sábado, 20 de dezembro de 2014

Bolsonaro, um escracho!

Bolsonaro: ícone do brutal machismo brasileiro
As brasileiras e os brasileiros, que ainda não perderam a lucidez e o senso ético, recentemente ficaram chocados e indignados com um pronunciamento do deputado federal fluminense Jair Bolsonaro, o qual da tribuna da Câmara ofendeu uma colega deputada, insinuando o desejo de estuprá-la, embora “ela não merecesse”. Com isso o deputado, já conhecido pelo seu destempero, pela sua apologia a ditaduras e a ditadores, pela sua falta de ética, pelo seu espírito fascista e nazista, ofendeu todas as mulheres brasileiras e fez apologia ao crime de estupro.
O comportamento antiético, imoral e nazista do deputado Bolsonaro causou, como disse antes, indignação entre aquelas pessoas sérias e éticas, embora não se possa esperar outra coisa de alguém como ele. Porém, é preciso dizer com toda sinceridade que o seu comportamento, típico de bandido, reflete nada mais e nada menos que o machismo que caracteriza a maioria absoluta dos homens do nosso país.
Os dados a respeito da violência contra a mulher no Brasil, e que estão à nossa disposição em muitos sites oficiais e sérios, são alarmantes. Cerca de 77% das mulheres maltratadas afirmam terem sido violentadas ou agredidas semanalmente ou até diariamente. A violência, geralmente, é praticada por homens a elas ligados: parceiros, maridos, parentes e até filhos. Boa parte delas são assassinadas. Entre 1980 e 2010 foram assassinadas 92 mil mulheres no Brasil, de modo que se pode falar, sem medo de errar, de um verdadeiro feminicídio.
O machismo do brasileiro se manifesta também de outras formas. Na atitude arrogante de querer “tirar satisfação”, de “não levar desaforo para casa”, de humilhar os outros, principalmente aqueles que dependem de nós, de não aceitar a perda ou a derrota, como aconteceu recentemente com o senador Aécio Neves, que não queria admitir a sua derrota para uma mulher.
Trata-se, pois, de um elemento cultural. De norte a sul e de leste a oeste de nosso país os homens, de um modo geral, são machistas. É claro que, quando consultados, a quase totalidades deles têm um discurso liberal e se opõem à violência contra a mulher. Mas, na prática, a teoria é outra. A maioria absoluta deles enxergam a mulher apenas como objeto deles. A mulher é objeto de cama e mesa e uma serviçal que deve realizar todas as tarefas e todos os caprichos deles.
Existem, inclusive, homens cujo discurso político parece revolucionário, mas na hora de se relacionar com a mulher extravasam todo o seu machismo e a sua agressividade. Para tais “revolucionários” a mulher deve ficar em casa realizando tarefas domésticas, lavando roupas e pratos, limpando casa, preparando para eles as refeições e cuidando dos filhos. Ao chegarem em casa, querem encontrar tudo pronto e à disposição deles. Sentam-se majestosamente no sofá de casa para tomar uma “cervejinha”, ver televisão, enquanto a mulher prepara tudo para eles. São incapazes, por exemplo, de ajudar nas tarefas domésticas, como preparar as refeições, trocar uma fralda, lavar os pratos ou arrumar uma mesa.

