segunda-feira, 30 de novembro de 2015

A Boa noticia, dia-a-dia: 30, segunda

O Advento é mais espera que caminho. Aliás, é um caminho que o próprio Deus percorre, deixando o céu inacessível para vir ao nosso encontro, assumir nossa carne e nossas buscas. Por isso, mais que que a sair e caminhar, o advento nos convida a acolher Aquele que vem. E quem nos ajuda hoje é André, o discípulo e apóstolo conhecido como irmão de Pedro, o menor, aquele que localizou o menino com cinco pães e dois peixes, aquele que apresentou Jesus ao próprio irmão. Com Pedro, Tiago e João, companheiros de espera e de pesca, ele abre as portas da vida ao jovem galileu, e sua vida nunca mais será a mesma. Com Jesus, ele descobriu que não importam as diferenças e precedências: judeus e gregos, homens e mulheres, escravos e livres, brancos e negros, todos compartilham a mesma dignidade, percorrem um só e mesmo caminho, experimentam a mesma generosidade de um Deus que arma sua tenda entre nós. Por isso, aquele que mais tarde será crucificado em forma de X, está convicto de que o testemunho e o anúncio é o X da vida cristã. Através daqueles que crêem e aderem a Jesus, a Palavra da da vida se espalha sem ruídos e alcança os confins da terra. E vai armando tendas que se transformam em morada. E vai semeando vida que se torna eterna. E vai abrindo portas que possibilitam a fraterna convivência. E vai derrubando muros e edificando pontes. (Itacir Brassiani msf) 

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Evangelho dominical

ESTEJAM SEMPRE DESPERTOS


Os discursos apocalípticos recolhidos nos evangelhos refletem os medos e a incerteza daquelas primeiras comunidades cristãs, frágeis e vulneráveis, que viviam no meio do vasto Império romano, entre conflitos e perseguições, com um futuro incerto, sem saber quando chegaria Jesus, o Seu amado Senhor.
Também as exortações desses discursos representam, em boa parte, as exortações que faziam uns aos outros aqueles cristãos recordando a mensagem de Jesus. Essa chamada a viver despertos cuidando da oração e da confiança são um traço original e característico do Seu Evangelho e da Sua oração.
Por isso, as palavras que escutamos hoje, depois de muitos séculos, não estão dirigidas a outros destinatários. São chamadas que temos de escutar os que vivemos agora na Igreja de Jesus no meio das dificuldades e incertezas destes tempos.
A Igreja atual marcha por vezes como uma anciã «curvada» pelo peso dos séculos, as lutas e trabalhos do passado. «Com a cabeça baixa», consciente dos seus erros e pecados, sem poder mostrar com orgulho a glória e o poder de outros tempos.
Este é o momento de escutar a chamada que Jesus nos faz a todos. «Levantai-vos», animai-vos uns aos outros. «Erguei a cabeça» com confiança. Não olheis o futuro apenas a partir dos vossos cálculos e previsões. «Aproxima-se a vossa libertação». Um dia já não vivereis encurvados, oprimidos nem tentados pelo desalento. Jesus Cristo é o vosso Libertador.
Mas há formas de viver que impedem a muitos caminhar com a cabeça levantada confiando nessa libertação definitiva. Por isso, «tende cuidado de que não se entorpeça a mente». Não vos acostumeis a viver com um coração insensível e endurecido, procurando levar a vossa vida de bem-estar e prazer, de costas ao Pai do Céu e aos Seus filhos que sofrem na terra. Esse estilo de vida vos fará cada vez menos humanos.
«Estai sempre despertos». Despertai a fé nas vossas comunidades. Estai mais atentos ao Meu Evangelho. Cuidai melhor da Minha presença no meio de vós. Não sejais comunidades adormecidas. Vivei «pedindo força». Como seguiremos os passos de Jesus se o Pai não nos sustem? Como poderemos «manter-nos em pé ante o Filho do Homem»?
José Antonio Pagola

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

PRIMEIRO DOMINGO DO ADVENTO (ANO C – 29.11.2015)

Acolhamos e façamos germinar a semente da Justiça!

