quarta-feira, 30 de setembro de 2015

VIGÉSIMO-SÉTIMO DOMINGO DO TEMPO COMUM (ANO B – 04.10.2015)

“E que nada no mundo separe um casal sonhador!...”

Não é bom que a pessoa humana viva sozinha: isso está inscrito no mais profundo do nosso ser. E uma das formas de evitar o isolamento e de promover a socialização é o matrimônio. Antes de ser um sacramento ou uma instituição, o matrimônio é uma realidade antropológica: duas pessoas, geralmente homem e mulher, sentem-se atraídos um pelo outro e selam uniões que recebem diversos nomes, conforme a linguagem e a cultura que as batiza, mas diferem amplamente em relação às obrigações recíprocas que estabelecem.
A história concreta deste dinamismo que se torna vínculo é, porém, como uma rosa com espinhos abundantes. Muito antes e para além da dolorosa tragédia da separação, conhecemos o exercício violento da dominação do mais forte sobre o mais fraco, a violência física e moral, a exploração despudorada e ilimitada do corpo do outro, a dependência costurada com os fios nada dourados da ameaça. As separações que, infelizmente, crescem em número com o passar do tempo, são apenas uma das faces da falência que pode se abater sobre as relações matrimoniais.
Quando os fariseus, com o ardiloso objetivo de questionar a prática libertária de Jesus, perguntam  se a lei permite que um homem se divorcie da sua mulher, querem fundamentalmente garantir os direitos de uma das partes: a parte masculina, a mais forte. Todos sabiam o que dizia a tradição: “Quando um homem se casa com uma mulher e consuma o matrimônio, se depois ele não gostar mais dela, por ter visto nela alguma coisa inconveniente, escreva para ela um documento de divórcio e o entregue a ela, deixando-a sair de casa em liberdade” (Dt 24,1).
Jesus sabe perfeitamente que a lei de Moisés é androcêntrica e patriarcal. Para abandonar a mulher bastava não gostar mais dela, ou encontrar nela algo de inconveniente. Por isso, Jesus situa a lei no seu contexto original: diante da fraqueza e da maldade dos homens, Moisés tentou ao menos dar um salvo-conduto à mulher abandonada pelo marido. “Foi por causa da dureza do coração de vocês que Moisés escreveu esse mandamento.” Mas este não é o projeto original e atual de Deus, para quem  “eles já não são dois, mas uma só carne”. Portanto, “o que Deus uniu, o homem não deve separar.”
Entretanto, Jesus reconhece que as separações são um fato, muitas vezes doloroso e trágico, no qual as responsabilidades e os direitos precisam ser divididos igualmente por ambas as partes. É correto repetir, que nada e ninguém deve separar aqueles que Deus uniu mediante o amor, mas é preciso também reconhecer que nunca deveríamos marcar com o selo da lei ou do sacramento decisões imaturas e baseadas em tudo menos no amor. Movidos por um comodismo irresponsável, podemos criar facilidades que colocam as pessoas numa gaiola cujas chaves estão nas nossas mãos...
Não seria tempo de superar o moralismo mórbido que pensa que a falência de um matrimônio sempre se deve à maldade culpável de alguém, de admitir que existem casamentos que não têm caráter sacramental nenhum, que são como cadáveres que esperam autópsia e sepultura? Não seria urgente desmascarar o legalismo virulento que isola e cristaliza uma frase de Jesus como lei imutável e relativiza o restante da vida e da prática do mesmo Jesus? Quando Paulo diz que Jesus não se envergonha de nos reconhecer como irmãos e irmãs, está se referendo apenas aos ‘bem-casados’?
Depois de responder aos fariseus e de aprofundar com os discípulos a questão do casamento e do divórcio, algumas crianças são apresentadas a Jesus. A dominação e as barreiras impostas às crianças irritam-no. Quando determina que ninguém impeça que as crianças se aproximem dele, Jesus está enfatizando que Deus não despreza nem violenta os mais fracos, como alguns o fazem, inclusive em nome de frias doutrinas e leis pouco cristãs. Como antes havia defendido as mulheres diante do direito que pendia para o lado dos homens, agora acolhe e abençoa as primeiras vítimas dos relacionamentos fracassados. “Deixem que as crianças venham a mim, e não as impeçam de fazê-lo!...”
Jesus de Nazaré, irmão das vítimas e defensor dignidade de todo ser humano: também hoje, mulheres e crianças são dominadas, desprezadas e violentadas. Ajuda-nos a descobri-las como chave que dá acesso ao teu Reino, a entender que ninguém se torna cidadão do teu Reino a partir do centro ou de cima, mas desde baixo e da periferia, acompanhando aqueles que não contam. Que as crianças aprendam isso enquando sorvem o leite no seio da mãe e são carregadas nos ombros de um pai. Confirma e sustenta nossas comunidades e famílias cristãs nesta bela e irrenunciável missão. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Livro do Gênesis 2,18-24 * Salmo 127 (128) * Carta aos Hebreus 2,9-11 * Evangelho de São Marcos 10,2-16)

