domingo, 30 de novembro de 2014

Poetizando a vida

Tornando-me

Nu eu me lanço em teus braços
Nu como nasci, como sempre estive
Oh, altíssimo!
Tu que és tão alto e tão baixo,
Tão soberano e tão pobre,
Tu que te escondes do rico e
Te apresentas em migalhas aos Pobres.

Nas torrentes do teu corpo-incorpóreo
Quero me banhar,
Nu, quero me banhar.
Rejeitei em mim o tempo,
Rejeitei em mim o pudor de Adão,
Gritei alto o teu único nome: Amor.

Nu me percebi,
Não me envergonhei,
Apenas me lancei.
E lembrei, dos banhos de chuva
Dos tempos de menino.

Sem ânsia de querer saber,
Apenas em silêncio,
Apenas mergulhado,
Me transformando,
Me aderindo.
Tu me paristes,
Tu me criastes,
Agora eu retorno a Tu
A Tu que ao mesmo tempo é EU  
Em silêncio, em aderência.
Tu, que tens por nome: Amor.


Paulo Henrique (Postulante MSF, Recife)

sábado, 29 de novembro de 2014

Fim e começo

Quase não dá para acreditar!...
Para o calendário litúrgico das comunidades cristãs católicas, hoje é o último dia do ano 2014, ano que começou em dezembro de 2013. Como todos os tempos marcados pela percepção de um fim, o dia de hoje poderia comportar uma forte chamada de atenção, uma ameaça com julgamentos implacáveis, uma lembrança sofre a brevidade e a fugacidade da vida, um arrogante desprezo ou uma condenação implacável do mundo e uma celebração da “cidade de Deus”.
Enretanto, não me parece esse o tom da Palavra de Deus que nossa tradição litúrgica escolheu para este dia (Ap 22,1-7; Lc 21,34-36). Confesso que fiquei profundamente comovido com a luz e o alimento que ela me brindou na meditação que acabo de fazer, no amanhecer deste dia. É tanta confiança, otimismo e esperança que quase não consigo acreditar. A beleza e a profundidade são tamanhas que não consigo expressar adequadamente.
É verdade que Lucas começa chamando-nos a tomar cuidado, a permanecer vigilantes, a não trocar a sensibilidade espiritual pela gula, pela embriaguez e pelas muitas preocupações que nos aprisionam de modo repentino e implacável, como tarrafa lançada sobre um indefeso e distraído cardume de peixes. É preciso exercitar a oração como um caminho que nos mantenha vigilantes e fortaleça nossos pés, para estarmos de pé e a camino diante do Filho do Homem, que vem, que está vindo desde sempre.
Mas essa vigilância não tem nada a ver com apreensão e medo. Trata-se de manter os olhos da fé limpos e abertos para reconhecer e acolher a visita de Deus e o advento do seu reino entre os pequenos. Em meio a mil dificuldades que ameaçam derrubar e imobilizar as comunidades cristãs, João levanta os olhos e alarga os horizontes. E nos convida a ver coisas maravilhosas, inacreditáceis. Ele as descreve a seu modo e no seu horizonte cultural e espiritual, mas o que ele quer e que nós vejamos os sinais que discretamente nos rodeiam e envolvem.
Exilado na ilha de Patmos, profundamente sintonizado com as dores de parto e a fecundidade da fé das suas comunidades, o velho evangelista vê coisas impressionantes: uma cidade, no centro da qual estão os tronos de Deus e do Cordeiro; um rio de água viva, brilhante como cristal, brotando destes tronos; plantadas nas duas margens desse rio, árvores da vida, que produzem frutos todos os meses do ano e oferecem folhas que curam; os servidores de Deus a ele prestando culto, vendo sua face e a refletindo em seus próprios rostos; não há mais noite nem maldade, nem lâmpadas nem sol, porque o próprio de Deus é a luz que tudo ilumina...
Coisa maravilhosa e impressionante! Na cidade de Deus, útero no qual somos regenerados, mas também geramos e sustentamos a cidade dos Homens, não há templo, nem altar, nem sacerdotes! Tudo isso é transitório! Na meta final que nos atrai e inspira, os buscadores de Deus, todos os homens e mulheres de boa contade, têm a surpresa e a graça de vê-lo face a face. A face de Deus resplandece na face dos filhos e filhas de Deus! Por isso, olhando uns para os outros, amando-nos e servindo-nos reciprocamente, contemplamos e servimos o próprio Deus. E então seremos como árvores da vida, plantadas às margens do rio de cristal, fecundas e generosas. É assim que reinaremos por toda a eternidade. É assim que o reino de Deus será invencível e eterno.
“Eis que eu venho em breve!”, diz uma voz misteriosa. Desde sempre ele é aquele que está vindo, batendo discretamente à nossa porta, correndo como teimoso fio de água em meio a secas terras, brilhando no olhar dos amantes, gritando no clamor dos sofredores, chorando na saudade devoradora dos utópicos. Com os pés na terra – por condição e por graça! – saboreamos o gosto amargo das contradições do nosso mundo, belo e apaixonante; lutamos contra as ambiguidades que marcam nossos sonhos e projetos; carregamos, resignados, nossos medos e feridas; sofremos com os paradoxos das nossas Igrejas... Mas não entregamos os pontos, pois vemos longe!
“Eis que eu venho em breve!” Ele vem, ele está vindo. Seremos capazes de escutar e ver seus sinais nas brumas leves das paixões que vem de dentro, nas roupas do varal balançando ao vento? Sim, podemos! E queremos! E porque Deus também quer, tudo é possível. Hoje não é o fim, mas o começo; não é tempo de exéquias mas de parto! Não percamos o brilho deste amanhecer, não percamos o ritmo desta dança, não estejamos distraídos nesta espera que faz toda diferença!

Itacir Brassiani msf

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Um testemunho e vigilancia e oraçao

