quarta-feira, 10 de junho de 2015

SOLENIDADE DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS (ANO B – 12.06.2015)

Que nosso coração seja como o de Jesus: grande e compassivo!

A tentação de imaginar Deus de forma abstrata e de propor a mensagem cristã de forma estritamente doutrinal está sempre a nos rondar. O princípio de um Deus uno e trino celebrado na solenidade da Santíssima Trindade pode virar uma questão de matemática ou de metafísica. A boa notícia recordada na solenidade de Corpus Christi pode descambar para uma discussão polêmica e inoportuna. Na solenidade do Sagrado Coração de Jesus recordamos agradecidos que Deus tem um grande coração, um coração humano e compassivo. E isso não tem nada a ver com um Deus distante, abstrato e sádico.
Bem que o primeiro testamento proíbe que se faça imagens de Deus. Imaginar Deus é difícil, perigoso e pode ter consequências desastrosas. O caminho entre fazer imagens de Deus e a sua cooptação pelos poderosos e opressores de plantão, em prejuízo dos pobres, é apenas um passo. Nas últimas décadas, foram feitos esforços significativos para rever a noção de Deus nos parâmetros da cultura moderna, e ele foi denominado Absoluto, Transcendente, Divindade... Mas também estas imagens são abstratas e ambíguas, e podem ajudar a cavar ou ampliar uma espécie de abismo entre Deus e ser humano...
Nos séculos XVII-VIII nasceu e se espandiu um movimento espiritual que queria corrigir o formalismo da teologia e da espiritualidade cristãs e recolocar a experiência prática e o sentimento no centro da vida cristã. É neste contexto que nasce a devoção ao Sagrado Coração de Jesus. Em 1675, Jesus teria aparecido a Santa Margarida Maria Alcoque e dito,  descobrindo seu Coração:  “Eis o coração que tanto tem amado aos homens e  em recompensa não recebe, da maior parte deles, senão ingratidões pelas irreverências e  sacrilégios, friezas e  desprezos que têm por Mim neste Sacramento de Amor”.
A perspectiva de um Deus com coração tem fundamento na Escritura, pois ela nos apresenta um Deus vivo, caracterizado pela Compaixão, e é isso que a solenidade do Sagrado Coração de Jesus quer colocar em evidência. João nos fala de Jesus pendente da cruz, onde fora pregado depois de ter sido acusado, traído, condenado e torturado. Fazem-lhe companhia dois outros proscritos. O dia é soleníssimo, antecede a grande festa dos judeus. O que o fez chegar a este lugar e a este estado é de domínio público: ousou desafiar uma certa imagem de Deus, afirmando que ele é, antes e acima de tudo, Amor.
Sabemos que o coração de Jesus bate forte pelos últimos da escala social, pelas pessoas arruinadas por causa de escolhas mal feitas ou de sistemas que excluem. Longe de cair na armadilha de uma generosidade ingênua, Jesus escolhe muito bem aqueles a quem dirige seu amor preferencial e ocupam um lugar nobre no seu coração. Ele vai premurosamente ao encontro das pessoas perdidas, reconduz as desgarradas, cuida das machucadas, fortalece as doentes, defende a dignidade de todas. No alto da colina, o corpo pendente da cruz proclama que Deus tem um coração: ele ama a justiça, estende sua misericórdia de geração em geração, se aproxima dos necessitados, com ternura de pai e mãe.
Tendo sido fariseu de estrita observância e implacável perseguidor dos seguidores de Jesus, Paulo repentinamente se descobre amado e escolhido para testemunhar Jesus como Messias de Deus e salvador da humanidade. O conhecimento e a observância da lei o havia fechado em si mesmo e feito dele um homem frio e orgulhoso. O conhecimento de Jesus Cristo o faz homem livre e frágil, próximo e servidor da humanidade. Paulo tem a impressão de que a grandeza dessa experiência não cabe nas palavras, mas faz de tudo para anunciar a eles a “riqueza insondável de Cristo”.
Por isso, Paulo sublinha que o desejo de Deus sempre foi que, pela fé e pela adesão a Jesus Cristo, todos sejam livres para se aproximar de Deus com confiança. É este o mistério que antes estava escondido e agora deve ser anunciado sem meias-palavras. Por isso, Paulo implora de joelhos que nossa humanidade amadureça e se desenvolva, enraizada e alicerçada em Jesus Cristo, para que tenhamos condições de “conhecer o amor de Cristo, que ultrapassa todo conhecimento”, de entender “a largura, o comprimento, a altura, a profundidade” desse amor gratuito e imerecido.
Jesus crucificado, terno coração de um Deus que é pai e mãe, sofrido coração de um homem incapaz de ser indiferente às dores e dramas humanos: neste dia em que tua Igreja proclama a sacralidade transcendente do amor, de todos os amores, dobramos os joelhos diante de ti e pedimos que o teu Espírito nos inunde, renove e guie nos caminhos do amor terno, despojado e serviçal. Acolhendo no teu coração sagrado o inteiro anúncio do Reino, dispo-mos a ser como és e a ir onde vais. Faz com que nosso instável coração adquira a altura, a profundidade e a largura do teu amor. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Profeta Oséias 11,1-4.8-9 * Isaías 12,2-6 * Carta aos Efésios 3,8-19 * Evangelho de São João 19,31-37)

Nenhum comentário: