Bolsonaro: ícone do brutal machismo brasileiro
As
brasileiras e os brasileiros, que ainda não perderam a lucidez e o senso ético,
recentemente ficaram chocados e indignados com um pronunciamento do deputado
federal fluminense Jair Bolsonaro, o qual da tribuna da Câmara ofendeu uma
colega deputada, insinuando o desejo de estuprá-la, embora “ela não merecesse”.
Com isso o deputado, já conhecido pelo seu destempero, pela sua apologia a
ditaduras e a ditadores, pela sua falta de ética, pelo seu espírito fascista e
nazista, ofendeu todas as mulheres brasileiras e fez apologia ao crime de
estupro.
O
comportamento antiético, imoral e nazista do deputado Bolsonaro causou, como
disse antes, indignação entre aquelas pessoas sérias e éticas, embora não se
possa esperar outra coisa de alguém como ele. Porém, é preciso dizer com toda
sinceridade que o seu comportamento, típico de bandido, reflete nada mais e
nada menos que o machismo que caracteriza a maioria absoluta
dos homens do nosso país.
Os dados a
respeito da violência contra a mulher no Brasil, e que estão à nossa disposição
em muitos sites oficiais e sérios, são alarmantes. Cerca de 77% das mulheres
maltratadas afirmam terem sido violentadas ou agredidas semanalmente ou até
diariamente. A violência, geralmente, é praticada por homens a elas ligados:
parceiros, maridos, parentes e até filhos. Boa parte delas são assassinadas.
Entre 1980 e 2010 foram assassinadas 92 mil mulheres no Brasil, de modo que se
pode falar, sem medo de errar, de um verdadeiro feminicídio.
O machismo
do brasileiro se manifesta também de outras formas. Na atitude arrogante de
querer “tirar satisfação”, de “não levar desaforo para casa”, de humilhar os
outros, principalmente aqueles que dependem de nós, de não aceitar a perda ou a
derrota, como aconteceu recentemente com o senador Aécio Neves, que não queria
admitir a sua derrota para uma mulher.
Trata-se,
pois, de um elemento cultural. De norte a sul e de leste a oeste de
nosso país os homens, de um modo geral, são machistas. É claro que, quando
consultados, a quase totalidades deles têm um discurso liberal e se opõem à
violência contra a mulher. Mas, na prática, a teoria é outra. A maioria
absoluta deles enxergam a mulher apenas como objeto deles. A
mulher é objeto de cama e mesa e uma serviçal que deve realizar todas as
tarefas e todos os caprichos deles.
Existem,
inclusive, homens cujo discurso político parece revolucionário, mas na hora de
se relacionar com a mulher extravasam todo o seu machismo e a sua
agressividade. Para tais “revolucionários” a mulher deve ficar em casa
realizando tarefas domésticas, lavando roupas e pratos, limpando casa,
preparando para eles as refeições e cuidando dos filhos. Ao chegarem em casa,
querem encontrar tudo pronto e à disposição deles. Sentam-se majestosamente no
sofá de casa para tomar uma “cervejinha”, ver televisão, enquanto a mulher
prepara tudo para eles. São incapazes, por exemplo, de ajudar nas tarefas
domésticas, como preparar as refeições, trocar uma fralda, lavar os pratos ou
arrumar uma mesa.
Há, ainda, a
violência contra a mulher, praticada em nome de Deus e da religião. Muitos,
ingenuamente ou idiotamente, pensam que a violência religiosa contra a mulher
só existe nos países islâmicos. Isso é pura ignorância. O Centro Ecumênico de
Estudos Bíblicos (CEBI), que tem sede em São Leopoldo (RS), realizou
recentemente uma pesquisa, já publicada em forma de livro, sobre o assunto. E,
por incrível que pareça, a pesquisa constatou um número altíssimo de violências
praticadas contra a mulher com motivação meramente religiosa.
Homens de
diferentes Igrejas cristãs, fazendo uma leitura literal e fundamentalista de
certos textos da Bíblia, consideram normal a agressão à mulher que não quer ser
“submissa”. Para eles a Bíblia ensina que a mulher deve sujeitar-se ao homem e
aquelas que não se submetem deve ser punidas. É claro que, como disse antes,
trata-se de uma leitura enviesada e fundamentalista da Bíblia. Quem estuda
seriamente os textos sagrados do judaísmo e do cristianismo sabe que isso não é
verdade. Porém, o fato é real e, considerando que quase 90% dos brasileiros
declaram-se adeptos do cristianismo, pode-se deduzir que boa parte dos
agressores, senão a totalidade, é formada por homens cristãos. O que é grave e
muito sério para uma religião que tem como essência o amor ao próximo.
