quinta-feira, 23 de julho de 2015

DÉCIMO SÉTIMO DOMINGO DO TEMPO COMUM (ANO B – 26.07.2015=

Uma pessoa que morre de fome é uma pessoa assassinada!

Há uma lei que não está escrita na Constituição nem na Bíblia, mas nos é ensinada em lições que vão do berço à sepultura: “Cada um pra si e Deus por todos”. Um complemento mais violento ensina que “quem pode mais, chora menos”. Não é difícil perceber que este princípio vai sendo assimilado tranquilamente na arena política, no sistema econômico, na área cultural e até no âmbito da religião. Basta prestar atenção às Igrejas que prometem bênçãos em forma de imediata prosperidade econômica e apresentam exemplos de gente que enriquece dando as costas aos necessitados.
No evangelho de hoje João nos apresenta Jesus em plena ação missionária. Já havia realizado três sinais para demonstrar a chegada dos tempos esperados, da utopia do Bem-viver, da Vida plena e gratuita para todos: transformara água em vinho numa festa de casamento fadada ao fracasso; curara o filho de um funcionário do rei e um paralítico que há três décadas não abandonava a esperança de recuperar a saúde e a plena cidadania. Impactada por esses sinais, uma grande multidão seguia Jesus. O povo intuía que da periferia e da pobreza poderia nascer a novidade.
O evangelista subentende, mas não diz, que Jesus sente compaixão pelo povo. A compaixão é filha da fraqueza, da humana vulnerabilidade, das periferias anônimas, pois os palácios se sustentam sobre o poder e o medo. No entardecer das possibilidades de ajuda, quando as leis do mercado revelam que não têm coração, Jesus percebe a fome do povo e desperta os discípulos da indiferença que os envolvia inteiramente. Para ver o povo e resgatar a compaixão ativa e redentora as Igrejas também precisam migrar para as periferias, deixar as discussões abstratas e estéreis, sair da própria barca...
Os discípulos não conseguiam ver saída para o drama do povo fora da lógica do império. “Onde vamos comprar pão para eles comerem?” Sem um plano alternativo, constatam desolados que estavam num beco sem saídas: “Nem meio ano de salário bastaria...” Avaliando suas próprias possibilidades, descobrem que entre eles há alguém que tem cinco pães e dois peixes que providenciara para as necessidades da comunidade. “Mas o que é isso para tanta gente?”, questionam-se. Parece que eles querem disfarçar o egoísmo elitista próprio de quem pensa apenas nas próprias necessidades...
Como está longe de Jesus uma Igreja feita apenas de palavras e de ritos religiosos, que se compraz em lavar as mãos diante das tragédias que se abatem sobre o povo... Basta de instituições que entregam seus membros à implacável lógica dos impérios! E não nos desculpemos perguntando o que representam cinco pães e dois peixes para uma multidão de famintos... “O pouco com Deus é muito; o muito sem Deus é nada”, ensina a sabedoria popular. Jean Ziegler, ex-relator da ONU, diz que, num mundo que produz alimentos de sobra, a morte anual de milhões de pessoas por causa da fome é o escândalo do nosso século. “Uma criança que morre de fome é uma criança assassinada”, afirma ele.
A saída não é simples, mas certamente não é cada um cuidar de si, nem considerar povo faminto um simples objeto de caridade. O povo é soberano, e as autoridades devem colocar-se a seu serviço. E não se trata de povos nacionais, mas de um único povo, aquele que congrega todos os homens e mulheres. Paulo enfatiza que há um só corpo e um só espírito, uma só fé, uma só esperança, um só batismo, um só Senhor... Ou seja: todas as divisões são arbitrárias e fadadas a desaparecer. Certamente a luta pelo pão na mesa de todos não pode ser estranha à unidade do gênero humano...
A solução para a crise alimentar sistêmica não está ao alcance de um país ou de uma Igreja particular. O caminho de saída começa com a adoção de um consumo moderado pelos ricos e com a erradicação da exploração comercial por parte dos países poderosos. E prossegue na defesa da soberania alimentar dos povos e na pressão para que os organismos multilaterais tomem medidas concretas para garantir o acesso universal aos alimentos. E isso não é algo estranho à fé! A comida suficiente aparece quando Jesus assume o protagonismo e os discípulos se associam à sua ação...
Jesus de Nazaré, peregrino incansável no santuário das dores humanas, Deus compassivo e próximo de todos os sofredores, sonhadores e construtores de um mundo outro! Dá-nos olhos abertos e lucidez intelectual para encontrarmos os recursos necessários para evitar as tragédias que golpeiam teus irmãos e irmãs. Dá-nos um coração humanamente sensível, que nos leve ao encontro deles para servi-los com tudo o que somos e temos. Dá-nos um coração forte, enamorado de ti, um coração que não nos permita aceitar ou pregar doutrinas escapistas ou soluções violentas para a tragédia da fome. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(2° Livro dos Reis 4,42-44 * Salmo 144 (145) * Carta aos Efésios 4,1-6 * Evangelho de São João 6,1-15)

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