Vigiai e orai!
Esta é uma fórmula que fica guardada na memoria ao ler este texto bíblico. Estar atentos combinado com a oração. É esta a principal mensagem do que se guardou na memória em relação a este texto. E muitas vezes já se afirmou que oração sem ação ou igualmente ação sem oração se torna vazio de sentido na prática cristã.
O texto do evangelho de Marcos a ser refletido no primeiro domingo de Advento reflete uma linguagem apocalíptica, ou um jeito de dizer profecia em tempos de perseguição e perigo. O contexto do texto na época reflete o período conturbado da destruição do Templo de Jerusalém pelos romanos e a subsequente perseguição, morte e violência sofrida neste período. Vigiar constantemente, em todos os momentos - à tarde, à meia-noite, ao cantar do galo, pela manhã engloba todas as horas do dia. Não há tempo de deixar cair a guarda, de cochilar. Estas são recomendações que se encaixam no período litúrgico celebrado: o Advento. Advento é tempo de espera, de esperança; mas não uma espera passiva, de cruzar os braços. Esperança ativa que se desenvolve em ações que concretizam os anseios da oração feita é o que envolve o período do ad-vento - do tempo que já vem.
O primeiro domingo de advento de 2011 foi celebrado num momento que se outorgaria no dia 10 de dezembro, em Oslo, Noruega, o premio Nobel da Paz a três mulheres: a presidente da Libéria, Ellen Johnson Sirleaf, a militante Leymah Gbowee, também liberiana, e a jornalista e ativista iemenita Tawakkul Karman. É de destacar que em 111 anos, apenas 12 mulheres haviam recebido o Nobel da Paz. Considerando todas as categorias do prêmio, até aquele momento apenas 44 mulheres haviam sido agraciadas.
É a história de vida de uma delas que se faz presente neste contexto de reflexão sobre a espera ativa de oração e ação em tempo de advento. Leymah Gbowee teve um papel importante como ativista durante a segunda guerra civil liberiana, em 2003. Ela mobilizou as mulheres no país pelo fim da guerra, organizando inclusive uma "greve de sexo" em 2002. Também organizou as mulheres acima de suas divisões étnicas e tribais no país, ajudando a garantir direitos políticos para elas. Estas são as informações que são destacadas na imprensa em geral, de Leymah Gbowee. O que quero trazer aqui são detalhes um pouco mais amplos que ajudam a entender de onde vem a motivação desta mulher.
Leymah é cristã, e sua prática de fé se insere na Igreja Luterana da Libéria, que é membro da Federação Luterana Mundial. No início de sua militância ela foi presidente da organização de mulheres da Igreja Luterana St.  Peter, na capital Monrovia. Junto com outra mulher, Comfort Freeman, organizaram o "Programa Mulheres Construindo a Paz". Esta organização foi plataforma ativa de mulheres engajadas na superação da violência, pelo fim da guerra na Libéria.
"O povo da Libéria tem esperança", dizia Gbowee naquela época, se referindo às mulheres que iniciaram os seus dias sentando por paz em meados de abril, na capital Monrovia. Sob sol ou chuva as mulheres da Libéria se reuniam para afirmar seu compromisso pela paz. Elas se reuniam para protestar contra as ações de todos que perpetuavam a violenta guerra civil. "Nossa visão é pela unidade de nossas famílias e a eliminação da fome e das doenças. Nós cremos que as mãos poderosas de Deus nos acolhem neste esforço. Deus voltou seus ouvidos para nós.”
O que elas faziam? Elas se reuniam pra sentar e orar juntas! Mas, sua oração era uma oração que juntava em si o que o texto de Marcos recomenda - vigiai e orai. A oração ativa e engajada destas mulheres lideradas por Laymah se dava nos mais diferentes  lugares na igreja, nas casas, nas ruas, ou em pontos estratégicos, como na frente dos portões do exército onde os caminhões de guerra saíam com os soldados prontos para as batalhas na guerra sangrenta que assolou o país.
As mulheres superaram barreiras culturais que as prendiam a serem donas de casas expectadoras da violência, ou limites religiosos - elas reuniram cristãs e muçulmanas em suas ações de paz. Elas firmemente pronunciaram com suas palavras que basta! Chega de violência e guerra! Queremos paz! E tomando o rumo de suas vidas e de suas famílias em suas mãos, juntaram as mãos em oração por paz. Seu movimento foi juntando mais adeptas e com a pressão de serem muitas, em redes, em grupos, foram forjando os rumos do fim da guerra no país.  De 1989 a 2003, a Libéria enfrentou uma das piores e mais violenta guerra civil na África; grupos rebeldes e forças governamentais se enfrentaram em batalhas pelo poder, em conflitos étnicos e políticos.
Em 2008, eu tive a oportunidade de visitar a igreja Luterana da Libéria e conhecer o trabalho das comunidades e dos grupos de mulheres que seguem firmes no testemunho de ser igreja inserida no contexto de pobreza, testemunhando com ações diaconais a presença do Evangelho libertador neste mundo. As mulheres seguem reunindo-se em oração, que são momentos de memória que está vigilante para que a guerra não volte, para que a paz, mesmo que frágil,  siga regendo a vida desta sociedade tão sofrida. As mulheres guardam na memória que a oração é capaz de parar os tanques de guerra.
 A história de vida e testemunho de fé desta mulher que foi reconhecida internacionalmente laureada pelo premio Nobel da Paz ajuda na reflexão neste tempo de advento, inspirada pelo evangelho de Marcos, que exorta a vigiar e orar. A oração militante destas mulheres da Libéria é um exemplo concreto de como esta exortação se transforma em prática.
Elaine Neuenfeldt

http://www.cebi.org.br/noticias.php?noticiaId=5241

Carta à Presidenta Dilma

Estimada Presidenta Dilma Rousseff,

Nós, participantes do Grupo Emaús abaixo relacionados, queremos parabenizá-la por seu esforço e desempenho durante a árdua campanha eleitoral, bem como pelas conquistas de seu primeiro mandato. Somos um grupo de teólogos/as de várias Igrejas cristãs, sociólogos/as, educadores/as e militantes que nos encontramos regularmente há quatro décadas. Estamos todos comprometidos na construção de um Brasil, social e economicamente mais justo, solidário e sustentável.
A maioria batalhou, desde o início, em favor do PT e de seu projeto de sociedade. Nessas eleições de 2014, muitos de nós expressamos publicamente nosso apoio à sua candidatura. Discutimos e polemizamos, pois, percebíamos o risco de que o projeto popular do PT, representado pela Senhora, não pudesse se reafirmar e consolidar. Para nós cristãos, especialmente nas milhares de comunidades de base, tínhamos e temos a convicção de que a participação política, de cunho democrático, popular e libertador, se apresenta como um instrumento para realizar os bens do Reino de Deus.
Esses valores são a centralidade dos pobres, a conquista da justiça social, a mútua ajuda, a busca incansável da dignidade e dos direitos dos oprimidos, a valorização do trabalhador e da trabalhadora, a justa partilha e o respeito pela Mãe Terra. Por isso, na linha do diálogo que a Senhora propôs à sociedade, queremos apresentar algumas sugestões para que seu governo continue implementando o projeto que tanto beneficia a sociedade brasileira, especialmente os mais vulneráveis.
Estas são as grandes opções que, acreditamos, devem estar presentes na construção do Brasil que queremos:
1.  PROMOVER UMA REFORMA DO SISTEMA POLÍTICO
Uma reforma que acabe com o financiamento de campanhas eleitorais e partidos políticos por empresas privadas, e estabeleça o financiamento público. Uma reforma que possibilite a participação dos cidadãos e cidadãs no processo de tomada de decisões sobre a política econômica; sobre todo e qualquer projeto que tenha forte impacto social e ambiental; sobre a privatização de empresas estatais e de serviços públicos. Uma reforma que contemple também a democratização do Poder Judiciário, pois ele é, hoje, o menos controlado dos três poderes.  Só assim poderemos dizer que caminhamos para uma democracia política, econômica, social e cultural, num diálogo efetivo entre membros da sociedade política e da sociedade civil, que signifique governo do povo, pelo povo, para o povo.