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Formadores MSF em Roma

Como formar bons e atualizados missionarios?
O Encontro/Curso dos Formadores da Congregação prossegue, aqui em Roma.  Aqui vão mais algumas informações, obviamente com o filtro e os limites da minha percepção.
Na sexta-feira, o nosso estimado Pe. Egon nos brindou com duas belíssimas e profundas reflexões: “O perfil de um irmão entre os irmãos: a vida comunitária na congregação dos missionários da Sagrada Família”; “Como desenvolver no Missionário da Sagrada Família o perfil de um homem simples e humilde”. Quem conhece o Pe. Egon sabe da simplicidade e sensatez com que expõe suas provocações... Depois de cada reflexão, trazendo sempre aspectos das Constituições e palavras do Pe. Berthier, ele nos propôs questões para a reflexão em grupos.
No sábado pela manhã, tocou a mim a tarefa de apresentar mais uma vez as Linhas para a Formação da Congregação, aprovadas em 2011. Privilegiei a genealogia da elaboração do documento, seus elementos dinamizadores e iluminadores, e o conteúdo de cada uma das partes. Nos trabalhos em grupo foi possível perceber como, depois de quatro anos, essas linhas ainda são pouco conhecidas e menos ainda levadas em conta na prática e no planejamento da formação nas diversas Províncias. Na parte da tarde, o Pe. Agustino Purnama, responsável pela formação e coordenador do grupo de reflexão para a formação, encaminhou um trabalho pessoal e em grupo sobre a nossa experiência como formadores.
O domingo foi um dia de folga nos estudos. Depois da celebração e do café da manhã, todos se deslocaram a Roma. Inicialmente, aqueles que quiseram, fizeram um breve passeio pela cidade. Às 14:00, saborearam, na Casa Geral, um suculento churrasco “italo-gaúcho”, preparado pelos coirmãos Julio César, Lotário e Patrice. Entretanto, o Volimar, o Marcelo, o Iranjunio, o Thiago preferiram uma peregrinação a Assis. Eu os acompanhei como guia... Saímos de Roma, de trem, às 8:00 e chegamos de volta às 21:00. A inspiração do Irmão Universal compensou o cansaço.
Hoje, dia em que celebramos 120 anos da fundação da Congrergação, iniciamos com uma bela celebração de ação de graças. Os trabalhos do dia foram confiados a mim. Na parte da manhã, procurei responder à seguinte questão, apresentada pela Comissão de Formação: Como desenvolver nos formandos a atitude de peregrinos na fé, de pessoas em constante busca de Deus? Abordei a questão numa perspectiva teológica (a primazia de Deus e do seu reino; o dom recebido deve se tornar dom partilhado; a conversão ao evangelho do Reino; a vida pessoal a serviço de Deus e do povo de Deus) e numa perspectiva pedagógica (escuta e meditação da Palavra de Deus; discernimento dos sinais dos tempos; oração pessoal e comunitária; acompanhamento espiritual; revisão pessoal e comunitária de vida). Seguiu-se trabalho em grupos e partilha no plenário.
Na parte da tarde, a questão era outra: Como ajudar os formandos a se tornarem próximos e servidores daqueles que estão longe? Segui o mesmo esquema, divindo a resposta em aspectos teológico-espirituais (encarnação e compaixão; testemunho de vida fraterna; diálogo, anúncio e serviço; formar a única família do Pai) e sugestões prático-pedagógicas (formar comunidades apostólicas na e para a missão;  sintonia com a história e discernimento dos seus sinais; experiências e laboratórios pastorais; inserção nos ministérios prioritários). Esta reflexão também foi seguida de um trabalho em grupos e de plenário.
É claro que o almoço foi especialmente festivo... À noite, depois da janta, simples e nobre, tivemos um Conveniat, com apresentações artísticas de todos os países dos quais viemos. Um encontro não se faz somente com estudos, e a congregacionalidade é exercitada e cultivada em momentos como estes, nos quais celebramos nossa história e nos damos tempo para conviver. Mas isso não me impede de registrar uma observação muito pessoal: é grande e geral a dificuldade de passar da doutrina e dos princípios gerais para as práticas e intervenções pedagógicas, das velhas práticas de piedade a práticas inovadoras e transformadoras.

Itacir msf

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Evangelho dominical

SÃO AMIGOS, NÃO ADVERSÁRIOS

Apesar dos esforços de Jesus para lhes ensinar a viver como Ele, ao serviço do reino de Deus, fazendo a vida das pessoas, mais humana, mais digna e ditosa, os discípulos não conseguem entender o Espírito que o animava, o Seu grande amor aos mais necessitados e a orientação profunda da Sua vida.
O relato de Marcos é muito iluminador. Os discípulos informam Jesus de um fato que os incomodou muito. Viram um desconhecido «expulsando demônios». Está atuando «em nome de Jesus» e na Sua linha: dedica-se a libertar as pessoas do mal que lhes impede de viver de forma humana e em paz. No entanto, aos discípulos não lhes agrada o seu trabalho libertador. Não pensam na alegria dos que são curados por aquele homem. A sua intervenção parece-lhe uma intromissão que é necessário cortar.
Expõem a Jesus as suas reações: «Quisemos impedi-lo porque não é dos nossos». Aquele estranho não deve continuar a curar porque não é membro do grupo. Não lhes preocupa a saúde das pessoas, mas o seu prestígio de grupo. Pretendem monopolizar a ação salvadora de Jesus: ninguém deve curar em Seu nome se não adere ao grupo.
Jesus reprova a atitude dos Seus discípulos e coloca-se numa lógica radicalmente diferente. Ele vê as coisas de outra forma. O primeiro e mais importante não é o crescimento daquele pequeno grupo, mas que a salvação de Deus chegue a todo o ser humano, incluso por meio de pessoas que não pertencem ao grupo: «o que não está contra nós, está a favor de nós». Quem faça presente no mundo a força curadora e libertadora de Jesus está a favor do Seu grupo.
Jesus rejeita a postura sectária e de exclusão dos Seus discípulos que só pensam no seu prestígio e crescimento, e adota uma atitude aberta e inclusiva onde o principal é libertar o ser humano daquilo que o destrói e o faz infeliz. Este é o Espírito que deve animar sempre os Seus verdadeiros seguidores.
Fora da Igreja católica, há no mundo um número incontável de homens e mulheres que fazem o bem e vivem trabalhando por uma humanidade mais digna, mais justa e mais liberta. Neles está vivo o Espírito de Jesus. Temos de senti-los como amigos e aliados, nunca como adversários. Não estão contra nós pois estão a favor do ser humano, como estava Jesus.
José Antonio Pagola

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Formadores MSF em Roma

Encontro dos Formadores dos Missionários da Sagrada Família
Nosso Governo Geral convocou os formadores de todas as Províncias para um encontro de estudos, em Roma. Por isso, aqui estamos, 26 participantes, entre formadores e Governo Geral: 2 de Kalimantan; 3 de Java; 3 de Madagascar; 3 da Polônia; 2 do Chile; 1 da Argentina; 1 do Brasil Oriental; 4 do Brasil Meridional; 2 do Brasil Setentrional; 5 do Governo Geral.
O Encontro está sendo realizado numa casa de encontros, nas proximidades do aeroporto de Roma, e começou na terça-feira, com uma apresentação da realidade da formação nas diversas Províncias (não estou bem informado do que aconteceu, pois só cheguei na quarta de manhã).
O segundo dia esteve sob a responsabilidade do professor Paulo Carbonari (Passo Fundo,
RS), a quem foi pedido que ajudasse o grupo discorrendo sobre como ajudar os formandos e coirmãos a assumirem um processo de permanente crescimento e amadurecimento humano. Depois de algumas considerações introdutórias, o professor Carbonari propôs uma breve análise do atual contexto pedagógico e cultural. Em seguida, apresentou alguns elementos antropológicos de base para a arte da formação: itinerância e busca, abertura e incompletude, liberdade e sujeito, humanização e desumanização.

Depois, propôs alguns elementos pedagógicos e metodológicos, nucleados em torno dos conceitos de experiência, responsabilidade, diálogo e amor. Finalmente, provocou-nos a desenhar o perfil do missionário que desejamos formar.