O Advento é um tempo marcado pela abertura, pela esperança e pela vigilância. É um itinerário pastoral e espiritual que nos coloca diante do núcleo central da esperança cristã. Serão quatro semanas que nos ajudam a reviver os milênios de expectativa messiânica do povo hebreu e os nove meses de espera ativa da Família de Nazaré. Centremos nossa mente e nosso coração no reconhecimento e na acolhida daquele que vem na fragilidade humana e nas brechas da história. Sejam estas semanas marcadas pela esperança inquieta e quase delirante no advento de uma humanidade livre e solidária. Não será desiludido quem espera no Senhor e caminha ao encontro dele.
Depois de aludir a um contexto que provoca medo e angústia, Jesus nos adverte: “Tomem cuidado para que os corações de vocês não fiquem insensíveis por causa da gula, da embriaguez e das preocupações da vida...” Diante da constatação de que hoje uma família de classe média sente necessidade de possuir ou consumir mais ou menos 10.000 objetos, somos lembrados de que verdadeira preparação para o Natal não se faz adquirindo mais coisas e acrescentando novas atividades, mas despojando-nos do supérfluo, simplificando a vida,  reconhecendo e priorizando o essencial.
Sol, lua, estrelas e mar representam os poderes que pretendem ser divinos e inquiestionáveis. E quando tais poderes sentem-se abalados, como aconteceu recentemente em Paris, muitas pessoas são assaltadas pela ansiedade e pelo pavor, e a reação do Estado é a contra-violência.  Mas Jesus nos convida e viver com serenidade, a agir com confiança e a esperar com lucidez. “Quando estas coisas começarem a acontecer, levantem-se e ergam a cabeça, porque a libertação de vocês está próxima.” Há uma novidade alvissareira escondida no ventre da história, apesar das suas ambiguidades.
Nas pessoas e movimentos que se esvaziam dos entulhos culturais e religiosos impostos, estão sendo gerados novo Homem e a nova Mulher. A Humanidade nova vai nascendo dos escombros de um mundo desigual e do vazio fecundo criado pela diminuição do consumo. “Então eles verão o filho do homem vindo sobre uma nuvem, com poder e grande glória.” Trata-se de um nascimento pouco evidente, que não se impõe à percepção. É como um broto no meio de grandes árvores. A vigilância é necessária, porque Deus nos visita em fraldas. Para reconhecê-lo, é preciso purificar e ajustar o olhar!
Olhar amplo e vigilância são atitudes necessárias para que esse misterioso Dia não nos surpreenda correndo atrás de comidas e de bebidas, de perus e de espumantes! Este tempo vai sendo Hoje, e o lugar está nas promissoras utopias cotidianas. O Dia é cada dia, e o lugar é um pouco por todo lado. Não esperemos nada de imponente e ostensivo. Vivamos o Advento e suas ousadas promessas esquecendo o calendário fixo, abandonando a ansiedade de comprar presentes e mais presentes, e até de multiplicar novenas e pedidos. Precisamos de muito pouco para viver com sabor e sentido!
Paulo nos convida a rezar “a todo momento”, a encontrar meios para  manter e cultivar esta vital abertura ao Deus que veio, que vem e que virá. Sem esta abertura radical e confiante, acabamos enclausurados em nós mesmos, avessos a qualquer esperança e refratários a toda mudança. Sem esta janela para o amanhã, acabaremos cegos às novidades emergentes e reféns do ontem, daquilo que já era, membros inertes de um corpo morto. Enquanto abertura e confiança em Deus, a oração nos mantém em pé diante do Filho do Homem que vem, envolto na fragilidade dos brotos e bebês.
Paulo também nos pede que continuemos crescendo em humanidade, no amor recíproco e no serviço solidário a todas as pessoas. É assim que agradaremos a Deus e permaneceremos firmes e irrepreensíveis. O que agrada a Deus não é consumo, mas o crescimento no serviço fraterno e solidário. Este é o caminho que Deus ensina aos pobres e mostra aos justos, respondendo à súplica do salmista. A verdadeira preparação para o Natal consiste em simplificar a vida e dar prioridade ao que é essencial, em criar espaços vazios para acolher o que está para nascer ou para chegar.
Deus amável, pai e mãe de todas as misericórdias: iniciamos nossa caminhada do Advento pedindo que purifiques e dirijas nosso olhar, para que possamor ver os múltiplos sinais da tua visita e da tua presença. Ensina-nos a amar desde agora aquilo que ainda está por vir, a caminhar entre aquilo que passa com os olhos fixos naquilo que é duradouro. Que teu Espírito nos guie na verdade e nos faça crescer na santidade e na justiça, livrando-nos da tentação de jogar a culpa de todos os males sobre aqueles que crêem diversamente de nós e que, possivelmente, são mais vítimas que culpados. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Jeremias 33,14-16 * Salmo 24 (25) * 1ª Carta aos Tessalonicenses 3,12-4,2 * Evang. Lucas 21,25-28.34-36)