2.  REFORÇAR UM MODELO ECONÔMICO MAIS SOCIAL E POPULAR
Repensar criteriosamente a privatização de serviços públicos e de nossas riquezas naturais (entre as quais o petróleo). Orientar um modelo econômico centrado nas pessoas, na realização de seus direitos e numa relação harmoniosa com a natureza, no "bem viver", como condição para enfrentar a grave crise ecológica na qual estamos imersos. Deve ficar claro para todos, assim o desejamos, que o governo Dilma governa todo o País, mas privilegiando os pobres e aqueles que não são capazes se manter por sua própria conta.

3. REALIZAR UMA AUDITORIA DA DÍVIDA PÚBLICA
Auditoria da dícida externa e interna, conforme exigência de nossa Constituição (Constituição Federal, Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, art. 26, 1988).
Precisamos saber a quem deve e quanto deve realmente o Brasil, e de que forma foi feita esta dívida. A única auditoria que o Brasil fez, em 1931, constatou que 60% da dívida eram irregular, legalmente inexistentes. Em 2000, tivemos um Plebiscito Popular sobre a Dívida Externa, do qual participaram 6 milhões de pessoas, e 95% votaram pela realização da auditoria da dívida. O Equador realizou uma auditoria da dívida pública em 2009, e descobriu que 70% da dívida eram irregulares. A partir de então, passou a pagar apenas 30%, o restante foi investido em saúde e educação.
4.  REAVALIAR OS MEGAPROJETOS À LUZ DE CRITÉRIOS ECOLÓGICO-AMBIENTAIS E SOCIAIS
Para que não ameacem o meio ambiente e o habitat de povos indígenas, quilombolas e populações ribeirinhas. Investir nas energias renováveis, especialmente na energia solar, visto que somos um dos países mais ensolarados do mundo. Estabelecer uma estratégia para o gradual fim da utilização de fontes de energia prejudiciais ao meio ambiente e perigosas à vida, como a energia nuclear e as termelétricas.
5. PROTEGER O MEIO AMBIENTE
Há anos, cientistas, movimentos sociais, entidades ambientalistas e muitas ONGs vêm advertindo para os sérios problemas climáticos que o Brasil teria se mantiver o tipo de desenvolvimento predatório implementado até agora. O que era uma previsão está ocorrendo diante de nós: a crise mais séria de falta de água de que já ouvimos falar, com riscos evidentes para a população, e a ocorrência de chuvas torrenciais, verdadeiras tempestades, em diferentes lugares do País, que causam destruição e mortes.
A desconsideração para com a Amazônia e o Cerrado, com a continuidade do desmatamento - mesmo que o ritmo do desmatamento tenha diminuído -, é o principal fator para as chuvas desmedidas no Norte e a seca no Sudeste. O Brasil precisa assumir a meta do "desmatamento zero".
A falta d’água é fruto de vários fatores, entre os quais a desatenção para com as condições de vitalidade dos nossos rios, a realização de megaprojetos, a destruição das matas ciliares, a poluição das águas e a ausência de infraestrutura sanitária e tratamento de esgotos. O Brasil tem uma situação privilegiada no mundo: 13,8% da água doce estão aqui. O maior aquífero, o Alter do Chão, se encontra em nosso País. E, no entanto, vários de nossos rios estão secando, e começa a faltar água em muitos lugares. A segunda maior reserva subterrânea de água doce do mundo, o aquífero Guarani, vem sendo contaminado pela infiltração de agrotóxicos.
Vemos como urgente uma política que privilegie uma mudança da nossa matriz energética em direção a energias mais limpas (solar e eólica), com menor impacto ambiental (grandes hidrelétricas) ou agravamento da contaminação ambiental e do aquecimento global (térmicas a carvão, petróleo e gás).
6. DEFENDER OS DIREITOS DE POVOS INDÍGENAS E QUILOMBOLAS
Os primeiros habitantes desta terra foram os povos indígenas. Quando os portugueses aqui chegaram, calcula-se que havia cerca de cinco milhões, repartidos em mais de 600 povos, com suas diferentes culturas e línguas. A colonização provocou um verdadeiro genocídio: povos inteiros desapareceram, restando, hoje, menos de um milhão e pessoas. Muitos deles não têm mais terra onde morar - eles que eram os donos milenares destas terras - e estão sendo dizimados, como é o caso dos Guarani-Kaiowá. Outros estão perdendo suas terras e, sobretudo, seus rios, para megaprojetos, para o agronegócio, para mineradoras. O mesmo acontece com comunidades quilombolas.
É urgente garantir os direitos constitucionais desses povos, restabelecer suas condições de vida, fazendo florescer toda a riqueza de sermos um País pluriétnico, pluricultural e plurilinguístico, se é que queremos chamar a nossa sociedade de civilização: uma civilização que não faz respeitar os direitos humanos não tem direito a este nome.
7.  REALIZAR A REFORMA AGRÁRIA
Esta é uma reivindicação dos trabalhadores rurais que data da primeira metade do século XX, e que foi um dos motivos para o golpe militar de 1964. A ditadura impediu a reforma agrária, mas os governos posteriores também não a realizaram.  É uma reforma estrutural necessária para acabar com a concentração da propriedade da terra - onde 1% dos proprietários detém quase metade da terra - para democratizar o seu acesso, fazendo com que a terra se destine a quem nela queira trabalhar e produzir alimentos para a população. E garantir condições favoráveis para as pessoas poderem se manter no campo.
8.  PROMOVER A REFORMA URBANA
Para democratizar o direito à cidade. Que as cidades sejam feitas para as pessoas e não para os automóveis; investir no transporte público de qualidade, priorizar o uso dos trilhos (metrô, trens), reduzir o tempo de deslocamento entre casa e trabalho. No que diz respeito à habitação, conter a especulação imobiliária e garantir que todos tenham condições de morar dignamente, com pleno acesso aos serviços públicos.
9. RESTRINGIR TRANSGÊNICOS E AGROTÓXICOS
Até há alguns anos, havia dúvidas sobre se os transgênicos faziam mal à saúde. Este ano, um manifesto de 815 cientistas de todo o mundo alertou os governos de que os transgênicos representam um perigo e que se deveriam estabelecer uma moratória de cinco anos sem transgênicos, até que pesquisas independentes comprovem que fazem bem ao ser humano. É urgente uma política para reduzir, controlar e acabar com este tipo de plantio que está prejudicando a geração atual, mas prejudicará, ainda mais, as gerações futuras. E pior que isso, permite o controle de nossa agricultura por grandes multinacionais desta área, cujo único interesse são os lucros cada vez maiores, pondo em risco nossa soberania alimentar.
O mesmo se pode dizer sobre o uso de agrotóxicos: nós somos o maior consumidor de agrotóxicos em nível mundial. Nos países desenvolvidos, vários dos agrotóxicos que aqui ainda são usados foram proibidos há mais de 20 anos. Como chamou nossa atenção o cineasta Sílvio Tendler, "o veneno está na mesa". É absolutamente fundamental estabelecer uma política de estrito controle sobre as substâncias que entram nos nossos alimentos, e reduzir sistematicamente o seu uso.
10.  REFORMA TRIBUTÁRIA
Reformar o nosso sistema tributário para que ele seja progressivo, isto é, para que pague mais quem ganha mais, e pague menos (ou nada) quem ganha menos, o que implica que o imposto sobre a renda tenha mais peso que o imposto sobre o consumo.  Introduzir o imposto sobre as grandes fortunas, de modo a reduzir a enorme desigualdade social que caracteriza nosso País. Aumentar o imposto sobre a propriedade territorial rural, para acabar com o privilégio dos latifundiários. Introduzir a taxação sobre o capital financeiro (bancos e investimentos): "taxa sobre transações financeiras" (a famosa Taxa Tobin). Esta reforma é fundamental para reverter o atual sistema tributário, gerador de desigualdade.
12.  POLÍTICA DE SEGURANÇA PÚBLICA
Precisamos, urgentemente, de uma nova política de segurança pública e de reforma de nosso sistema prisional, para que se torne regenerativo e não apenas punitivo. Estão encarcerados/as, hoje, no Brasil, cerca de 550 mil presos/as. A maior parte destes/as se encontram ali por crimes contra o patrimônio ou por tráfico de drogas, não por crimes letais. No Brasil, ocorrem cerca de 50 mil homicídios dolosos por ano. A maioria das vítimas é jovem, pobre, negra, e do sexo masculino. Este genocídio precisa acabar, e temos meios para isso. Que a segurança pública seja exercida para proteger a vida e os direitos dos cidadãos, e não apenas a propriedade.
13.  DEMOCRATIZAR OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO
É necessária uma legislação que torne a liberdade de informação e de expressão uma realidade para todos os brasileiros (e não apenas para a elite que controla a grande mídia), e que abra o espectro da comunicação, quebrando o atual oligopólio, que favorece unicamente a um pequeno grupo de grandes proprietários, em detrimento dos direitos da maioria.
14. UNIVERSALIZAR OS DIREITOS HUMANOS
Universalizar os direitos humanos, políticos, civis, econômicos, sociais, culturais e ambientais, com respeito à diversidade. Garantir um sistema de saúde pública de qualidade, assim como de educação, transporte, saneamento básico. Que se combata, com todo o rigor, a violência policial, o emprego da tortura contra presos comuns e a situação degradante dos presídios superlotados.
15.  VALORIZAR O TRABALHADOR E A TRABALHADORA
Garantir trabalho para todos/as. Trabalho digno e não precarizado. Redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, sem redução dos salários, como repartição dos abusivos ganhos de produtividade do capital. Reaparelhamento do aparato fiscalizador do Ministério do Trabalho. Combate à terceirização.
16. O CONTROLE SOCIAL DA GESTÃO PÚBLICA
Para garantir um serviço público voltado para os interesses dos cidadãos. É fundamental que estes possam exercer o controle da atividade parlamentar, assim como o controle dos governos (municipais, estaduais, federal). Reapresentar o projeto de Participação Social. Criar Observatórios de Controle Social (OCS) em todos os municípios brasileiros, formados por representantes da sociedade civil.
17.  A ÉTICA NA POLÍTICA E DA POLÍTICA
O comportamento ético é essencial para a vida do cidadão e, especialmente, para aquele/a que pretende se dedicar ao serviço da sociedade, do bem comum, ao serviço público. Nenhuma política baseada na corrupção levará a uma sociedade justa, democrática, solidária e equitativa. Uma outra política é possível, com punições exemplares e reforma de nossas instituições, de modo a coibir a impunidade.
Aproveitamos para afirmar que nos empenharemos em colaborar, através dos meios de que dispomos, para que essas sugestões se tornem possíveis e façam avançar o projeto de sociedade que todos almejamos. Desejamos sucesso em sua nova gestão, invocamos sobre a Senhora a lucidez e coragem do Espírito Criador e, sobre seu governo, todas as bênçãos divinas de luz, paz e amor solidário.
Seus irmãos e irmãs do Grupo Emaús,

