tua capacidade infinita de compreender nossos limites e erros; tua serenidade diante dos altos e baixos da vida; tua impressionante capacidade de autocrítica, de pedir desculpas, de recomeçar; tua incansável dedicação ao auto-cultivo; tua dedicação incondicional e generosa ao povo; tua proverbial liberdade frente às leis e instituições; teu apreço maduro e equilibrado pela Província e pela Congregação; tua grande estima e devoção a Nossa Senhora da Salette e à Sagrada Família de Nazaré...

Itacir Brassiani msf

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