Na manhã do terceiro dia (hoje), com a ajuda do Pe. Antonio Marga Murwanta msf (da Província de Java), refletimos sobre o processo de amadurecimento religioso. Depois de nos apresentar alguns textos motivadores do magistério da Igreja, propôs alguns sinais daquilo que seria a maturidade religiosa de uma pessoa: a responsabilidade pela própria vocação; a abertura à transcendência; a capacidade de mudar; a coragem de entrar na interioridade e acolher o mistério; a capacidade de se comunicar com abertura e de modo personalizado; a capacidade de tomar decisões em relação à própria vocação; a disponibilidade à missão do Instituto; a alegria interior e a liberdade efetiva. Finalmente, antes de propor um trabalho em grupos, indicou algumas práticas que podem ajudar os formadores no acompanhamento dos formandos para a maturidade afetiva: a presença efetiva e qualificada junto aos formandos; o exemplo e o testemunho pessoal; a atitude de serviço; o relacionamento baseado na confiança recíproca; a coragem de divergir e corrigir; o diálogo frequente e personalizado formador-formando; a inserção na vida pastoral da Igreja.

Na parte da tarde, fizemos uma visita a um interessante sítio arqueológico, aqui mesmo, nas proximidades de Roma. Trata-se de da Necropoli della Banditaccia, no município de Cerveteri: uma grande área usada como cemitério pelo povo etrusco, nove séculos antes de Cristo. É impressionante o conjunto de mausoléus escavados em rocha vulcânica, acima e abaixo do nível da terra, alguns deles muito bem conservados, apesar dos mais de 2.800 anos.  Encerramos o passeio com uma gostosa e animada janta, num pequeno e típico restaurante, ainda na região.
Encontros como este têm sua importância, especialmente para que os formadores, numa congregação como a nossa, alarguem sua visão, superando uma mentalidade demasiadamente provinciana. Ademais, experimentamos na própria pele o valor e a exigência das diferenças culturais, que são riqueza e dificuldade, assim como a necessidade de que dominar uma língua estrangeira que possibilite a comunicação entre as diversas Províncias e regiões.

Itacir Brassiani msf

VIGÉSIMO-SEXTO DOMINGO DO TEMPO COMUM (ANO B – 27.09.2015)

A Palavra de Deus está acima dos nossos grupos e Igrejas!

Às vezes a pregação de alguns padres dá a impressão de que o mundo se divide entre os bons, que são aqueles que aceitam explicitamente Jesus Cristo e uma Igreja, e os maus, que são as pessoas religiosamente indiferentes e as Igrejas evangélicas ou néo-pentecostais. Daí a importância de escutar e acolher com abertura e inteligência a Palavra de Deus proposta na liturgia de hoje. Precisamos ultrapassar o muro dos ciúmes e invejas e dar as mãos a tantos grupos e Igrejas que cooperam na superação dos males deste mundo e na construção de um mundo outro e melhor.
A fato narrado pelo evangelho de Marcos traz a questão da inveja e da competição para o centro da nossa espiritualidade. É paradoxal que os mesmos discípulos que resistiam em seguir Jesus pelas vias da compaixão e não haviam conseguido expulsar um espírito mau que amordaçava um jovem (cf. Mc  9,14-29) queiram proibir que outros o façam... “Mestre, vimos um homem que expulsa demônios em teu nome. Mas nós lhe proibimos, porque não nos segue.” Parece que eles querem manter o monopólio do exorcismo, e desejavam que todos seguissem a eles, os discípulos oficiais, e não o próprio Jesus...
A resposta de Jesus à tortuosa e inoportuna iniciativa dos discípulos chama à abertura e à colaboração ecumênica: “Não lhe proíbam, pois ninguém faz um milagre em meu nome e depois pode falar mal de mim. Quem não está contra nós, está a nosso favor.” Quem tem um coração grande, um olhar abrangente e uma fé confiante não imagina estar cercado de concorrentes por todo lado. Só uma mente imatura e institucionalizada pode se mostrar incapaz de reconhecer o bem que outros fazem e alimentar o desejo de que todos peçam sua aprovação para tomar qualquer iniciativa.
Por que esta incapacidade de muitos de nós em respeitar, valorizar e cooperar com as demais Igrejas cristãs? Será que aquilo que temos em comum não é mais importante que as picuinhas que nos diferenciam? Se eles estão a favor do Evangelho e de Jesus Cristo, poderiam estar contra nós? É também passado o tempo de ver nas iniciativas e projetos sociais o gérmen da discórdia e do confronto. Projetos que nascem fora das sacristias e sem as bênçãos eclesiásticas podem trazer a secreta marca do Espírito de Deus e realizar um bem enorme à humanidade. O Vaticano II ensina que o Espírito de Deus dirige o movimento da história e é a fonte dos anseios de liberdade e solidariedade.
Jesus enfrenta corajosamente este e outros problemas, vividos pelas comunidades cristãs de ontem e de hoje. Sob a pressão da perseguição, alguns abandonavam o Evangelho, o que era uma pedra de tropeço que afastava muitos outros ‘pequeninos’. O corpo eclesial tinha membros que escandalizavam os outros. E a proposta de Jesus é vigilância e firmeza. É melhor ser uma comunidade pequena e coerente que uma multidão, cheia de contradições. Ela não pode limitar ou perder sua missão de ser sal, de fazer a diferença. As traições e incoerências precisam ser evitadas, cortadas e queimadas.
Hoje, uma destas contradições que escandalizam os pequeninos é o acúmulo de riquezas à base de relações injustas. A riqueza acumulada e subtraída ao serviço do bem-estar da humanidade é sempre injusta, e não importa se pertence a comunidades, paróquias, dioceses, congregações ou Igrejas. Precisamos ter a coragem de implantar na Igreja uma economia que viabilize e visibilize a solidariedade entre comunidades, movimentos, paróquias, dioceses e Congregações. Sem isso, estaremos tolerando uma traição que continuará escandalizando e provocando sofrimento.
São Tiago enfrenta esta questão com palavras muito duras. Dirgindo-se aos ricos ele diz: “Suas riquezas estão podres, suas roupas foram roídas pelas traças. O ouro e a prata de vocês estão enferrujados, e a ferrugem deles será testemunha contra vocês, e como fogo lhes devorará a carne.” A questão não é a riqueza em si mesma, mas o modo injusto de consegui-la: “Vejam: os salários dos trabalhadores que fizeram a colheita nos campos de vocês; retido por vocês, este salário clama, e os protestos dos cortadores chegaram aos ouvidos do Senhor...”
Jesus de Nazaré, coração sem fronteiras e Palavra que liberta e constrói relações ecumênicas e inclusivas: fecunda nossas palavras e ações com teu Espírito, a fim de que alcancemos a sabedoria que nos ajuda a cumprir nossa missão no respeito, no apreço e na coorperação com aqueles que crêem diversamente e cumprem, mesmo sem saber, tua vontade santa e libertadora. Ajuda-nos a administrar nossos bens segundo os princípios do dom e pela gratuidade, e não sob a regência do acúmulo e da indiferença. E que nossas contradições não sejam pedras nas quais os pequenos tropeçam. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Livro dos Números 11,25-29 * Salmo 18B (19B) * Carta de Tiago 5,1-6 * Evangelho de São Marcos 9,38-48)

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Quem é o maior?