AFONSO MURAD, ALESSANDRO MOLON, ANDRÉA RODRIGUES MARQUES GUIMARÃES,
ANTONIO CECCHIN, BENEDITO FERRARO, CARLOS MESTERS, CLÁUDIO DE OLIVEIRA RIBEIRO,
EDSON FERNANDO DE ALMEIDA, EDWARD NEVES MONTEIRO DE BARROS GUIMARÃES,
EKKE BINGEMER, FRANCISCO DE AQUINO PAULINO JUNIOR, FREI BETTO, FREI SINIVALDO SILVA TAVARES, JETHER RAMALHO, JOSE OSCAR BEOZZO, LEONARDO BOFF, LÚCIA RIBEIRO, LUCILIA RAMALHO, LUIZ ALBERTO GÓMEZ DE SOUZA, LUIZ CARLOS SUSIN, LUIZ EDUARDO W. WANDERLEY, MAGALI CUNHA, MANFREDO ARAÚJO DE OLIVEIRA, MARCELO BARROS, MARCIA MARIA MONTEIRO DE MIRANDA,  MARIANGELA BELFIORE WANDERLEY, MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER, MARIA HELENA ARROCHELLAS, MARIA TEREZA BUSTAMANTE TEIXEIRA,
MARIA TEREZA SARTORIO, OLINTO PEGORARO, ROSEMARY FERNANDES DA COSTA, ROSILENY SCHWANTES, TEREZA MARIA POMPEIA CAVALCANTI 

PRIMEIRO DOMINGO DO ADVENTO (ANO B – 30.11.2014)

A segunda metade da noite já é o começo da aurora...

