segunda-feira, 7 de setembro de 2015

FESTA DA NATIVIDADE DE NOSSA SENHORA (ANO B – 08.09..2015)

Maria, filha do seu povo, é bendita entre as mulheres!
Procissão de Nossa Senhora em Nazaré, na Galiléia (maio de 2013)

A festa de hoje lembra o nascimento de Maria de Nazaré. É a celebração do aniversário de Maria! E isso nos lembra que ela nasceu, teve pais, teve infância, cresceu, fez escolhas, casou, viveu a fé no interior da fé do seu povo. A seu modo, Maria também foi discípula do filho que educou. Por isso, a festa da natividade é a festa da humanidade e da normalidade de Maria. Ela não é um ponto desconexo no universo da fé, não aparece como uma espécie de meteoro, sem origem e sem concretude. Maria não faz parte dos entes extra-terrestres, tão a gosto de piedades ultrapassadas e mitos requentados.
Sabemos muito pouco sobre a vida de Maria. Os evangelhos falam pouco dela. Tudo o que nos é dado saber está orientado à compreensão do mistério e da missão do fruto do seu ventre. E isso não é propriamente um problema, pois a ênfase desequilibrada na relevância das biografias individuais não passa de um doce e ilusório mito moderno. Somos o que somos pelas relações que vivemos – aquelas que nos antecedem e nos deram à luz e à vida e aquelas que estabelecemos por livre escolha! –, porque fazemos parte de um povo, porque assumimos uma missão na arena pública.
A liturgia da Palavra da festa de hoje nos convida a imaginar e situar Maria de Nazaré na história do seu povo e na história desencadeada por Jesus. É a busca de uma espécie de duplo nascimento! Com a ajuda de uma releitura do profeta Miquéias, a Igreja nos convida a situar o parto que deu Maria à luz no horizonte das esperanças messiânicas do povo hebreu, desterrado e humilhado. Seu nascimento coincide com sua maternidade. Maria nasce quando, mediante o filho que nasce do seu ventre, os povos irmãos se reconciliam e procuram reencontrar e conservar a paz.
Com o auxílio do evangelho de Mateus, fazendo bom uso da genealogia – esta espécie de documento de cidadania marcadamente patriarcal e excludente – somos levados a situar Maria de Nazaré na ambivalente história do povo hebreu. Numa árvore genealógica onde só aparecem homens, o nome e a memória de Maria se junta a outras quatro mulheres que rompem com esta exclusividade: Raab, Tamar, Rute, a mulher de Urias. Aos olhos da cultura e da religião hegemônicas elas eram estrangeiras, pagãs, prostitutas, simples peças sem autonomia e sem dignidade; aos olhos de Deus, são sujeitos privilegiados e escolhidos para conduzir à história à sua plenitude.
Mesmo na segunda parte do relato de Mateus, Maria de Nazaré só aparece na condição de esposa de José e de Mãe de Jesus. Sua condição de mediação do Espírito Santo a coloca em situação de risco e vulnerabilidade: poderia ser abandonada e denunciada publicamente. É a escuta da Palavra e o discernimento dos incríveis caminhos de Deus que levam José a perder o medo e a vergonha de acolher Maria como esposa, pois ela, como uma nova arca da aliança, gerou no seu ventre e acolheu no seu corpo aquele no qual Deus vem viver conosco.
Na festa do aniversário de Maria, e à luz deste relato de Mateus, podemos até ousar uma pequena complementação à alegre e profética proclamação de Isabel por ocasião da visita de Maria de Nazaré. Maria não é apenas bendita entre as mulheres, mas também abençoada e bendita com as mulheres, de modo especial, com o grupo de mulheres que, mesmo ostentando as feridas do anonimato e da exclusão imposta por um mundo e uma religião de homens, escrevem páginas magníficas e abrem caminhos absolutamente indispensáveis à realização da libertadora vontade de Deus na história.
Evitemos dar asas a uma imaginação pueril, obsecada pela busca de informações sobre o nascimento, a infância e a ‘vida privada’ de Maria. Este desejo, além de ser infantil, é também fadado ao fracasso e ao ridículo. Recordando o nascimento e festejando o aniversário de Maria de Nazaré – uma mulher entre as mulheres, a esposa de José, a mãe de Jesus, a primeira discípula e mãe dos crentes – celebremos a humanidade concreta e a normalidade daquela que nossa piedade um pouco exagerada corre o risco de transformar em um ser misterioso e mitológico, sem carne, sem relações e sem história.
A ti dirigimo-nos, Maria de Nazaré, neste dia em que, um pouco contra tua vontade, recordamos o aniversário do teu nascimento. Ensina-nos a valorizar agradecidos o nosso próprio nascimento, este fato que nos diz que somos um dom, que fomos dados à luz. Ajuda-nos a viver nossa humanidade num tecido de relações, inseridos na controversa história do nosso povo. E acompanha-nos na bela aventura de assimilar o Evangelho do teu filho, seguindo seus passos, participando da sua missão, descendo aos infernos onde tantos padecem a exclusão, e ressurgindo com eles para a vida. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Profeta Miquéias 5,1-4 * Salmo 70 (71) * Carta aos Hebreus 10,4-10 * Evangelho de São Mateus 1,1-23)

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