DUAS ATITUDES MUITO DE JESUS

O grupo de Jesus atravessa a Galileia a caminho de Jerusalém. Fazem-no de forma reservada, sem que ninguém saiba. Jesus quer dedicar-se inteiramente a instruir os Seus discípulos. É muito importante o que quer gravar nos seus corações: o seu caminho não é um caminho de glória, êxito e poder. É o contrário: conduz à crucifixão e à rejeição, apesar de que terminará em ressurreição.
Aos discípulos não lhes entra na cabeça o que lhes diz Jesus. Dá-lhes medo até perguntar-Lhe. Não querem pensar na crucifixão. Não entra nos seus planos nem expectativas. Enquanto Jesus lhes fala de entrega e da cruz, eles falam das suas ambições: Quem será o mais importante do grupo? Quem ocupará o posto mais elevado? Quem receberá mais honras?
Jesus «senta-se». Quer ensinar-lhes algo que nunca hão de se esquecer. Chama os Doze, os que estão mais estreitamente associados à Sua missão e convida-os a que se aproximem, pois vê-os muito distanciados Dele. Para seguir os Seus passos e parecer-se a Ele têm de aprender duas atitudes fundamentais.
Primeira atitude: «Quem queira ser o primeiro, que seja o último de todos e servidor de todos». O discípulo de Jesus tem de renunciar às ambições, cargos, honras e vaidades. No Seu grupo ninguém está acima dos outros. Pelo contrário, há de ocupar o último lugar, colocar-se ao nível de quem não tem poder nem ostenta categoria alguma. E, desde aí, ser como Jesus: «servidor de todos».
A segunda atitude é tão importante que Jesus a ilustra com um gesto simbólico profundo. Coloca uma criança no meio dos Doze, no centro do grupo, para que aqueles homens ambiciosos se esqueçam de honras e grandezas, e ponham os seus olhos nos pequenos, os débeis, os mais necessitados de defensa e cuidado. Logo, os abraça e lhes diz: «O que acolhe a uma criança como esta em Meu nome, acolhe-me a Mim». Quem acolhe um «pequeno» está acolhendo o «maior», a Jesus. E quem acolhe a Jesus está acolhendo o Pai que O enviou.
Um Igreja que acolhe os pequenos e indefesos está ensinando a acolher a Deus. Uma Igreja que olha para os grandes e se associa com os poderosos da terra está pervertendo a Boa Nova de Deus anunciada por Jesus.

José Antonio Pagola

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

VIGÉSIMO-QUINTO DOMINGO DO TEMPO COMUM (ANO B – 20.09.2015)

Que Palavra vocês andam escutando no caminho?

Sintonizados com a proposta da Igreja do Brasil, continuamos celebrando o mês da Bíblia. É com os pés neste chão que acolhemos e escutamos o Evangelho de hoje. Um pouco antes da cena evangélica que nos é oferecida à reflexão, alguns discípulos haviam visto Jesus totalmente transfigurado ouvido uma voz que lhes pedia que escutassem o que ele estava lhes dizendo. Por sua vez, a multidão acorria a Jesus, impressionada pela cura de um menino mudo. É neste contexto que Jesus, voltando para a Galiléia, não quer que ninguém saiba para onde vai, “porque estava ensinando seus discípulos”.
A difícil arte de formar seus discípulos e discípulas ocupa Jesus inteiramente. Eles haviam fracassado na tentativa de curar um menino mudo. Faltava-lhes a abertura e a confiança em Deus, cultivadas especialmente na oração. Os evangelhos testemunham que os discípulos só sabiam confiar em si mesmos e corriam atrás de ações poderosas e lugares de honra. Por mais que Jesus insistisse, os eles não conseguiam admitir e reconhecer um Messias marcado pela humana vulnerabilidade, que não buscasse acima de tudo o sucesso e que, inclusive, poderia padecer a morte.
Por isso, Jesus repete o ensinamento que ouvimos no domingo passado: “O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens, e eles o matarão. Mas, quando estiver morto, depois de três dias ele ressuscitará.” Mas parece que o resultado não foi muito animador. “Os discípulos não compreendiam o que Jesus estava dizendo.” E o pior, “tinham medo de fazer perguntas”. É o medo de enfrentar a verdade, de descobrir as exigências do caminho que leva à vida plena. Ser como criança, partilhar a condição dos desprezados e marginalizados parece algo monstruoso e proovoca medo.
O mais impressionante é que, além de não compreender os repetidos anúncios da rejeição e da humilhação e de demonstrar medo de perguntar, os discípulos se envolvem com outras questões complicadas. Jesus está atento às conversas de estrada, e quando chegam em casa, em Cafarnaum, pergunta-lhes: “Sobre o que vocês estavam discutindo no caminho?” Ninguém se atreve a dizer que discutiam sobre qual deles seria o maior. Ser o primeiro e o maior é a única questão que interessa àquele grupo de discípulos e discípulas que segue Jesus aos trancos e barrancos.
E é infelizmente isso que ainda hoje guia a maioria das nossas escolas e até seminários. Será que não é isso também o que muitos pais e mães sonham para seus filhos e filhas? E não é a busca de uma vida bem-sucedida, o sonho de ser um padre pop-star ou de ser agraciado com a mitra episcopal que anima muitos dos nossos vocacionados e religiosos? Para muita gente, a fé, o trabalho, o estudo, a disciplina e os relacionamentos valem enquanto contribuem para este objetivo. O próprio nome de Deus acaba sendo subordinado a este fim e se torna um ídolo ou um amuleto...
O apóstolo Tiago percebe que na sua comunidade existe “ciúme amargo e espírito de rivalidade”, uma pretensa sabedoria rasteira e animalesca. Ele sabe que isso nada tem a ver com a sabedoria cristã, que é pacífica, humilde, misericordiosa, alheia a discriminações hipocrisias. Por isso, atento às competições que ferem a comunidade cristã nas suas entranhas, pergunta: “De onde surgem os conflitos e competições que existem entre vocês? Vocês cobiçam, e não possuem; então matam. Vocês têm inveja e não conseguem nada; então lutam e fazem guerra.” Todos sabemos muito bem o que é isso...
Não é essa a perspectiva proposta e trilhada por Jesus Cristo. É importante que levemos a sério as lições daquele que chamamos de mestre e senhor. No clima aconchegante da casa em Cafarnaum ou no ambiente sereno das nossas igrejas, Jesus desmascara nossas aspirações de poder, coloca um fim às nossas discussões sobre quem é o maior. Insistindo que o seu caminho passa pela rejeição e recorrendo ao símbolo das crianças, Jesus aponta claramente para outra direção.  “Se alguém quer ser o primeiro, deverá ser o último, e ser aquele que serve a todos.” Mas, para quem só tem olhos para a celebridade e para o sucesso, isso parece absolutamente chocante...
Jesus de Nazaré, filho do homem, tu compartilhas conosco a origem e o destino. Devemos dizer com sinceridade que tua Palavra e tuas opções também desconcertam a nós, envolvidos que estamos em disputas fratricidas e desjos inconfessáveis. Mas aqui estamos de novo, diante de ti, porque tua Palavra é a única que merece credibilidade, e a vida gratuita e solidariamente doada é a única que vale a pena. Não leves em conta as conversas desajuizadas e pouco evangélicas que vicejam nos galpoões e CTG’s, e até em alguns grupos eclesiais, e juda-nos a entender a lição da criança! Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Livro da Sabedoria 2,12-20* Salmo 53 (54) * Carta de S. Tiago 3,16-4,3 * Evangelho de São Marcos 9,30-37)