Estamos iniciando um novo tempo litúrgico, marcado pela expectativa, pela vigilância e pelo serviço. Somos convidados a compreender vitalmente o núcleo central da esperança do povo de Israel e das comunidades cristãs. Serão quatro semanas para reviver os milênios de expectativa messiânica do povo de Israel e os nove meses de espera da Sagrada Família. Será um tempo para convergir nossos esforços no reconhecimento e na acolhida daquele que vem na fragilidade humana, nas brechas da história. Será um tempo propício para acariciar nossas mais belas e profundas utopias.
O convite de Jesus à vigilância se situa no contexto da crise e relativização dos poderes considerados absolutos e do advento do humano (ou da vinda do Filho do Homem). Ele usa uma linguagem apocalíptica, dizendo que as estrelas caem, os poderes são abalados e as estruturas basilares da ordem social e política sofrem um eclipse. Como as folhas novas da figueira indicam a chegada dos frutos, esses sinais históricos anunciam que uma nova ordem social e uma nova humanidade estão batendo às nossas portas. Tudo o que é histórico é transitório, só a Palavra viva de Deus permanece.
Mas, para os discípulos do tempo de Marcos, a questão crucial era como chegaria e se consolidaria o humano desejado e a ordem justa esperada. Jesus ressalta que o Reino de Deus e o ser humano renovado vêm de baixo, lançam raízes na família humana, que experimenta a noite escura da fragilidade e da injustiça. Ou, dizendo de outro modo, a nova humanidade vem de cima, do alto da cruz, da doação generosa e solidária de nós mesmos e de tudo o que possuímos em favor da vida dos últimos. A Palavra que não passa é aquela que Jesus pronunciou silenciosamente no alto da cruz!
“O que eu digo a vocês, digo a todos: fiquem vigiando!” Nesse pedido, Jesus antecipa o que dirá pouco mais adiante, no Getsêmani: “Minha alma está numa tristeza de morte. Fiquem aqui e vigiem” (Mc 14,34). Essa vigília deveria se estender em quatro momentos sucessivos: a prisão, a negação, a espera e o amanhacer. Mas os discípulos não conseguiram vigiar nem uma hora, e dormiram. Eles não conseguiram assimilar o getsêmani da história, a vulnerabilidade de Deus. A vigilância se fez disfícil porque os discípulos não sabiam o momento e o modo da manifestação do reino de Deus.
O problema se agrava porque hoje muitos cristãos não alimentam mais qualquer espécie de esperança. Não esperam o advento do humano. Não crêem na possibilidade de um mundo outro. Não querem ser perturbados no sono tranquilo e indiferente à sorte dos irmãos e da natureza. E há cristãos que mantêm a esperança, mas continuam confiando nos meios potentes. Não conseguem conceber uma Igreja dos pobres e pelos pobres. Preocupam-se mais com rúbricas litúrgicas que com a justiça e a misericórdia. Preferem dormir sob a proteção dos impérios que transformá-los com a força da fé.
Por isso, precisamos permanecer vigilantes, e não só no Advento! A vigilância é hoje escassa e urgente. E deve ser permanente. O mundo é um grande getsêmani, e nós somos convocados a uma insônia histórica, a manter os olhos abertos e a inteligência lúcida para discernir os sinais de advento do humano. Precisamos cultivar a generosidade que gera o Homem Novo e a Nova Sociedade, permanecer vigilantes para acolher o que está sendo gerado, inclusive fora do ventre da Igreja. Esperar que Deus se revele ao mundo e no mundo, que seja gerada e se manifeste uma Nova Ordem humana e social.
Paulo nos lembra que o próprio Deus é avalista desta esperança, que Aquele que nos chamou é fiel. Sua graça é experiência já no presente: em Jesus fomos enriquecidos na Palavra e no conhecimento. Nele recebemos tudo, e nada de essencial nos falta. Nele já recebemos todas as riquezas que poderíamos desejar. Ele nos fortalecerá até o fim. É claro que é preciso acolher essa riqueza como herança, fazê-la frutificar. Mas temos motivos para confiar, sem nos inquietar, pois “é ele também que vos dará perseverança em vosso procedimento irrepreensível, até o dia de Nosso Senhor, Jesus Cristo”.
Deus pai e mãe, ventre e pátria de todas as criaturas, sonho e promessa dos inconformados e inquietos! Tu sempre vens, e teu movimento é de descida. Ouvido algum escutou, olho nenhum viu um Deus igual a ti. Vens ao encontro de quem pratica a Justiça, e pouco te interessam ritos e cânticos. Em Jesus, vens a nós como agricultor e videira, como pastor e cordeiro, como salvador e irmão, como paz e justiça. Caminha conosco e guia-nos nas estradas do serviço solidário! Desperta nossa  nossa fé anestesiada por práticas  que pouco têm a ver contigo. Salva-nos das trevas, da escravidão! Amém! Assim seja!

Itacir Brassiani msf
(Isaías 63,16-19.64,2-7 * Salmo 79 (80) * Primeira Carta aos Coríntios 1,3-9 * Marcos 13,33-37)

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

O momento politico brasileiro

Oposição de palanque

No Brasil, atualmente, não temos oposição política séria. O que temos é umaoposição de palanque que não faz política no sentido verdadeiro da expressão, mas apenas barulho, correndo atrás de “escândalos”, como urubu atrás de carniça. Uma oposição sedenta de exibicionismo e dos holofotes da mídia, fazendo puro sensacionalismo.

Oposição séria faz política, entendida como busca do bem comum, dos cidadãos e das cidadãs de uma nação. Já na Grécia antiga a política (politichè) era a arte de cuidar bem dos interesses da polis, ou seja, da cidade, o que significava cuidar bem do bem das pessoas que compunham as cidades-estados gregas. Neste sentido o conceito de política cultivado pelos gregos se aproxima bastante da visão romana, que falava da “res publica” (origem da palavra “república), isto é, da “coisa pública”, daquilo que é do interesse de todas as pessoas. Salvaguardadas as devidas proporções, pois sabemos o que gregos e romanos aprontaram, é possível afirmar que, tendo presente a origem da política e da república, ser político ou fazer política é um direito e um dever de todo cidadão ou cidadã. Fazer política é engajar-se e comprometer-se com projetos sérios, críveis e factíveis, em favor de todas as pessoas. Não é subir em palanques e tribunas para falar bonito, especialmente para criar sensacionalismo e pretender, com isso, angariar votos para si mesmo ou para o próprio partido.

No Brasil, atualmente e com as devidas exceções, faz-se oposição por oposição. Ser oposição é sinônimo de atuação para aniquilar o partido adversário, independentemente de saber se isso vai contribuir ou não para o bem das cidadãs e dos cidadãos. Fazer oposição, especialmente para os partidos que representam as elites brasileiras e seus interesses, é colocar-se contra de qualquer jeito, de modo a criar sérios entraves para o partido (ou partidos) que está no poder. Os interesses da nação, do povo, ficam em segundo plano ou até mesmo não são considerados.

A situação é ainda muito mais grave ao percebermos que os que atualmente fazem oposição política são quase todos pessoas sem credibilidade. Também os partidos de oposição, com raríssimas exceções, são partidos desacreditados. Quem, no Brasil, está na oposição política? Em primeiro lugar estão políticos e partidos que representam não o povo, e seus interesses, mas a elite brasileira. São políticos e partidos que simbolizam o que há de mais nojento na política brasileira. O PSDB, por exemplo, tenta fugir do rótulo de partido conservador e atrasado, mas, nas últimas eleições, com a candidatura de Aécio Neves, atraiu os eleitores mais retrógados, preconceituosos, e discriminadores. Ficou visível a identificação desses últimos com o partido. E, em nenhum momento da campanha, o PSDB se manifestou de maneira clara e decisiva contra determinados comportamentos e atitudes, como, por exemplo, o preconceito contra os nordestinos. As manifestações eram lacônicas e ambíguas, visando explicitamente não espantar os eleitores ultraconservadores e de direita. Nas aparências o PSDB se apresenta como partido social e democrático, mas, na prática, comporta-se como truculento e viciado, a ponto de atrair certos tipos de eleitores.

Na oposição estão também todos os partidos que se intitulam “de esquerda”. Mas, além de divididos e com um discurso ultrapassado, seguem a mesma lógica da oposição por oposição. Recusam-se a participar do jogo democrático e terminam por não ter uma incidência significativa sobre a “res publica”. Falta a esses partidos muita dose de realismo e de capacidade para entender que política não é o mesmo que angelismo e que não existem decisões totalmente puras e isentas de ambiguidades. Participar implica, pois, aceitar a negociação e o diálogo, visando antes de tudo a democracia e o bem do povo. Muitas vezes é preferível ceder do que ser intransigente, puritano e, com isso, deixar de contribuir mais significativamente.