Há, ainda, a violência contra a mulher, praticada em nome de Deus e da religião. Muitos, ingenuamente ou idiotamente, pensam que a violência religiosa contra a mulher só existe nos países islâmicos. Isso é pura ignorância. O Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI), que tem sede em São Leopoldo (RS), realizou recentemente uma pesquisa, já publicada em forma de livro, sobre o assunto. E, por incrível que pareça, a pesquisa constatou um número altíssimo de violências praticadas contra a mulher com motivação meramente religiosa.
Homens de diferentes Igrejas cristãs, fazendo uma leitura literal e fundamentalista de certos textos da Bíblia, consideram normal a agressão à mulher que não quer ser “submissa”. Para eles a Bíblia ensina que a mulher deve sujeitar-se ao homem e aquelas que não se submetem deve ser punidas. É claro que, como disse antes, trata-se de uma leitura enviesada e fundamentalista da Bíblia. Quem estuda seriamente os textos sagrados do judaísmo e do cristianismo sabe que isso não é verdade. Porém, o fato é real e, considerando que quase 90% dos brasileiros declaram-se adeptos do cristianismo, pode-se deduzir que boa parte dos agressores, senão a totalidade, é formada por homens cristãos. O que é grave e muito sério para uma religião que tem como essência o amor ao próximo.
Lamentavelmente boa parte das próprias mulheres introjetou esse machismo e chega a achar normal a agressão praticada por homens. Pode parecer algo paradoxal. Mas é o que vemos diariamente nos comportamento de muitas delas, aceitando passivamente a ação dos homens e submetendo-se resignadamente aos que eles praticam. Vejo, por exemplo, pouca ação e reação das mulheres diante do que a grande mídia e a propaganda fazem com elas. Embora sejam maioria no país, as mulheres não votam em mulheres. O próprio Bolsonaro deve ter sido eleito graças ao voto de muitas mulheres. Após o seu pronunciamento infame, feito da tribuna da Câmara, ele foi defendido publicamente por uma jornalista, já conhecida de todos nós por seus comentários racistas, homofóbicos, machistas e preconceituosos. Eu mesmo tenho tido dificuldades em minhas aulas universitárias para convencer as acadêmicas acerca do machismo do brasileiro e da exploração à qual a mulher é submetida diariamente nos programas televisivos e nas propagandas. Elas acham isso normal!
Ora, se o problema é cultural, só pode ser resolvido através de ações que mudem o comportamento cultural. E a ação que resume todas as outras é a educação. Mas, neste campo, os desafios são muitos, pois as instituições que podem e devem fazer isso estão todas em crise. A família não consegue mais dar orientações sérias aos filhos, e, com a presença de pais machistas, isso é quase impossível. Os políticos, na sua grande parte conservadores e machistas, se omitem e silenciam. Foi revoltante acompanhar os nossos parlamentares por ocasião do pronunciamento de Bolsonaro. Excetuando-se as parlamentares mulheres e alguns outros deputados e senadores, a omissão e o silêncio foi total. E, diz o adágio popular, “quem cala, consente”.
Na grande mídia, golpista por natureza, o silêncio foi amplo e total. Essa mídia que vive atrás de escândalos, que vive obcecada por corrupção, não trouxe para a pauta a corrupção escandalosa de Bolsonaro. Houve maior discussão apenas na mídia pública e nas mídias alternativas. Nas escolas se repercute a cultura machista, de modo que os meninos praticamente não recebem nenhuma orientação sobre isso. Nas Igrejas certamente o clima deve ser o mesmo, pois, salvas algumas poucas exceções, elas são machistas por vocação e, em pleno século XXI, ainda excluem as mulheres das instâncias de poder e de decisão.
Porém, diante de tão grave escândalo, diante da atitude descabida, antiética e imoral do deputado Bolsonaro, é hora de acordarmos, pois ele representa o que há de mais infame, sujo e nojento nas sociedades e nas culturas brasileiras. É hora de nos indignarmos e partirmos para ações concretas que contribuam para uma educação séria e que ajudem a eliminar comportamentos desvairados, desrespeitosos e desumanos como esse que presenciamos recentemente. Não podemos permanecer indiferentes e alheios a atos dessa natureza. Precisamos nos indignar, protestar e realizar pequenas ações que quebrem a arrogância e a intolerância, a agressão, o machismo e a violência contra as mulheres e contra todas as pessoas indefesas de nossa sociedade. Não podemos mais esperar. Se insistirmos em esperar será tarde demais e num breve espaço de tempo essa violência estará atingindo as nossas famílias e as nossas pessoas. Aliás, Bolsonaro, ao agir de forma tão truculenta, já agrediu a todas as mulheres brasileiras. Consequentemente, agrediu a todos nós.
É preciso, como dizia Paulo Freire a mais de quarenta anos atrás, desmistificar a realidade, ou seja, enxergar o que está acontecendo e agir, não ficando de braços cruzados. É preciso contribuir para a educação das pessoas. “Uma das grandes tarefas da educação libertadora é convidar as massas a tornarem-se utópicas, isto é, denunciantes” (Paulo Freire). E denunciar não é apenas apontar o que está acontecendo, mas construir um novo idealismo, ou seja, propor um novo modo de ser e de agir para a humanidade, uma nova forma de presença “que me convida a fazer a história que é minha, que é a história dos homens” (Paulo Freire).

José Lisboa Moreira de Oliveira

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