quinta-feira, 4 de junho de 2015

DÉCIMO DOMINGO DO TEMPO COMUM (ANO B – 07.06.2015)

Pertence à família de Jesus quem faz a vontade de Deus!

Depois de quase três meses marcados por liturgias muito especiais, dinamizadas pelo espírito da quaresma e da páscoa, voltamos ao tempo comum, ao belo e exigente desafio da vida cotidiana. Abramos a mente e o coração ao ensinamento de Jesus, mesmo que inicialmente nos choque e escandalize. Jesus não tem prazer em colocar pedras na estrada do nosso amadurecimento na fé... Na verdade, ele quer nos ajudar a perceber as lutas que este percurso exige e as amarras que precisamos desfazer, inclusive aquelas inconscientes ou que assumem a aparência de piedade.
O atual e inesperado ressurgimento das práticas de exorcismo, acompanhadas de um indisfarçável desejo de amedrontar e dominar, podem nos induzir a pensar que o núcleo do evangelho deste domingo seja o combate ao diabo. Na verdade, o que temos na narração de Marcos é a radicalização e a explicitação do conflito entre a prática libertária de Jesus e o fechamento ideológico das elites religiosas, agarradas à defesa do seu poder de domínio. Precisamos distinguir entre a realidade e a linguagem: a linguagem é apocalíptica, mas a realidade é um conflito político e social.
Jesus havia desmascarado a escravidão mantida pela ideologia do templo curando um paralítico e declarando-o sem culpa diante de Deus, calando e expulsando o expírito que fazia calar um doente, purificando um leproso e enviando-o aos sacerdotes, curando os doentes que se aproximavam... Os escribas contra-atacam para neutralizar sua ação desestabilizadora, identificando Jesus com o o diabo, protótipo dos inimigos do ser humano. Pretendendo ser os únicos representantes de Deus, os escribas e doutores da lei dizem que aquele que os desmascara é guiado e motivado por um espírito diabólico...
Jesus entra neste jogo de linguagem e fala do reino de satanás como a acentuação simbólica das práticas opressoras da sociedade judaica. Ele se defende atacando com as armas dos próprios adversários! Entra no jogo linguístico dos seus opositores para “puxar o tapete” e mostrar a contradição em que estão atolados. Ironicamente, diz que se agisse mesmo em nome do diabo, o reino de satanás estaria dividido e fadado à ruína. Jesus e os pobres libertados interpretam sua ação como obra libertadora e regeneradora de Deus.
Mas o clímax da disputa está na afirmação indireta de que os verdadeiros pecadores, aqueles que estão irremediavelmente condenados, são os próprios escribas e doutores da lei, a elite que desqualifica a ação divinamente libertadora de Jesus dizendo que é diabólica. Esse grupo é réu de um pecado eterno, está coberto de impureza e envolvido numa cegueira que não permite que veja um palmo à frente do nariz. Os membros dessa elite pecam contra o Espírito Santo, iludem a si mesmo e aos outros dizendo que é mau e escravizador aquilo que na realidade é bom e libertador.
É no quadro deste conflito que podemos compreender a tensão de Jesus com seus familiares. Eles haviam tomado conhecimento daquilo que Jesus fazia e dizia, sentem-se importunados pela multidão que invade sua casa, e começam a temer pela integridade de Jesus e pelo bom nome da família. Eles têm a nítida impressão de que Jesus enloqueceu, e decidem pôr um fim nisso tudo. Parece que a mãe e os irmãos evitam ultrapassar o círculo dos discípulos e chegar perto de Jesus. Dão até a impressão compartilhar da visão dos escribas, e tentam fazer Jesus interromper ou desistir da sua missão.
A família patriarcal, centrada na figura masculina e nos laços de sangue, era um dos eixos da sociedade antiga, um dos anéis da corrente da dominação, uma célula de reprodução de uma sociedade excludente e intolerante. Jesus dá mais um passo na superação do sistema de opressão que impede a vida e a liberdade do povo, mas não se detém na crítica destruidora das instituições, dos modelos de relacionamento. Ele coloca Deus no lugar da autoridade patriarcal; substitui a estreiteza dos laços de sangue pelos vínculos que brotam da condição humana compartilhada. Do ponto de vista do Evangelho, Deus e o seu Reino são absolutos, e todas as instituições e autoridades são transitórias.
A ti, Jesus de Nazaré, irmão de todos os homens e mulheres que se regeneram à luz do Reino, dirigimos nosso olhar e nossa prece. Fortalece nossa vontade, a fim de que tenhamos a coragem de romper com os laços que nos amarram a nós mesmos e aos sistemas que oprimem. Amplia o círculo da nossa comunhão, para que inclua todos os seres humanos, começando pelas vítimas da seca de nordeste e chegando aos povos ribeirinhos atingidos pela cheia do rio Amazonas. E faz com que nossas comunidades sejam uma família de homens e mulheres iguais. Assin seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Livro do Gênesis 3,9-15 * Salmo 129 (130) * 2ª Carta aos Coríntios 4,13-5,1 * São Marcos 3,20-35)

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