quinta-feira, 3 de setembro de 2015

VIGÉSIMO TERCEIRO DOMINGO DO TEMPO COMUM (ANO B – 06.09.2015)

A fé em Jesus Cristo não admite a discriminação de pessoas!

Iniciando o mês da Bíblia, somos interpelados a abrir nossos ouvidos a um Deus que continua falando, despertando e conduzindo à vida plena. Não se trata de dar atenção a simples textos, por mais belos e profundos que sejam; o essencial é manter uma relação dialogal com Deus. Mais que adoração e louvor, ele espera de nós escuta e resposta. Que o Senhor abra nossos ouvidos e solte nossa língua, como faz no evangelho de hoje. Não sejamos como os discípulos que, tendo olhos e ouvidos perfeitos, não conseguem ver e ouvir a novidade realizada por Jesus Cristo (cf. Mc 8,18).
A Palavra de Deus nos revela os elementos irrenunciáveis à fé que recebemos da comunidade apostólica. E um deles é o casamento inseparável entre fé e vida. A salvação é a tranformação de uma situação de carência em abundância e vitalidade. Quando uma religião se perverte em pura doutrina ou moral inflexível, se torna uma perigosa faca amolada que ameaça e fere. Quando uma igreja esconde suas próprias contradições, corre o risco de se tornar intolerante, e quando se refugia em intimismos, trai sua vocação humanizadora e acaba fazendo da indiferença uma virtude.
A presença de Deus é dinamismo de mudança, e a Palavra de Deus está ali para testemunhar que ele ouve clamores, conhece sofrimentos, abre os olhos dos cegos e os ouvidos dos surdos, desce para fazer subir, congrega os dispersos, acolhe os desprezados, ressuscita os mortos... O cristianismo não é formol que conserva corpos mortos, mas sementeira na qual germina a vida. Também hoje Jesus quer tocar com sua mão a língua daqueles que falam com dificuldade e curar o ouvido de quem não consegue ouvir os outros. E começa curando nossa dificuldade de escutar e entender sua Palavra...
Marcos nos apresenta Jesus percorrendo caminhos que, para algumas pessoas, parecem estranhos. A região de Tiro, Sidônia e da Decápole era habitada por pagãos. Com a passagem de Jesus brilham novas possibilidades de vida para a filha de uma mulher nascida na Fenícia e para um surdo-mudo anônimo. Não teria Jesus o que fazer entre os seus conterrâneos? Por que desperdiçar tempo e palavras com gente sem importância? Em sua peregrinação no santuário das dores e esperanças humanas, Jesus sempre dá prioridade absoluta aos últimos da escala social, aos pobres e desprezados.
Não falta gente que desejaria excluir da bíblia textos como a carta de São Tiago, que pede que em nossas comunidades  não façamos distinção de pessoas em favor dos ricos e nobres. “Não foi Deus que escolheu os que são pobres aos olhos do mundo para torná-los ricos na fé e herdeiros do Reino que prometeu àqueles que o amam?” Este é um princípio fundamental e uma bela experiência dos primeiros cristãos: a fé em Jesus glorificado não pode admitir distinção de pessoas em benefício dos mais fortes ou considerados nobres. Os critérios do Evangelho são outros...
Acolhendo um pagão doente e necessitado e tocando seus ouvidos e sua língua, Jesus despreza as prescrições religiosas e sanitárias. Ele rompe a distância, toca o doente, o contágio é revertido e o surdo-mudo é curado. Mas Jesus faz questão de não agir sob os refletores e câmaras. Faz o contrário de muitos que hoje, em nome de Jesus, transformam a fé em espetáculo e inventam curas ao vivo e a cores, escarnecendo dos doentes, manipulando a fé do povo necessitado e extorquindo deles os poucos recursos que lhe sobram. E a multidão ficou entusiasmada diante da compaixão de Jesus.
Estamos um pouco como aquele homem que falava com dificuldade. Nossos ouvidos parecem surdos às Palavras que escapam da nossa lógica e questionam nossos interesses. Nossa língua parece presa, especialmente quando se trata de defender os direitos humanos e recriar o Evangelho da liberdade e da humanização. Um nacionalismo anacrônico e anti-evangélico, ativado especialmente na semana da pátria, nos induz perigosamente a imaginar que ser brasileiro significa ser superior e melhor que outros povos. Precisamos que Jesus Cristo toque nossos ouvidos, coloque sua saliva em nossa língua, converta a nossa mente e libere a nossa comunicação.
Jesus, tu és compassivo em tudo o que fazes e verdadeiro em tudo o que dizes. Não podemos calar esta Boa Notícia, mesmo quando seu anúncio traz riscos. Abre nossos ouvidos à tua santa Palavra, para que não desistamos de crer e de esperar o belo e santo dia em que os estropiados dançarão alegremente, a língua dos mudos explodirá numa solene melodia coral e o duro chão das instituições será regado e amolecido pela água benfazeja do teu Evangelho. Que teu corpo e sangue nos alimentem e ajudem a transformar em lavoura e jardim a terra hoje ocupada pelos chacais. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Profeta Isaías 35,4-7 * Salmo 145 (146) * Carta de Tiago 2,1-5 * Evangelho de São Marcos 7,31-37)

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