terça-feira, 5 de agosto de 2014

O aborto na campanha politica

Sobre a ideológica obsessão por algumas questões morais na campanha eleitoral.
No último domingo (dia 03 de agosto), publiquei no facebook algumas linhas sobre a exploração politiqueira e oportunista do projeto de discriminilazição do aborto. Comecei afirmando que a legalização do aborto é indefensável do ponto de vista ético e cristão (mesmo que a discussão não seja exatamente sobre a legalização, mas sobre a discriminalização em algumas situações bem específicas), e questionei a postura de cristãos (?!) que acusam o PT e o governo Dilma de abortistas como forma disfarçada de chamar os cristãos e católicos e votar nos outros candidatos.
E perguntava:  “Trata-se de militância “pro-life” ou de postura “pro-forbes”, “pro-money” e “pro-elites”?” Confessava também minha tristeza e minha preocupação ao ver “membros do clero e da hierarquia eclesiástica assumindo posturas tão ingênuas, e rezo para que sejam apenas ingênuas, e não maliciosas e interesseiras, eivadas de desprezo por tudo o que é popular e venha em benefício de um povo livre e soberano...” Isso porque, salvo engano, os que levantam estas bandeiras seriam “os mesmos que se calam diante do trabalho escravo, da grilagem de terras, dos fundos-abutres, das arbitrariedades dos EUA no mundo, da idolatria do capital em todos os cantos, do roubo dos territórios e do genocídio dos indígenas, das guerras promovidas e sustentadas para alimentar o comércio de armas...
Discutindo minha postagem, o  amigo Léo Löw (de Ijuí – RS) escrevia: “Um Padre jamais pode apoiar um partido que incentiva o aborto, as uniões homossexuais e a ‘forçação de barra’ com nossas crianças para que sejam gays, a corrupção intensa e os interesses dos bancos como faz o PT. O PSDB é péssimo também, mas não incentiva o aborto e a homossexualidade. Somente isso já proíbe um Padre de apoiar o PT, mesmo que façam outras coisas boas... Nada justifica...” (os destaques são dele).
Sem entrar na questão da análise dos programas e práticas dos partidos que postulam o governo do Brasil, quero apenas fazer duas considerações. A primeira é que o PT não é o criador da cultura hegemônica e globalizada, que tem suas ambiguidades, mas também afirma, com acerto, a diversidade e o pluralismo como valor e a dignidade inalienável da pessoa humana, inclusive dos negros, gays, indígenas, mulheres, migrantes, enfim, daqueles que a ideologia do mercado trata como impessoas (Noam Chomsky). E tenho dificuldades de encontrar fundamentos na afirmação de que o PT está forçando a barra para gayficar nossas crianças. E na questão de favorecimento dos bancos, o PT não tem feito outra coisa que manter, impondo pequenos e insuficientes limites, a execrável política implementada por FHC e o PSDB. O silêncio interesseiro sobre a questão dos gays e o aborto não o faz melhor e mais aceitável que p PT!
A segunda consideração é sobre meu apoio ao PT e a dita contradição com a fé que professo e me orienta. Reconhecendo que que o ensino do Papa Francisco é amplo e não pode ser manipulado, repito com ele: “Com sou eu para julgar os gays?” E acresento dois pensamentos que ele nos propõe na exortação Evangelii Gaudium. “Uma pastoral em chave missionária não está obsessionada pela transmissão desarticulada de uma imensidade de doutrinas que se tentam impor à força de insistir. Quando se assume um objetivo pastoral e um estilo missionário, que chegue realmente a todos sem exceções nem ex­clusões, o anúncio concentra-se no essencial, no que é mais belo, mais importante, mais atraente e, ao mesmo tempo, mais necessário” (n° 35).
O Papa diz também que a hierarquia das verdades da fé e a unidade orgânica entre as virtudes nos impedem de excluir qualquer uma delas do ideal cristão. “Quando a pregação é fiel ao Evan­gelho, manifesta-se com clareza a centralidade de algumas verdades e fica claro que a pregação mo­ral cristã não é uma ética estóica, é mais do que uma ascese, não é uma mera filosofia prática nem um catálogo de pecados e erros.” Segundo o Papa Francisco, o Evangelho convida, antes de tudo, a responder a Deus que nos ama e salva, e a reconhecê-lo nos outros, saindo de nós mesmos para procurar o bem de todos.
Baseado nesse princípio, o Papa afirma: “Este convite não há-de ser obscurecido em nenhuma circunstância! Todas as virtudes estão ao serviço desta resposta de amor. Se tal convite não refulge com vigor e fascínio, o edifício moral da Igreja corre o risco de se tornar um castelo de cartas, sendo este o nosso pior perigo; é que, então, não estaremos propriamente a anunciar o Evangelho, mas algumas acentuações doutrinais ou morais, que derivam de certas opções ideoló­gicas” (n° 39). Infelizmente, alguns militantes católicos chamados pro-life não escondem esta obsessão doentia por alguns temas moralizantes, silenciando propositalmente princípios mais centrais e relevantes...
Refletindo sobre o papel da catequese na evangelização, o Papa diz ainda que “é oportuno indicar sempre o bem desejável, a proposta de vida, de maturidade, de realização, de fecundidade, sob cuja luz se pode entender a nossa denúncia dos males que a podem obscurecer. Mais do que como peritos em diagnósticos apocalípticos ou juízes sombrios que se comprazem em detectar qualquer perigo ou desvio, é bom que nos pos­sam ver como mensageiros alegres de propostas altas, guardiões do bem e da beleza que resplan­decem numa vida fiel ao Evangelho” (n° 168).

Itacir Brassiani msf

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