No batismo, renascemos em Deus para reinventar o mundo.
Com a
festa do batismo de Jesus concluímos o tempo festivo do Natal e começamos o
tempo comum. Não esqueçamos, entretanto, que, da Epifania, celebrada no último
domingo, ao batismo de Jesus, celebrado hoje, estamos dando um salto
cronológico de 30 anos! O tempo da chamada ‘vida oculta’, que antecede o tempo
da missão de Jesus, é o tempo em que o filho de Deus se encarna, se aproxima de
nós, e assume a vida humana comum até às últimas consequências. Esses 30 anos
não apenas preparam sua missão libertadora, mas já são a libertação em curso.
O
evangelista registra que “naqueles dias (em que o povo da Judéia e de Jerusalém
ia ao encontro de João e confessava seus pecados) Jesus chegou de Nazaré da
Galiléia”. Marcos não dá nenhuma outra informação sobre a origem de Jesus.
Sabemos apenas que ele vinha de um lugar desconhecido e que, depois do encontro
com João e do discernimento no deserto, voltari para o lugar donde viera. Jesus
não é apresentado mediante uma sólida genealogia e não pertence a uma linhagem
relevante. Suas raízes se perdem na anônima Nazaré, e sua identidade se
confunde com o povo suspeito da Galiléia...
Chama a
atenção que em Marcos dedica ao batismo de Jesus apenas três versículos do seu
evangelho. O tempo no qual ocorre seu batismo não é propriamente especial
frente ao batismo do povo humilde, que buscaba João e confessava seus pecados.
Foi exatamente “nesses dias” que Jesus “foi batizado por João no rio Jorndão”.
Não houve tempo nem lugar especial: aquele tempo e aquele lugar reunia os
pecadores, e Jesus entrou na fila com eles. Ao redor, ninguém viu nada de
especial no seu batismo, nem mesmo João Batista. Só Jesus “viu o céu se
resgando”, o Espírito descendo “como pomba”...
E também
é somente Jesus que ouve uma voz que vem do céu aberto: “Tu és meu filho amado;
em ti encontro o meu agrado.” Aqueles que estavam com Jesus não viram nem
ouviram nada! E Marcos não registra nenhuma reação de quem quer que seja. Nenhuma
aclamação ou comentário... E então nos perguntamos: O que teria realmente
acontecido, e o que o batismo teria significado para aquele jovem galileu? Não
esqueçamos que, segundo o judaísmo ortodoxo, o batismo de João não somente não
era necessário para para a salvação, como também era também suspeito e objeto
de crítica...
Antes de
tudo, o batismo teve para Jesus o sentido que tinha para João. O batismo no rio
Jordão representava o cancelamento dos débitos do povo com o judaísmo: quem era
batizado na água se desobrigava frente aos valores e estruturas do sistema
judaico, representado pelos sacerdotes e materializado no templo. Era um grito
de liberdade e a proclamação de uma nova lealdade! Ao mesmo tempo, o batismo
expressava o desejo de endireitar as estradas e preparar os caminhos para o
encontro com Deus, a expectativa de que algo novo e transformador estava para
acontecer.
É nesse
horizonte de sentidop que Jesus descobre que o céu está aberto, que Deus não dá
as costas ao seu povo sofrido e fiel. Jesus experimenta a força recriadora de
Deus em forma de pomba, e entende que ele, um jovem da pequena Nazaré e da
suspeita Galiléia, é o filho querido que muito agrada a Deus. Jesus se descobre
filho ungido para se opor aos
poderosos da terra (cf. Sl 2) e servo fiel para carregar os pecados do
mundo e as dores dos oprimidos (cf. Is 42). O batismo apresenta Jesus crescendo
na consciência de que uma nova criação está em curso, sustentada pelo amor e a ele
orientada.
Na
catequese que desenvolve na casa de Cornélio, um homem considerado pagão, Pedro
ressalta sua repentina descoberta, que se torna arraigada convicção: Deus não faz
distinção de pessoas, aceita quem o teme e pratica a justiça, qualquer que seja
sua religião. E Paulo fundamenta isso no percurso missionário que Jesus
percorre após seu batismo: ungido pelo Espírito Santo, ele “andou por toda a
parte, fazendo o bem e curando a todos
os que estavam dominados pelo demônio; porque Deus estava com ele”. Essa é a
boa notícia da paz anunciada inicialmente aos israelitas, extensiva ao mundo
todo...
Jesus de Nazaré, peregrino de Deus no
santuário das dores e sonhos humanos! Hoje, no dia em que lembramos teu batismo
em meio aos pecadores e tua experiência de ser filho amado e servo fiel, te pedimos
a graça de renovar e viver fielmente nosso próprio batismo. Não permitas que a
nova pertença que este sacramento sinaliza nos separe ou nos coloque acima dos
demais seres humanos. Faz com que, na força do teu Espírito, por onde quer que
andemos, façamos o bem a todos, começando pelos últimos. Assim, contigo
renasceremos em Deus e reinventaremos o mundo. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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