Marcos 3,20-35: Voz de Deus e vozes demoníacas
Distinguir a
voz de Deus das vozes diabólicas nem sempre é tão simples! Muitas violências e
injustiças já foram cometidas “em nome de Deus”, desde os “tempos de Adão e
Eva”... E, ao que tudo indica, esse “filme” está longe do seu fim! E certamente
esse não é um problema apenas de facções radicais do Islamismo...
Confundir as
vozes demoníacas ou diabólicas com a voz de Deus pode acontecer com inocentes
ou ingênuos. Talvez esse tenha sido o caso daquele homem “possuído por um
espírito impuro” que viu em Jesus uma ameaça aos sagrados costumes do povo
dominado pelas autoridades da sinagoga (Mc 1,21-28). Pode ter sido o caso
também dos familiares de Jesus que aparecem no Evangelho deste domingo.
Mas pessoas
que pretendem ser as mais religiosas e santas não estão imunes a essa teologia
ao avesso, que vê como divino aquilo que é diabólico e como demoníaco aquilo
que é divino. Pode ocorrer com pessoas que se agarram à bíblia, pessoas muito
piedosas, ou gente que não aceita as crenças dos outros. Tais pessoas acham que
o diabo está agindo sempre nos outros, isto é, naqueles que pensam de maneira
diferente ou que questionam as incoerências da sociedade, de sua Igreja ou
religião.
Foi isso que
também aconteceu com Jesus. No Evangelho de hoje, aparecem dois grupos de
pessoas que, em nome de Deus, têm dificuldades para aceitar os comportamentos e
as ideias de Jesus. Em primeiro lugar, entram em cena os parentes de Jesus.
Eles vão ao seu encontro para segurá-lo, para impedir que ele continue sua
missão, porque pensam que Jesus tinha ficado louco. Em outras palavras, eles
não dizem, mas pensam que um demônio tomou conta de Jesus. Por isso, era
preciso agir: levar Jesus para casa e dar-lhe umas boas lições... tentar
convencê-lo de que estava, no mínimo, equivocado ou que estava se excedendo e
prejudicando, com isso, também todos os seus parentes...
Outro grupo,
com ótima formação bíblica e teológica (mestres da Lei ou escribas), vai mais
longe e diz que “Ele está possuído por Belzebu”, e que “é pelo príncipe dos
demônios que ele expulsa os demônios”. Eles justificam, assim, a sua
perseguição contra Jesus. Aí já não se trata mais de ingenuidade ou inocência.
E o julgamento é explícito: Jesus seria uma peça na estratégia do chefe dos
demônios (Belzebu), talvez uma vítima inocente dele... Eles acusam Jesus de se
fazer de “santo”. Por isso, o povo ingênuo estaria correndo atrás dele. Mas,
segundo os mestres da Lei o acusam de estar sutilmente a serviço do poder do
mal, destruindo as coisas sagradas de Deus... Na verdade, Jesus seria um
charlatão, um enganador do povo.
Jesus
desmascara essa inversão que acha que é diabólico aquilo que vem de Deus. Ele
mostra que esses seus adversários estão pecando contra o Espírito Santo,
justamente porque invertem o que é de Deus e o que é diabólico. A avaliação de
Jesus é muito grave, porque esse pecado contra o Espírito Santo impede as
pessoas de ouvirem o que Deus tem a dizer, porque elas estão vendo tudo com os
olhos de seus próprios interesses. Como podem tais pessoas estar em comunhão
com Deus? Aqueles que pretendem ter o direito de condenar Jesus em nome de Deus
revelam que eles mesmos é que estão dominados pelo poder da ideologia, numa
cultura e religião que transformaram em ídolo seus interesses excludentes e
discriminadores.
Os conflitos
de Jesus iniciam muito cedo. Estamos ainda no capítulo 3 do Evangelho de
Marcos. Aliás, já no início desse capítulo, fariseus e herodianos haviam
decretado seu fim, por verem nele um perigo que tinha de ser cortado pela raiz.
O Evangelho
deste domingo termina com um anúncio esperançoso: há novos irmãos, irmãs e mães
de Jesus que não o consideram louco. São aqueles que aprendem com Jesus um novo
jeito de entender e fazer a vontade de Deus. A vontade de Deus vai muito além
do cumprimento de alguns ritos e leis, como pretendiam os “piedosos”
adversários de Jesus; ela tem seu foco na vida e na libertação das escravidões
e dominações sofridas pelos filhos e filhas de Deus. É por isso que Jesus
expulsa tantos demônios no Evangelho de Marcos. E quem vive fazendo assim a
vontade de Deus, diz Jesus, “esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”. Que
Deus nos conceda estarmos sempre entre esses novos familiares de Jesus!
Léo Zeno Konzen
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