quinta-feira, 6 de agosto de 2015

DÉCIMO NONO DOMINGO DO TEMPO COMUM (ANO B – 09.08.2015)

Ainda temos um longo caminho a percorrer...

A humanidade de Jesus foi e continua sendo uma pedra de contradição e de escândalo, inclusive para muitos cristãos. Aceitá-la e sublinhá-la significa reconhecer o arcano desejo de Deus de se autocomunicar às criaturas, especialmente ao ser humano. Significa também ressaltar o dinamismo da compaixão que leva Deus a entrar definitivamente na condição humana e a se identificar com as dores e sonhos da humanidade. É isso que dá sentido pleno e profundo à sua ação de alimentar a multidão cansada e faminta... E é isso que está no núcleo da catequese de Jesus sobre o pão da vida.
A longa discussão que Jesus mantém com seus discípulos e com as autoridades do judaísmo, depois de socorrer a fome do povo, está longe de ser uma simples catequese espiritual sobre sua presença real nas espécies eucarísticas. O que está em questão é o modo de conhecer e de agradar a Deus: Cumprindo leis de forma mecânica? Obedecendo uma carroçada de normas e princípios morais? Celebrando ritos que passam à margem das estradas da vida? Fixando a atenção numa hipotética vida após a morte e desprezando os desafios da história?
Jesus se oferece como alimento que desce continuamente do céu e assume a carnalidade das dores e dos sonhos humanos. Ele não diz que é o pão que desceu do céu (tempo passado), mas o pão que desce permanentemente do céu (tempo presente). “Pois o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo” (Jo 6,33). Tanto o verbo “descer” como o verbo “dar” estão no tempo presente e referidos à missão libertadora de Jesus. No horizonte do evangelho segundo João, “descer” é uma metáfora que aponta para a diminuição social, um aspecto central na vida de Jesus e de quem o segue.
O alimento que faz a diferença e que supera tanto o maná como a simples distribuição assistencialista de comida é a humanidade compassiva de Jesus. O que ele discute no evangelho de hoje não é sua origem divina ou humana, mas a nossa resistência em aceitar sua encarnação redentora. Assim, a fé em Jesus Cristo e a adesão ao dinamismo eucarístico não são propriamente uma subida a Deus, mas uma descida solidária ao encontro do humano. A comunhão com as dores e alegrias, tristezas e angústias dos homens e mulheres do nosso tempo é o únco caminho que pode nos levar a Deus.
Jesus recorre aos profetas para enfatizar que é isso que precisamos aprender, que esta é a lição fundamental de Deus. Dizendo que todos serão discípulos de Deus, Jesus evita os estreitamentos ideologicos, étnicos ou eclesiásticos, e afirma a universalidade do caminho da vida. Quem cuida da vida dos outros está no caminho da vida eterna, e quem não aceita e não se engaja nessa missão não é discípulo de Deus, se fecha à sua voz. De novo, a questão não é simplesmente crer ou não na presença real de Cristo no pão eucarístico, mas escutar a Palavra que nos diz mediante sua contínua descida.
Nesta catequese, Jesus também opõe a força de vida da sua descida, da humana compaixão, à insuficiência do maná. Ele lembra que o povo hebreu comeu do maná mas experimentou o malogro na realização do sonho de uma terra livre e sem males. E isso não ocorreu por causa da qualidade do maná, mas da atitude do povo, da sua incapacidade de ouvir e obedecer a Deus. Aqui está a novidade de Jesus Cristo: somente quem ouve sua Palavra e crê nele, quem se faz seu discípulo e se alimenta da sua humanidade, chega à meta da travessia e alcança a terra desejada e prometida.
Resumindo: não podemos reduzir o discurso de Jesus sobre o pão vivo e verdadeiro à questão da sua presença real nas espécies do pão e do vinho, pois isso significaria empobrecer gravemente seu Evangelho. O que está em jogo não é o sacramento da eucaristia mas a irrecusável humanidade de Deus. Jesus nos convida a entrar na escola do discipulado e oferece sua Palavra como alimento para o longo caminho que nos espera. Paulo diz que chegaremos à meta deste caminho quando formos bons e compassivos uns cons os outros, quando conseguirmos viver o amor e o dom recíprocos, a exemplo de Jesus, “que nos amou e se entregou a si mesmo a Deus por nós”.
Jesus amado, te agradecemos porque nos revelas que Deus é um pai com coração de mãe e te ofereces a nós como pão que desce e alimenta nossos sonhos e nos sustentas na luta para realizá-los. Aprendemos contigo – e com pessoas grandes e generosas como Frei Tito de Alencar Lima (+10.08.1974), Margarida Alves (+12.08.1983) e Pe. Alfredinho Kunz (+12.08.2000) – que é sendo bondosos, solidários e compassivos uns com os outros que seremos filhos e imitadores de Deus pai. Alimenta com teu humano corpo e tua Palavra todos os pais, e também nossos anelos de bem viver. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(2° Livro dos Reis 19,4-8 * Salmo 33 (34) * Carta aos Efésios 4,30-5,2 * Evangelho de São João 6,41-51)

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