domingo, 13 de setembro de 2015

RICARDO LEWANDOWSKI, sem comentarios!...

Judicatura e dever de recato
É antigo nos meios forenses o adágio segundo o qual juiz só fala nos autos. A circunspecção e discrição sempre foram consideradas qualidades intrínsecas dos bons magistrados, ao passo que a loquacidade e o exibicionismo eram –e continuam sendo– vistos com desconfiança, quando não objeto de franca repulsa por parte de colegas, advogados, membros do Ministério Público e jurisdicionados.
A verbosidade de integrantes do Poder Judiciário, fora dos lindes processuais, de há muito é tida como comportamento incompatível com a autocontenção e austeridade que a função exige.
O recato, a moderação e mesmo a modéstia são virtudes que a sociedade espera dessa categoria especial de servidores públicos aos quais atribuiu o grave múnus de decidir sobre a vida, a liberdade, o patrimônio e a reputação das pessoas, conferindo-lhes as prerrogativas constitucionais da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos para que possam exercê-lo com total independência.
O Código de Ética da Magistratura, consubstanciado na Resolução 60, de 2008, do Conselho Nacional de Justiça, consigna, logo em seu artigo 1º, que os juízes devem portar-se com imparcialidade, cortesia, diligência, integridade, dignidade, honra, prudência e decoro.
A incontinência verbal pode configurar desde uma simples falta disciplinar até um ilícito criminal, apenada, em casos extremos, com a perda do cargo, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.
A Lei Complementar nº 35, de 1979, estabelece, no artigo 36, inciso III, que não é licito aos juízes "manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos ou em obras técnicas ou no exercício do magistério".
O prejulgamento de uma causa ou a manifestação extemporânea de inclinação subjetiva acerca de decisão futura, nos termos do artigo 135, V, do Código de Processo Civil, caracteriza a suspeição ou parcialidade do magistrado, que permitem afastá-lo da causa por demonstrar interesse no julgamento em favor de alguma das partes.
Por mais poder que detenham, os juízes não constituem agentes políticos, porquanto carecem do sopro legitimador do sufrágio popular. E, embora não sejam meros aplicadores mecânicos da lei, dada a ampla discricionariedade que possuem para interpretá-la, não lhes é dado inovar no ordenamento jurídico.
Tampouco é permitido que proponham alterações legislativas, sugiram medidas administrativas ou alvitrem mudanças nos costumes, salvo se o fizerem em sede estritamente acadêmica ou como integrantes de comissões técnicas.
Em países civilizados, dentre eles o Brasil, proíbe-se que exerçam atividades político-partidárias, as quais são reservadas àqueles eleitos pelo voto direto, secreto e universal e periódico. Essa vedação encontra-se no artigo 95, parágrafo único, inciso III, da Constituição.
Com isso, não só se impede sua filiação a partidos como também que expressem publicamente as respectivas preferências políticas. Tal interdição mostra-se ainda mais acertada porque os magistrados desempenham, ao par de suas relevantes atribuições, a delicada tarefa de arbitrar disputas eleitorais.
O protagonismo extramuros, criticável em qualquer circunstância, torna-se ainda mais nefasto quando tem o potencial de cercear direitos fundamentais, favorecer correntes políticas, provocar abalos na economia ou desestabilizar as instituições, ainda que inspirado na melhor das intenções.
Por isso, posturas extravagantes ou ideologicamente matizadas são repudiadas pela comunidade jurídica, bem assim pela opinião pública esclarecida, que enxerga nelas um grave risco à democracia.
RICARDO LEWANDOWSKI

(67, professor titular da Faculdade de Direito da USP, é presidente do STF - Supremo Tribunal Federal e do CNJ - Conselho Nacional de Justiça)

FESTA DA EXALTAÇÃO DA SANTA CRUZ (ANO B – 14.09.2015)

A loucura de Deus é mais sábia que os homens...