Convém recordar aqui um elemento da Psicologia: como em outra situações também na política os semelhantes se atraem. A sabedoria popular rural já nos ensina isso a bastante tempo, quando afirma que “a vaca pintada sempre procura uma camarada”. Assim sendo, os atuais oposicionistas e seus partidos atraem os seus semelhantes. Se a oposição é uma oposição puramente de palanque, acreditando que estamos sempre em época de eleições, é claro que os seus simpatizantes vão ser pessoas do mesmo estilo. Pessoas que confundem política com politicagem, com jogo sujo, com “o quanto pior, melhor”.

O que acabo de dizer ficou bem visível no retorno teatral de Aécio Neves ao Senado, após ser derrotado nas eleições presidenciais. Seu retorno foi marcado pelo tom rancoroso, arrogante, espalhafatoso, de candidato derrotado e fracassado que não aceitou as regras da democracia representativa, achando que a diferença de mais de três milhões de votos é uma bobagem. Ao prometer, em suas encenações teatrais (naquilo que Mino Carta chamou de “ópera bufa”), que faria oposição sistemática a Dilma e ao PT, Aécio, porta-voz do PSDB, de seus aliados e de seus simpatizantes da direita ultraconservadora, declarou explicitamente que ele e os que ele representa não se importam com a “res publica”.

Ficou bem explícito na “ópera bufa” de Aécio Neves que a mentalidade da casa-grande ainda prevalece no âmbito das elites brasileiras, que continuam tratando os demais brasileiros como meros habitantes de uma senzala. Quem se opôs a tal visão no passado foi chamado de comunista. Agora, a moda é acusar de serem “bolivarianos” aqueles que resistem em aceitar o jogo sujo dessas elites. Hoje – diz Mino Carta (Carta Capital, 12/11/14, p. 20), a palavra mofada – comunismo – é substituída por “bolivariano”.

E o pior de tudo – continua Mino Carta – é que, entre aqueles que enxergam “bolivarianos de tocaia” por toda parte, estão pretensos intelectuais, artistas, jornalistas e até magistrados. “O besteirol anda solto a serviço do mofado elitismo golpista e exibe o atraso cultural do País”, diz enfaticamente Mino (ibidem). É como se voltássemos a crer que comunistas devoram criancinhas. Isso tudo poderia ser uma piada se não fosse tão trágico. Poderia se admitir isso de algumas pessoas, mas não de quem frequenta universidades, ocupa suas cátedras ou dos que se autoproclamam “formadores de opinião pública”.

A quase totalidade da oposição é formada de hipócritas e ama cultivar a hipocrisia. É incapaz de olhar para trás e de ver o estrago que já causou ao país no passado. Faz discurso demagógico, mas “na prática a teoria é outra”. Ainda pensa que somos todos idiotas. Tudo isso, e mais outras coisas, coloca necessariamente a oposição na cesta do conservadorismo e da direita. Uma oposição barulhenta, formada por senhores e poucas madames que ainda tratam o Brasil como uma senzala fustigada pela casa-grande. Como no passado, ficam furiosos e querem fustigar os que não aceitam mais ficar na senzala, a serviço desses senhores das elites. A reação histérica de alguns representantes dessas elites à legítima e democrática eleição de Dilma Rousseff revelou claramente essa mentalidade escravocrata, coronelista e golpista que afeta a maioria da oposição e dos que a ela se aliam. Não há como não dar razão a José Saramago, o qual, numa entrevista a um jornal, em 25/10/1995, fez a seguinte afirmação: “Estamos cada vez mais cegos, porque cada vez menos queremos ver. Todos nós somos cegos da Razão”.


José Lisboa Moreira de Oliveira

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Reflexões do Pe. Ceolin

Diferentes projetos de Vida

Ao que parece, este texto é a última meditação de um retiro orientado pelo Pe. Ceolin, provavelmente no finalzinho da década de 1990 ou início da década 2000. Tenho a satisfação de disponibilizá-lo no aniversário de ordenação do nosso saudoso coirmão (25.11.1956).
Nestes dias de graça aqui vividos, cada um de nós certamente ouviu apelos interiores, sentiu moções do Espírito, escutou a voz do Mestre. Meditando, refletindo, orando e contemplando, fomos elaborando em nosso íntimo alguns compromissos vitais de cunho pessoal, dispondo-nos a segui-los a qualquer custo durante a vida.
Antes de registrá-los em definitivo no nosso Diário de Crescimento, busquemos luzes na carta aos Gálatas, a quem o Apóstolo Paulo exorta e aconselha – mas ele pensa também em nós! – que vivam segundo o Espírito (cf. Gal 5,13-6,10), contrapondo este modo de viver à vida segundo a carne. Para entender esta questão, valemo-nos do livro Vida segundo o Espírito, de Leonardo Boff.
A vida segundo a Carne
O projeto de vida segundo a carne e seus imperativos consiste, em primeiro lugar, em pautar e organizar a vida segundo os cânones do mundo. E isso significa ganância de acumular, usando os talentos e o saber em vista de ter; e usando ambos em vista do poder, da fama, do prestígio da auto-idolatração. Em decorrência natural de tal modo de viver advêm os ódios, as discórdias, os ciúmes, as invejas, as divisões, as guerras, o roubo, as trapaças, a corrupção, a exploração, etc. (cf. Gal 5,16-21).
Em segundo lugar, este projeto de vida significa uma vida planejada em função de si mesmo: gozo egoístico dos bens; fazer-se senhor das coisas e do mundo; relações de desfrute egoísta e subserviência quase cega às paixões frente às pessoas. É disso que decorrem as impurezas, as orgias, a devassidão, toda sorte de intemperanças, a libertinagem, que é a apropriação e a instrumentalização do semelhante. Este modo de viver revela uma pessoa fechada sobre si mesma, entrópica. Sua vida é in-vertida (vive para si). Nem vida é, é morte!
A vida segundo o Espírito
A vida segundo o Espírito consiste em centrar a vida em Deus; em viver Jesus Cristo, particularmente o Evangelho, as bem-aventuranças; em buscar e viver a vontade de Deus. Consiste no humilde e gratuito servir, vivendo para o outro e para o Reino.
Esta forma de viver caracteriza-se pela vivência do amor, da alegria, da paz, da paciência, da bondade, da benevolência, da fé, da mansidão, do domínio de si (cf. Gal 5,22). É disso que nascem a solidariedade, a partilha, a gratuidade, a doação de si, a fraternidade, a disponibilidade, a justiça, o diálogo, etc.
Passando da idéia à prática
Seria importante e mesmo necessário desdobrar tudo isso, aplicando-o à vida consagrada, à vivência dos votos, à vida comunitária, à vida missionária, ao carisma congregacional, à nossa espiritualidade, à formação inicial e permanente em todas as suas dimensões, etc.
Perguntemo-nos: Quando não se vive segundo o Espírito é possível salvar-se? Implantar o Reino de Deus e a nova sociedade? Chamar de ação pastoral nossas atividades apostólicas? Optar pelos pobres e excluídos? Realizar uma verdadeira inserção? Viver fraternalmente, partilhando solidariamente vida e bens?
Sem viver segundo o Espírito é possível ser família, consolidando o amor matrimonial? Ser amigo de verdade, ter amizades vitalizadoras e libertadoras? Construir autênticas comunidades eclesiais de base e trabalhar em equipe? Exercer a liderança democraticamente? Viver a “política da boa vizinhança” entre paróquias próximas, entre movimentos e grupos, entre pastoralistas e formadores, entre formandos e orientadores? É possível suportar avaliações, acolher bem o sucessor? Enfim, é possível ser discípulo de Jesus?

