segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Palavras de salvaçao (17)

“Minha alma glorifica o Senhor... O poderoso fez em mim grandes coisas!” O cântico profético e alegre de Maria na casa de Isabel é um convite a entrar nessa exultação, pois a misericórdia demonstrada em favor do seu povo e de Maria se estende de geração em geração. Muitos séculos antes da Menina de Nazaré, Ana, a mãe de Samuel, já o havia comprovado pessoalmente. Tendo atravessado um longo período de estirilidade física e humilhação social, e depois de se derramar em lágrimas no templo sob o olhar desconfiado e condenatório do sacerdote, ela se sente em condições de elevar a cabeça e desafiar seus rivais. E canta: “O arco dos fortes foi quebrado, mas os fracos se vestiram de vigor. Os saciados se empregaram por um pão, mas os pobres e famintos se saciaram. Muitas vezes deu a luz a que era estéril, mas a mãe de muitos filhos definhou. O Senhor ergue do pó o homem fraco, e do lixo ele retira o indigente, para fazê-los assentar-se com os nobres num lugar de muita honra e distinção” (1Sam 2). Partindo da condição feminina, humilhada numa sociedade patriarcal, ela anuncia uma profunda revolução social, cujo sinal é a afirmação concreta da dignidade dos pobres. Os acontecimentos e esperanças celebrados no Natal de Jesus estão longe de se resumirem a expectativas de consumo ou de “paz no coração”. O “velhinho rechonchudo” fica meio sem lugar. Não há como esperar e celebrar de forma cristã o nascimento de Jesus sem inseri-lo no teimoso e generoso sonho de uma revira-volta na história, de uma profunda transformação social, inclusive nas questões de gênero. E eu, sentado meditando a Palavra de salvação sentado confortavelmente na poltrona, fico a me perguntar: Como posso evitar a tentação de propor aos amigos e leitores algo que não vivo pessoalmente? O que preciso fazer para entrar no horizonte de Ana e de Maria e viver o Natal em chave utópica? “Fazei, Senhor, que ao proclamar humildemente o mistério da encarnação, entremos em comunhão com o Redentor”. Por isso, acolho como dirigida a mim e a meu modo o apelo do salmista, inserido como antífona de entrada na liturgia de hoje: “Ó portas, levantai vossos frontões! Levantai-vos portas eternas: que ele entre, o peregrino glorioso!”

(Itacir Brassiani msf)

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