À primeira vista, parece mau gosto exaltar a cruz: ela lembra sofrimento, peso, morte, violência. Não dá pra esquecer que a cruz era o instrumento mediante o qual o império romano torturava e aplicava a pena de morte aos rebeldes políticos e aos escravos fugitivos, e que, na cruz, foi torturado e executado Jesus de Nazaré, a quem chamamos Cristo. Mas, desde esse fato, ocorrido mais ou menos no ano 30 da era cristã, sem perder suas marcas violentas, a cruz adquiriu um sentido novo: nela o próprio Deus padeceu solidariamente e selou uma nova e eterna aliança com a humanidade; nela o amor de Deus alcançou o inalcançável e se tornou irreversível.
Do ponto de vista da liturgia católica, a semana que vai de 13 a 20 de setembro é interessante: celebramos a exaltação da cruz no dia 14; fazemos memória de Nossa Senhora e suas dores ao pé da cruz no dia 15; recordamos Nossa Senhora da Salette e suas lágrimas no dia 19. Começamos com a glória da cruz, passamos pelas dores assumidas de forma humana e solidária e termimanos com as luminosas lágrimas da compaixão. Estas celebrações adquirem seu sentido cristão e libertador somente quando são relacionadas com a vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo.
Para o império romano, a cruz era um sinal inequívoco de condenação de quem era considerado rebelde e perigoso. Para os judeus, era o sinal trágico da maldição e do abandono por parte de Deus, um escândalo para a fé. Mas, para os cristãos de todas as denominações, é a memória de Jesus, a prova irrefutável do amor de Deus. “Deus amou de tal forma o mundo que entregou seu filho único para que todo o que nele acredita não morra, mas tenha a vida eterna.” No amor do Filho está o amor do Pai. A cruz imposta ao Filho é carregada também pelo Pai, que chega à forma extrema do amor.
À luz do que aconteceu com Jesus Cristo, o sentido da cruz não pode jamais ser a afirmação de um poder nem um apelo à submissão. Antes, é memória acusatória da violência dos poderes instituídos e convite à resistência profética frente às instituições que oprimem. Exaltamos a cruz porque nela o amor de Deus pela humanidade superou todas as possibilidades. Recordamos Nossa Senhora das Dores para ressaltar sua solidariedade e presença junto às pessoas que sofrem. Celebramos Nossa Senhora da Salette para não esquecer que a verdadeira beleza está na compaixão.
No hino da carta de Paulo aos Filipenses, a comunidade cristã sublinha que Jesus Cristo não se apegou a privilégios nem hierarquias: apresentou-se como simples pessoa humana, sem nenhum título; assumiu o lugar dos últimos, dos escravos; não fugiu diante da ameaça da morte violenta e desceu ao inferno mais profundo, escuro e degradante. E ele não percorreu esse caminho por razões filosóficas ou ascéticas, mas por causa do amor compassivo e soliário pelos mais frágeis e desprezados dos filhos de Deus. O amor esvazia, aproxima, trata o outro como igual, suscita e sustenta o serviço.
Na cruz contemplamos a glória de Deus, a expressão máxima de sua pró-existência, do seu amor. A glorificação não é uma subida posterior à descida, uma plenitude posterior ao esvaziamento, mas a própria descida e o próprio vazio solidários. A exaltação de Jesus é sua crucifixão. Sem isso, a ressurreição teria sido indigna de Deus, pois seria a afirmação de poderes e privilégios. Na cruz, Deus que grita silenciosamente: “Eu não condeno ninguém! Eu amo cada uma das minhas criaturas, e meu amor não tem limites. Todos são meus filhos e filhas, e jamais perderão essa dignidade!”
É por isso que, diante de um dinamismo e de um evento tão maravilhoso e emancipador, caímos de joelhos. E não porque nos sintamos humanamente anulados, mas porque intuímos que estamos diante do que há de mais belo, profundo e verdadeiro a respeito de nós mesmos. Jesus é a realização plena daquilo que somos chamados a ser. Nele, não existe pobre e proscrito que não possua dignidade. Esse homem semelhante a nós, esvaziado e solidário, servo e crucificado, é Senhor porque nenhum outro merece nossa adesão, nenhum outro pode dar-nos lições que libertam e constroem.
Jesus de Nazaré, Deus despojado de todo poder e privilégio, homem elevado à cruz por compaixão solidária! Que o sinal da cruz que fazemos frequentemente, relacionando a cruz com o nome de Deus tri-uno, seja sempre carregado do seu sentido cristão: o propósito de pautar nossa vida e nossas decisões pela compaixão e pelo serviço, marcas registradas da tua existência e glória dos homens e mulheres livres. Que o sinal da cruz diga a nós mesmos e a quem quiser entender que é por esse caminho que a humanidade garantirá liberdade e vida para todos. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Livro dos Números 21,4-9 * Salmo 77 (78) * Carta aos Filipenses 2,6-11 * Evangelho de São João 3,13-17)

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Quem é este homem?

RECONHECER EM JESUS O CRISTO

O episódio ocupa um lugar central e decisivo no relato de Marcos. Os discípulos levam já algum tempo convivendo com Jesus. Chegou o momento em que se têm de pronunciar com claridade. A quem estão seguindo? Que é que descobrem em Jesus? Que captam nas suas vidas, a Sua mensagem e o Seu projeto?
Desde que se uniram a Ele, vivem interrogando-se sobre a Sua identidade. O que mais os surpreende é a autoridade com que Lhes fala, a força com que cura os doentes e o amor com que oferece o perdão de Deus aos pecadores. Quem é este homem em quem sentem tão presente e tão próximo a Deus como Amigo da vida e do perdão?
Entre as pessoas que não conviveram com Ele correm variados rumores, mas a Jesus interessa-lhe a posição dos Seus discípulos: «E vós, quem dizeis que Eu sou?». Não basta que entre eles haja opiniões diferentes mais ou menos acertadas. É fundamental que os que se comprometeram com a Sua causa, reconheçam o mistério que se encerra Nele. Se não é assim, quem manterá vivo a Sua mensagem? Que será do Seu projeto de reino de Deus? Em que terminará aquele grupo que está tratando de pôr em marcha?
Mas a questão é vital também para os Seus discípulos. Afeta-os radicalmente. Não é possível seguir Jesus de forma inconsciente e ligeira. Têm de o conhecer cada vez com mais profundidades. Pedro, recolhendo as experiências que viveram junto a Ele até esse momento, responde-Lhe em nome de todos: «Tu és o Messias».
A confissão de Pedro é todavia limitada. Os discípulos não conhecem ainda a crucificação de Jesus às mãos dos Seus adversários. Não podem nem suspeitar que será ressuscitado pelo Pai como Filho amado. Não conhecem experiências que lhes permitam captar tudo o que se encerra em Jesus. Só seguindo de perto, o irão descobrindo com fé crescente.
Para os cristãos é vital reconhecer e confessar cada vez com mais profundidade o mistério de Jesus o Cristo. Se se ignora a Cristo, a Igreja vive ignorando-se a si mesma. Si não O conhece, não pode conhecer o mais essencial e decisivo da Sua tarefa e missão. Mas, para conhecer e confessar a Jesus Cristo, não basta encher a nossa boca com títulos cristológicos admiráveis. É necessário segui-lo de perto e colaborar com Ele dia a dia. Esta é a principal tarefa que temos de promover nos grupos e comunidades cristãs.
José Antônio Pagola

http://www.gruposdejesus.com/24-tempo-ordinario-b-marcos-827-35-2/

Quem é Jesus para voce?

Como seguir Jesus? (Mc 8,27-35)