Pe. Rodolpho Ceolin msf

Vivendo o Advento (1)

Advento: um tempo de abertura, de súplica e de espera.
Uma procissão em Nazaré, Galiléia
Advento significa literalmente "o dia da vinda", e tem origem na antiga liturgia pública romana. Esta liturgia era celebrada na cidade de Roma, preparando o dia em que uma divindade se manifestaria no templo a ela dedicado para visitar seus fiéis no culto. O templo dedicado à divindade abria as portas, uma vez ao ano, no dia determinado para sua visita. A mesma expressão era usada também no âmbito político, e indicava o dia em que um novo imperador assumia o poder.
Assim, a palavra Advento tinha originalmente um sentido tanto religioso quanto político. As comunidades cristãs adotaram esta palavra para indicar o tempo litúrgico que prepara ao Natal, o nascimento de Jesus, a visita do Emmanuel, o Deus conosco. Advento, evento, espera, vinda, são palavras que expressam a tensão ansiosa, a expectativa, a abertura para acolher uma pessoa, uma proposta, um projeto, uma boa notícia.
Maran atha é uma antiga fórmula aramaica que ressoava nas liturgias das primeiras comunidades cristãs (cf. 1Cor 16,22; Fl 4,5; Tg 5,8; Ap 22,20). Pode ser traduzida como "O Senhor vem!" Esta invocação expressava a certeza da sua vinda, alimentava a esperança e sustentava no caminho. Mas quando e como Jesus virá? Como  reconhecer a sua presença na comunidade? Estas interrogações chegam até nós hoje, e entrevemos uma resposta na espiritualidade do tempo litúrgico que chamamos Advento.
O calendário litúrgico de cada acolhe, no mês de dezembro, a tradição do Advento, de um tempo de preparação e espera do Natal. Este calendário compete com o calendário comercial, que, aliás, começa bem antes, com suas luzes brilhantes, suas promoções que se apresentam como boas notícias. Como no tempo do império romano, o sentido político e religioso se mesclam e articulam como suporte ao sistema de dominação. O consumismo e a fé se articulam para anestesiar as consciências com a falsa ilusão de um bem-estar individual e de uma religiosidade superficial.
Proclamando como um refrão a invocação "Maran atha", as primeiras comunidades cristãs souberam encontrar um caminho para celebrar o mistério do Deus que vem ao encontro da humanidade, o mistério da presença do Reino de Deus em Jesus de Nazaré. Que a invocação Maran atha possa ser neste tempo de Advento a nossa prece mais insistente, repetida como um mantra que nos ajuda a penetrar o mistério de um Deus que assume a nossa humanidade para nos visitar; para penetrar o mistério da semente do Reino presente nas pequenas coisas do cotidiano, presente nas pessoas pobres e humildes.
Seja Maran atha" a invocação que oriente nosso olhar na pessoa de Jesus de Nazaré, Emanuel, Deus conosco. Em busca de Jesus de Nazaré, caminhemos com as três grandes figuras bíblicas do Advento: o profeta Isaías, o precursor João Batista, a mãe Maria. As comunidades cristãs relêm as profecias de Isaías para compreender o mistério de Deus revelado em Jesus de Nazaré. João Batista, como novo Elias, vem de novo preparar o caminho, abrir-nos à ação de Deus e preparar-nos acolher seu filho Jesus. Maria, a mãe, nos recorda que sem gravidez não há nascimento.
Vamos a Nazaré para nos encontrar com Maria, José e a comunidade expectante da humilde sinagoga.
O que importa é abrir portas, trilhar caminhos, esperar apressando a hora que não nos permite esperar.
Se, ao invés de um Deus onipresente, encontrarmos apenas o vazio fecundo de uma busca e de uma espera,
não pensemos ter errado o caminho!
Deus-Conosco é esperança nos sonhadores, é promessa nos profetas,
não se apresenta nos palácios e nas passeatas dos vitoriosos e saciados.
Ele é utopia que nos colaca a caminho e nos leva para além de nós mesmos e das nossas desilusões.
Coloquemo-nos a caminho!
Vamos à busca, sem incertezas nem medos, semeadores e semeadoras de esperança.

Texto publicado pelo CEBI, adaptado por Itacir Brassiani msf 

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Nota da CNBB sobre o momento politico no Brasil

Brasil pós-eleições: compromissos e desafios

Brasília, 19 de novembro de 2014
P. N. 0914/14
O Conselho Episcopal Pastoral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, reunido em Brasília nos dias 18 e 19 de novembro de 2014, saúda a nação brasileira pela democracia e cidadania vivenciadas nas eleições de outubro deste ano. Cumprimenta a todos que participaram do processo eleitoral e os eleitos. Recorda-lhes a responsabilidade colocada sobre seus ombros de não frustrar as expectativas de quem os elegeu e seu compromisso com a ética, a verdade e a transparência no exercício de seu mandato, bem como o dever de servir a todo o povo brasileiro.
A campanha eleitoral deste ano ratificou o processo democrático brasileiro no qual partidos, candidatos e eleitores puderam debater suas ideias e projetos. Tornou mais visíveis, no entanto, graves fragilidades de nosso sistema político: sua submissão ao poder econômico financiador das campanhas; o descompromisso de partidos e candidatos com programas, favorecendo debates com ataques pessoais; a prevalência da imagem dos candidatos produzida pelos marqueteiros; o desrespeito, em alguns casos, às leis que combatem a corrupção eleitoral.
Passadas as eleições, urge ao País recompor sua unidade no respeito às diferenças e à pluralidade, próprias da democracia. Nada justifica a disseminação de uma divisão ou de ódio que depõe contra a busca do bem comum, finalidade principal da Política. O bem de todos coloca a pessoa humana e sua dignidade acima de ideologias e partidos.
A construção do bem comum desafia, especialmente, os eleitos em outubro deste ano. A corrupção na Petrobras reforça a sensação de que é um mal que não tem fim. Vemos aqui, claramente, as consequências do financiamento de campanhas por empresas, porta e janela de entrada da corrupção. Nenhum país prospera com corrupção que, no caso do Brasil, lamentavelmente já vem de muitos anos e não se limita à Petrobras.
A reforma política é outra urgência inadiável. Convicta disso, a CNBB se empenhará ainda mais na coleta de assinaturas para o Projeto de Lei de Iniciativa Popular proposto pela Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas. À reforma política, entretanto, é necessário unir outras reformas igualmente urgentes, como a tributária e a agrária. O Brasil não pode mais conviver com tanta omissão em relação a estas e outras matérias que lhe são vitais.
“A política, tão desacreditada, é uma sublime vocação, é uma das formas mais preciosas da caridade, porque busca o bem comum” (Papa Francisco. Evangelii Gaudium, n.205). Nesse espírito, a CNBB reafirma que a sua participação na vida Política é tão importante quanto necessária para ajudar na construção de uma sociedade justa e fraterna.
Afinal, “ninguém pode exigir-nos que releguemos a religião para a intimidade secreta das pessoas, sem qualquer influência na vida social e nacional, sem nos preocupar com a saúde das instituições da sociedade civil, sem nos pronunciar sobre os acontecimentos que interessam aos cidadãos. Uma fé autêntica – que nunca é cômoda nem individualista – comporta sempre um profundo desejo de mudar o mundo, transmitir valores, deixar a terra um pouco melhor depois da nossa passagem por ela” (Papa Francisco. Evangelii Gaudium, n.183).
Nossa Senhora Aparecida abençoe o Brasil e os que foram eleitos a fim de que sejam fieis ao seu compromisso com o bem comum.