Lamentavelmente
boa parte das próprias mulheres introjetou esse machismo e chega a achar normal
a agressão praticada por homens. Pode parecer algo paradoxal. Mas é o que vemos
diariamente nos comportamento de muitas delas, aceitando passivamente a ação
dos homens e submetendo-se resignadamente aos que eles praticam. Vejo, por
exemplo, pouca ação e reação das mulheres diante do que a grande mídia e a
propaganda fazem com elas. Embora sejam maioria no país, as mulheres não votam
em mulheres. O próprio Bolsonaro deve ter sido eleito graças ao voto de muitas
mulheres. Após o seu pronunciamento infame, feito da tribuna da Câmara, ele foi
defendido publicamente por uma jornalista, já conhecida de todos nós por seus
comentários racistas, homofóbicos, machistas e preconceituosos. Eu mesmo tenho
tido dificuldades em minhas aulas universitárias para convencer as acadêmicas
acerca do machismo do brasileiro e da exploração à qual a mulher é submetida
diariamente nos programas televisivos e nas propagandas. Elas acham isso
normal!
Ora, se o
problema é cultural, só pode ser resolvido através de ações que mudem o
comportamento cultural. E a ação que resume todas as outras é a educação.
Mas, neste campo, os desafios são muitos, pois as instituições que podem e
devem fazer isso estão todas em crise. A família não consegue
mais dar orientações sérias aos filhos, e, com a presença de pais machistas,
isso é quase impossível. Os políticos, na sua grande parte
conservadores e machistas, se omitem e silenciam. Foi revoltante acompanhar os
nossos parlamentares por ocasião do pronunciamento de Bolsonaro. Excetuando-se
as parlamentares mulheres e alguns outros deputados e senadores, a omissão e o
silêncio foi total. E, diz o adágio popular, “quem cala, consente”.
Na grande
mídia, golpista por natureza, o silêncio foi amplo e total. Essa mídia que
vive atrás de escândalos, que vive obcecada por corrupção, não trouxe para a
pauta a corrupção escandalosa de Bolsonaro. Houve maior discussão apenas na
mídia pública e nas mídias alternativas. Nas escolas se
repercute a cultura machista, de modo que os meninos praticamente não recebem
nenhuma orientação sobre isso. Nas Igrejas certamente o clima deve ser o mesmo,
pois, salvas algumas poucas exceções, elas são machistas por vocação e, em
pleno século XXI, ainda excluem as mulheres das instâncias de poder e de
decisão.
Porém,
diante de tão grave escândalo, diante da atitude descabida, antiética e imoral
do deputado Bolsonaro, é hora de acordarmos, pois ele representa o
que há de mais infame, sujo e nojento nas sociedades e nas culturas
brasileiras. É hora de nos indignarmos e partirmos para ações concretas que
contribuam para uma educação séria e que ajudem a eliminar comportamentos
desvairados, desrespeitosos e desumanos como esse que presenciamos
recentemente. Não podemos permanecer indiferentes e alheios a atos dessa
natureza. Precisamos nos indignar, protestar e realizar pequenas ações que
quebrem a arrogância e a intolerância, a agressão, o machismo e a violência
contra as mulheres e contra todas as pessoas indefesas de nossa sociedade. Não
podemos mais esperar. Se insistirmos em esperar será tarde demais e num breve
espaço de tempo essa violência estará atingindo as nossas famílias e as nossas
pessoas. Aliás, Bolsonaro, ao agir de forma tão truculenta, já agrediu a todas
as mulheres brasileiras. Consequentemente, agrediu a todos nós.
É preciso,
como dizia Paulo Freire a mais de quarenta anos atrás, desmistificar a
realidade, ou seja, enxergar o que está acontecendo e agir, não ficando de
braços cruzados. É preciso contribuir para a educação das pessoas. “Uma das
grandes tarefas da educação libertadora é convidar as massas a tornarem-se
utópicas, isto é, denunciantes” (Paulo Freire). E denunciar não é apenas
apontar o que está acontecendo, mas construir um novo idealismo, ou
seja, propor um novo modo de ser e de agir para a humanidade, uma nova forma
de presença “que me convida a fazer a história que é minha,
que é a história dos homens” (Paulo Freire).
José Lisboa Moreira de Oliveira
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