Esta reflexão descreve a cegueira de Pedro que não entende a proposta de Jesus quando este fala do sofrimento e da cruz. Pedro aceita Jesus como messias, mas não como messias sofredor. Ele está influenciado pela propaganda do governo da época que só falava do messias como rei glorioso. Pedro parecia cego. Não enxergava nada e ainda queria que Jesus fosse como ele, Pedro, o queria. Vamos conversar sobre isto!
SITUANDO
No início deste quarto bloco estão a cura de um cego (Mc 8,22-26), o anúncio da cruz e a explicação do seu significado para a vida dos discípulos (Mc 8, 27 a 9,1). A cura do cego foi difícil. Jesus teve que realizá-la em duas etapas. Igualmente difícil foi a cura da cegueira dos discípulos. Jesus teve que fazer uma longa explicação a respeito do significado da cruz para ajudá-los a enxergar, pois era a cruz que estava provocando neles a cegueira.
Nos anos 70, quando Marcos escreveu, a situação das comunidades não era fácil. Havia muito sofrimento, muitas cruzes. Seis anos antes, em 64, o imperador Nero tinha decretado a primeira grande perseguição, matando muitos cristãos. Em 70, na Palestina, Jerusalém estava sendo destruída pelos romanos. Nos outros países, estava começando uma tensão forte entre judeus convertidos e judeus não-convertidos. A dificuldade maior era a cruz de Jesus. Os judeus achavam que um crucificado não podia ser o messias tão esperado pelo povo, pois a lei afirmava que todo crucificado devia ser considerado como um maldito de Deus (Dt 21,22-23).
COMENTANDO
Marcos 8, 27-30: VER - levantamento da realidade
Jesus perguntou: ''Quem diz o povo que eu sou?'' Eles responderam relatando as várias opiniões do povo: ''João Batista'', ''Elias ou um dos profetas''. Depois de ouvir as opiniões dos outros, Jesus perguntou: ''E vocês, quem dizem que eu sou?'' Pedro respondeu: ''Tu és o Cristo, o Messias''. Isto é, és aquele que o povo está esperando. Jesus concordou com Pedro, mas proibiu de falar sobre isso ao povo. Por que Jesus proibiu? É que naquele tempo, todos esperavam a vinda do messias, mas cada um do seu jeito: uns como rei, outros como sacerdote, doutor, guerreiro, juiz ou profeta. Ninguém parecia estar esperando o messias servidor, anunciado por Isaías (Is 42,1-9).
Marcos 8,31-33: JULGAR - esclarecendo a situação - primeiro anúncio da paixão
Jesus começa a ensinar que ele é o Messias Servidor e afirma que, como o Messias Servidor anunciado por Isaías, será preso e morto no exercício da sua missão de justiça. Pedro leva um susto, chama Jesus de lado para desaconselhá-lo. E Jesus responde a Pedro: ''Vá embora, Satanás''. Você não pensa as coisas de Deus, mas as dos homens''. Pedro pensava ter dado a resposta certa. De fato, ele disse a palavra certa ''Tu és o Cristo''. Mas não lhe deu o sentido certo. Pedro não entendeu Jesus. Era como o cego de Betsaida. Trocava gente por árvore. A resposta de Jesus foi duríssima ''Vá embora, Satanás''. Satanás é uma palavra hebraica que significa acusador, aquele que afasta os outros do caminho de Deus. Jesus não permite que alguém o afaste da sua missão.
Marcos 8, 34-47 - AGIR - condições para seguir
Jesus tira as conclusões que valem até hoje. “Quem quiser vir após mim tome sua cruz e siga-me.” Naquele tempo, a cruz era a pena de morte que o Império Romano impunha aos marginais. Tomar a cruz e carregá-la atrás de Jesus era o mesmo que aceitar ser marginalizado pelo sistema injusto que legitimava a injustiça. A cruz não é fatalismo, nem é exigência do Pai. A cruz é a consequência do compromisso livremente assumido por Jesus de revelar a Boa Nova de que Deus é Pai e que, portanto, todos e todas devem ser aceitos e tratados como irmãos e irmãs. Por causa deste anúncio revolucionário, ele foi perseguido e não teve medo de dar a sua vida. Prova de amor maior não há que doar a vida pelo irmão.
Mercedes Lopes

http://www.cebi.org.br/noticias.php?secaoId=1&noticiaId=5938

VIGÉSIMO-QUARTO DOMINGO DO TEMPO COMUM (ANO B – 13.09.2015)

Que Deus abra nossos ouvidos à  sua Palavra ,todos os dias!

Em pleno mês dedicado à Palavra de Deus, somos convidados a dizer, como o profeta Isaías: “O Senhor Javé abriu os meus ouvidos e eu não fiz resistência nem recuei.” Na estrada longa e bela estrada do discipulado, precisamos pedir a cada manhã que o Senhor abra nossos ouvidos e que sejamos capazes de acolher sua Palavra e fazer dela a luz dos nossos passos, mesmo quando ela nos indica rumos e práticas deveras exigentes. É dessa escuta atenta, inteligente e despojada que pode brotar um anúncio correto e uma prática coerente. Então o ouvinte se torna testemunha e mensageiro.
Os discípulos atravessam com Jesus a região de Cesaréia de Filipe, lugar-símbolo da submissão de Herodes ao imperador romano e da capitulação frente à cultura grega. Nesta travessia, Jesus os provoca a fazerem uma avaliação da sua pessoa e sua missão. “Quem dizem os homens que eu sou?” Segundo os discípulos, as resposta coincidem no reconhecimento de Jesus como profeta: “Alguns dizem que tu és João Batista; outros, que és Elias; outros ainda, que és um dos profetas.” Mas Jesus não se satisfaz com respostas simplesmente ouvidas e relatadas, e pede o que os próprios discípulos pensam dele, que lugar ocupa na vida deles. “E vós, quem dizeis que eu sou?”
A resposta a esta pergunta não pode ser teórica. Crer em Jesus significa aceitá-lo como definidor das nossas relações e como elemento fundamental na construção da sociedade. É muito mais que aceitar de forma resignada e inconsequente alguns conteúdos religiosos. Alguns pregadores lamentam que hoje as pessoas crêem em Jesus Cristo mas não aceitam a Igreja. Será que não é pior aceitar e defender a Igreja sem crer de forma consequente na pessoa e na prática de Jesus? São Tiago pergunta: “Que adianta alguém dizer que tem fé quando não a põe em prática?”
Parece que a pergunta direta de Jesus provocou nos discípulos um calafrio geral. Pedro responde em nome de todos: “Tu és o Messias, o Cristo.” A resposta é formalmente correta, mas nela há algo de errado ou perigoso, pois Jesus os “proibiu severamente” que eles falassem a respeito dele. Parace que a profissão de fé de Pedro está enredada nas malhas do triunfalismo e numa imagem de um Deus que se caracteriza pelo poder. Esta resposta não dá conta da complexa identidade de Jesus, que é irmão, servo e profeta, cordeiro de Deus, filho do homem, etc.
Por isso, Jesus censura nossas fantasias de sucesso e de poder e, ao mesmo tempo, fala abertamente que o Filho do Homem deve sofrer muito, e experimentar a rejeição e a morte. Ele substitui o título de Messias por “filho do homem”, vinculando-se assim profundamente à humanidade e suas aspirações. Enquanto a idéia messiânica de Pedro contém necessariamente o triunfo e o nacionalismo, o caminho assumido por Jesus leva ao confronto político com a ordem estabelecida e à rejeição. O sofrimento, que ele prevê, é o custo da luta da sua humanização e não uma espécie de capricho de Deus.
Aceitar isso não é coisa fácil, nem para Pedro nem para nós, tanto que Pedro levou Jesus para um lado e começou a repreendê-lo, revelando sua incapacidade de aceitar o caminho de compaixão e serviço a dificuldade de passar das declarações ortodoxas para as práticas consequentes. “A fé, se não se traduz em obras, por si só está morta”, dirá mais tarde o discípulo Tiago. E as obras geradas no fecundo ventre da fé são conhecidas: compaixão, solidariedade, serviço, humildade. Numa palavra: as obras da fé são o amor vivido como afirmação e defesa da dignidade do próximo!
Marcos diz que Jesus reagiu olhando para os discípulos e repreendendo Pedro. Para Jesus, Pedro estava agindo como tentador e divisor, com mentalidade limitada e sectarista. E quem pensa e age assim é porta-voz do Satanás, rejeita a Palavra de Deus e se apega às tradições humanas (cf. Mc 7,1-13). Por isso, em pleno território da bajulação e da subserviência, Jesus esclarece: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga. Pois quem quiser salvar sua a sua vida vai perdê-la; mas quem perde sua vida por causa de mim e da Boa Notícia, vai salvá-la.”
Jesus, força de Deus na fragilidade humana, Palavra divina nas tramas da história, mestre do serviço num mundo de senhores e senhoras. Sustenta e corrige nosso desejo de receber teu batismo, de enfrentar os rechaços e de seguir teus passos. Ajuda-nos a negar nossos interesses egoítas para não renegarmos a ti, fonte de vida sem limites. Convence-nos de que salvar nossa própria vida é um mau investimento, e que arriscá-la pelo teu Reino nos assegura o que há de bom e que realmente necessitamos. Abre hoje nossos ouvidos à tua santa Palavra, e não nos deixes voltar para trás. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Profeta Isaías 50,5.9 * Salmo 114 (116A) * Carta de Tiago 2,14-18 * Evangelho de São Marcos 8,27-35)