Cardeal Raymundo Damasceno Assis, Arcebispo de Aparecida, Presidente da CNBB
Dom José Belisário da Silva, OFM, Arcebispo de São Luís do Maranhão, Vice Presidente da CNBB
Dom Leonardo Ulrich Steiner, Bispo Auxiliar de Brasília, Secretário Geral da CNBB

FESTA DE CRISTO, REI DO UNIVERSO (ANO A – 23.11.2014)

O Rei do Universo é o solidário servidor dos necessitados.
“Ele me enviou… para anunciar uma boa nova aos pobres...” (inscrição na fachada de uma sinagoga em Nazaré)

Nosso ano litúrgico termina com a festa de Cristo, Rei do Universo. Essa festa foi instituída oficialmente em 1955, pelo Papa Pio XII, mas hoje temos consciência de que é preciso evitar toda forma de triunfalismo e, ao mesmo tempo, destacar o mistério de Jesus Cristo que, com sua paixão pelo povo e sua vida empenhada em favor dos marginalizados, venceu a opressão e a morte e inaugurou um Novo Tempo, regido pela paz, pela solidariedade e pela partilha. Nesta festa, o que deve sobressair não são nossos indiscretos desejos de superioridade e poder, mas a utopia do bom rei que, como o bom pastor, vela sobre seu povo e o governa na justiça e na paz.
Na primeira carta aos Coríntios, Paulo começa sublinhando que Jesus Cristo experimentou a morte solidária com todos os seres humanos para abrir a todos o caminho da ressurreição. Ele é o primeiro, como as primícias da colheita oferecidas no culto de gratidão a Deus. Nele todos viveremos! Sua verdadeira realeza consiste em destruir os poderes que oprimem a humanidade, os inimigos dos seres humanos, entre os quais o último e mais potente é a morte. Não apenas a morte que vem no final da vida, mas também a morte imposta como ameaça e como fato pelas instituições que oprimem. Esta vitória escatológica que realiza a realeza de Jesus Cristo tem como meta possibilitar que o amor e a vida que vem de Deus seja tudo em todos.
O parábola proclamada na festa de Cristo Rei faz parte dos ‘discursos escatológicos’ de Jesus. Esse gênero literário é um recurso para falar não propriamente daquilo que deve acontecer no fim do mundo, mas para apresentar aquilo que realmente vale enquanto dura nossa vida no mundo. Esse discurso de Jesus nos leva imaginariamente ao fim dos tempos para destacar o que realmente tem valor no percurso da história. É claro que, izendo que o Filho do Homem virá ‘na sua glória’ e se sentará em se ‘trono glorioso’, Lucas está comparando Jesus a um rei. A expressão ‘Senhor’ também tem o mesmo sentido, pois esse era o apelativo com que o povo se dirigia aos chefes, reis e imperadores.
Esta parábola também aproxima Jesus da imagem do juiz, e isso é compreensível numa cultura que atribuía ao rei as funções legislativas, executivas e judiciárias. “Todos os povos serão reunidos diante dele e ele separará uns dos outros, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos.” Nesta parábola, julgar significa discernir o verdadeiro valor das ações concretas das pessoas, separadas em dois grupos, a partir daquilo que fizeram e não dos títulos honoríficos ou das meras intenções. Mas é interessante perceber que, mesmo no papel de juiz, Jesus age como pastor.  Por isso, a festa de Cristo Rei vai de mãos dadas com a imagem do Bom Pastor, de Jesus servidor da humanidade.
Não podemos esquecer que os evangelhos nos mostram que Jesus decidiu sentar-se à mesa como conviva dos pecadores, e não como juiz na mesa de um tribunal. Sua vida comprova que ele foi ao encontro e assumiu a causa dos marginalizados. Ele não os esperou sentado na cadeira pretensamente neutra dos juízes. E, além de se apresentar como pastor, juiz e filho do homem, Jesus se identifica com o servo. João Batista o anuncia como ‘cordeiro de Deus’, como aquele que dá a vida em resgate por muitos. E no confronto com as autoridades do seu tempo e com as ambições de poder dos próprios discípulos, o próprio Jesus declara: “Eu estou no meio de vocês como quem está servindo” (Lc 22,27).
O mais importante, porém, está um pouco escondido na instigante parábola que ouvimos. Diante da pergunta sobre o momento e a forma concreta do nosso serviço a Jesus, ele responde: “Todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizeram...” Jesus é filho da humanidade, irmão dos homens e mulheres mais necessitados, mais concretamente: irmão daqueles que passam fome e sede, dos migrantes e doentes, dos pobres e presidiários. Um culto que queira ser agradável serviço a Deus não pode prescindir do amor solidário e libertador aos pobres, não pode passar ao largo das necessidades do próximo, pois estaria deixando de lado o próprio Cristo rei.
Deus pai e mãe, pastor do rebanho e protetor dos pequenos! Neste dia em que celebramos meio sem jeito teu Filho como Rei do Universo, te pedimos: purifica nossa liturgia e nossa mente e a das autoridades da Igreja de todo desejo de honra e de poder. Confirma-nos no lugar do servo, lugar que teu Filho ocupou e que não lhe será tirado. Fortalece os leigos e leigas que, de mil e uma maneiras, tornam efetivo o reinado de Jesus Cristo e transformam o mundo. E concede a todos nós a graça de te reconhecer, amar e servir atenta e delicadamente nos nossos irmãos e irmãs. Amém! Assim seja!

Pe. Itacir Brassiani msf
(Profeta Ezequiel 34,11-17 * Salmo 22 (23) * 1ª Carta aos Coríntios 15,20-28 * Mateus 25,31-46)