sexta-feira, 22 de maio de 2015

SOLENIDADE DE PENTECOSTES (ANO B – 24.05.2015)

Envia-nos teu Espírito de indignação profética!

A festa de Pentecostes é a culminância da caminhada pascal.  Como a comunidade apostólica, pedimos que o Espírito realize em nós a obra do Pai e do Filho, nos dê respiro e vida, nos ensine a testemunhar e anunciar o Reino de Deus na língua das diversas culturas, derrube os muros que nossos medos e prepotências ergueram, desperte a imaginação e a indignação proféticas, abra as portas das Igrejas e as coloque em ritmo de missão. Pois é o Espírito de Deus quem cria os vínculos entre as criaturas, suscita e sustenta os processos de libertação e garante a liberdade e a criatividade.
Escrevendo à comunidade cristã de Corinto, Paulo sublinha: há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo; diferença de funções mas o Senhor é o mesmo; multiplicidade de ações, mas um só Deus. Por isso, não há como sustentar a supremacia do clero sobre os demais fiéis, dos católicos sobre os evangélicos. Mas, no bojo da ventania que vem do Espírito de Jesus, caem também os muros que separam religiões pretensamente verdadeiras das assim chamadas simples crenças, como também as escadas que elevam as religiões que se auto-definem verdadeiras e rotulam as demais como falsas.
Uma dos traços da experiência Espírito que ficou gravada na mente dos apóstolos é o ruído de um vento forte e a imagem de línguas de fogo que repousam sobre a comunidade reunida. Vento forte e línguas de fogo remetem a um dinamismo incontrolável, a uma força que move e leva adiante, a uma palavra forte e mobilizadora. São imagens que lembram o furacão da profecia, a eloquência de homens e mulheres que falam, gritam e agem em nome de Deus. Aquele punhado de gente reunida em Jerusalém passa a falar intrepidamente e a enfrentar autoridades e sistemas constituídos...
É claro que a vida no Espírito se expressa na oração, na adoração, no canto, consolação e alegria, mas não se resume nisso. Jesus Cristo é o homem do Espírito, e sua proposta não é a de um guru do bem-estar individual. Ele é modelo e caminho de uma vida descentrada de si, de uma atuação absolutamente voltada às necessidades e à dignidade dos outros, de uma inserção questionadora e transformadora no palco da história. A obra do Espírito Santo no mundo não se mostra nos templos monumentais ou nas instituições sólidas, mas em homens e mulheres novos, livres e solidários.
O Espírito é o sopro de Deus que faz novas todas as coisas, renova a face da terra. Mas ele costuma começar renovando radicalmente as pessoas que seguem Jesus Cristo, despindo-as da roupagem da indiferença, purificando-as da impureza da dominação, desautorizando aquela “velha opinião formada sobre tudo”, dispersando o pó que se acumulou sobre as doutrinas e leis, abrindo as janelas fechadas pelo medo, fazendo-as renascer no ventre da liberdade e da gratuidade. Assim aconteceu com Jesus, assim são chamados a ser aqueles que nele acreditam e receberam seu divino Sopro.
Por isso, o envio do Espírito Santo é também o lançamento missionário da comunidade dos discípulos e discípulas de Jesus. “Como o Pai me enviou, eu também envio vocês!” Ele nos envia com a missão de tirar o pecado do mundo e arcar com seu custo, como ele mesmo o fez, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Tirar o pecado do mundo (no singular!) significa, hoje, entre outras coisas, combater sem tréguas o vírus do ódio. Como não se preocupar com o fomento interesseiro do ódio a toda iniciativa que possa mudar minimamente a estrutura classista e excludente da sociedade brasileira?
Quem recebe o Espírito de Jesus e por ele se deixa guiar perde para sempre a tranquilidade daqueles que se escondem atrás dos muros dos condomínios fechados e dos ritos que anestesiam e aprosionam as consciências. O Espírito fere de morte todas as formas de indiferença! Quem hospeda o Espírito e nele renasce acaba a quilômetros de distância do imobilismo omisso pregado em cultos frequentados por multidões sedentas de prosperidade e de cura e se engaja, com humildade e firmeza, no caminho ecumênico, respeitando as diferenças e sonhando com o dia em que todos seremos um.
A ti, Deus pai e mãe, voltamos nossos olhos e nossas mãos para pedir, com todas as forças do nosso ser: envia sobre nós e sobre a Igreja teu divino Sopro! Sem ele, a missão não passa de conquista; a igreja atua como mera sociedade de classes; o Evangelho se reduz a lei implacável; a moral infantiliza e aprisiona; o ministério se reveste de poder e tirania; a liturgia vira arqueologia e fuga do compromisso. Envia teu Espirito para revitalizar os ossos ressequidos, sacudir as democracias vazias e questionar os sistemas totalitários, mesmo quando se apresentam como religião. Assim seja! Amém!

Pe. Itacir Brassiani msf
(Atos dos Apóstolos 2,1-11 * Salmo 103 (104) * 1ª Carta aos Coríntios 12,3-7.12-13 * João 20,19-23)

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