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

FESTA DA NATIVIDADE DE NOSSA SENHORA (ANO B – 08.09..2015)

Maria, filha do seu povo, é bendita entre as mulheres!
Procissão de Nossa Senhora em Nazaré, na Galiléia (maio de 2013)

A festa de hoje lembra o nascimento de Maria de Nazaré. É a celebração do aniversário de Maria! E isso nos lembra que ela nasceu, teve pais, teve infância, cresceu, fez escolhas, casou, viveu a fé no interior da fé do seu povo. A seu modo, Maria também foi discípula do filho que educou. Por isso, a festa da natividade é a festa da humanidade e da normalidade de Maria. Ela não é um ponto desconexo no universo da fé, não aparece como uma espécie de meteoro, sem origem e sem concretude. Maria não faz parte dos entes extra-terrestres, tão a gosto de piedades ultrapassadas e mitos requentados.
Sabemos muito pouco sobre a vida de Maria. Os evangelhos falam pouco dela. Tudo o que nos é dado saber está orientado à compreensão do mistério e da missão do fruto do seu ventre. E isso não é propriamente um problema, pois a ênfase desequilibrada na relevância das biografias individuais não passa de um doce e ilusório mito moderno. Somos o que somos pelas relações que vivemos – aquelas que nos antecedem e nos deram à luz e à vida e aquelas que estabelecemos por livre escolha! –, porque fazemos parte de um povo, porque assumimos uma missão na arena pública.
A liturgia da Palavra da festa de hoje nos convida a imaginar e situar Maria de Nazaré na história do seu povo e na história desencadeada por Jesus. É a busca de uma espécie de duplo nascimento! Com a ajuda de uma releitura do profeta Miquéias, a Igreja nos convida a situar o parto que deu Maria à luz no horizonte das esperanças messiânicas do povo hebreu, desterrado e humilhado. Seu nascimento coincide com sua maternidade. Maria nasce quando, mediante o filho que nasce do seu ventre, os povos irmãos se reconciliam e procuram reencontrar e conservar a paz.
Com o auxílio do evangelho de Mateus, fazendo bom uso da genealogia – esta espécie de documento de cidadania marcadamente patriarcal e excludente – somos levados a situar Maria de Nazaré na ambivalente história do povo hebreu. Numa árvore genealógica onde só aparecem homens, o nome e a memória de Maria se junta a outras quatro mulheres que rompem com esta exclusividade: Raab, Tamar, Rute, a mulher de Urias. Aos olhos da cultura e da religião hegemônicas elas eram estrangeiras, pagãs, prostitutas, simples peças sem autonomia e sem dignidade; aos olhos de Deus, são sujeitos privilegiados e escolhidos para conduzir à história à sua plenitude.
Mesmo na segunda parte do relato de Mateus, Maria de Nazaré só aparece na condição de esposa de José e de Mãe de Jesus. Sua condição de mediação do Espírito Santo a coloca em situação de risco e vulnerabilidade: poderia ser abandonada e denunciada publicamente. É a escuta da Palavra e o discernimento dos incríveis caminhos de Deus que levam José a perder o medo e a vergonha de acolher Maria como esposa, pois ela, como uma nova arca da aliança, gerou no seu ventre e acolheu no seu corpo aquele no qual Deus vem viver conosco.
Na festa do aniversário de Maria, e à luz deste relato de Mateus, podemos até ousar uma pequena complementação à alegre e profética proclamação de Isabel por ocasião da visita de Maria de Nazaré. Maria não é apenas bendita entre as mulheres, mas também abençoada e bendita com as mulheres, de modo especial, com o grupo de mulheres que, mesmo ostentando as feridas do anonimato e da exclusão imposta por um mundo e uma religião de homens, escrevem páginas magníficas e abrem caminhos absolutamente indispensáveis à realização da libertadora vontade de Deus na história.
Evitemos dar asas a uma imaginação pueril, obsecada pela busca de informações sobre o nascimento, a infância e a ‘vida privada’ de Maria. Este desejo, além de ser infantil, é também fadado ao fracasso e ao ridículo. Recordando o nascimento e festejando o aniversário de Maria de Nazaré – uma mulher entre as mulheres, a esposa de José, a mãe de Jesus, a primeira discípula e mãe dos crentes – celebremos a humanidade concreta e a normalidade daquela que nossa piedade um pouco exagerada corre o risco de transformar em um ser misterioso e mitológico, sem carne, sem relações e sem história.
A ti dirigimo-nos, Maria de Nazaré, neste dia em que, um pouco contra tua vontade, recordamos o aniversário do teu nascimento. Ensina-nos a valorizar agradecidos o nosso próprio nascimento, este fato que nos diz que somos um dom, que fomos dados à luz. Ajuda-nos a viver nossa humanidade num tecido de relações, inseridos na controversa história do nosso povo. E acompanha-nos na bela aventura de assimilar o Evangelho do teu filho, seguindo seus passos, participando da sua missão, descendo aos infernos onde tantos padecem a exclusão, e ressurgindo com eles para a vida. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Profeta Miquéias 5,1-4 * Salmo 70 (71) * Carta aos Hebreus 10,4-10 * Evangelho de São Mateus 1,1-23)