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Vivendo a Palavra em ritmo de espera

Está próxima a vossa libertação (Lc 21,25-28.34-36)

Faz uma semana, no último domingo do ano litúrgico, que celebramos a festa de Cristo rei. Jesus é o nosso rei. Ele conduz nossas vidas pelo caminho do Reino de Deus. Como seus discípulos e suas discípulas, buscamos testemunhar as relações desse Reino. Relações que são de amor e de verdade. Com a força de Jesus ressuscitado, lutamos contra outro reinado, isto é, as forças do ídolo riqueza, que nos seduz cotidianamente.
Neste final de semana, com o primeiro domingo do Advento, iniciamos um novo ano litúrgico. E, mais uma vez, em todas as comunidades, anunciamos a chegada de Jesus. No domingo passado, celebramos Jesus como rei cuja montaria humilde é um jumento (João 12,12-19), cujo cinto é a toalha do serviço (João 13,1-17), cujo trono é a fidelidade até a cruz (João 19,19) e cuja injusta coroa é de espinhos (João 19,2.5).
Hoje, celebramos a presença de Jesus como nosso rei na fragilidade e na ternura de uma criança. Definitivamente, as relações com base na ternura, na humildade e no serviço, na fidelidade e na justiça são próprias do Reino de Deus. Não, porém, dos reinos deste mundo. Estes alimentam o ódio, a ganância, o individualismo, a posse sobre bens e pessoas como sentido de vida.
Nas narrativas do capítulo 21 de Lucas, quando o evangelho foi escrito pelos anos 90, as comunidades olham para trás e fazem uma releitura da tomada de Jerusalém pelos romanos. A destruição do templo foi no ano 70. Assim, elas querem compreender melhor, em seu tempo, como viver a missão na fidelidade ao projeto de Jesus, que é tornar realidade a libertação plena. E o evangelho de hoje é parte deste capítulo.
Erguei-vos e levantai a cabeça, pois está próxima a vossa libertação (vv. 25-28)
Em Lucas 21,25-28 Jesus está em Jerusalém, continuando sua missão profética na cidade que era o centro econômico, político e religioso daquela região.
Como profeta, denuncia a exploração das pessoas mais vulneráveis, que os controladores do templo realizavam (21,1-4), e anuncia o fim daquele sistema de morte (21,5-6). Com imagens da apocalíptica judaica, descreve a tomada de Jerusalém pelos romanos (21,7-26). A referência ao sol, à lua e às estrelas (v. 25) é uma forma de falar da presença de Deus que age em favor de quem assume seu projeto. Quer, portanto, animar a esperança.
Os vv. 25-26 também descrevem os horrores da guerra. Há angústia e perplexidade. Há desfalecimentos, medos e ameaças. Pode ser paz para o império. Porém, é violência e morte para os povos conquistados.
As comunidades cristãs leram esses acontecimentos como julgamento de Deus. É o fim de uma era, o tempo da antiga aliança. Inicia-se uma nova era, o tempo na nova aliança.
Desde as origens das comunidades cristãs, já antes da destruição do templo, a execução de um inocente na cruz, por sua fidelidade ao projeto do Reino do Pai, foi compreendida como julgamento de Deus na história. De um lado, condenando os responsáveis pelas estruturas de morte. De outro, salvando as vítimas desse sistema, os pobres, os que têm fome, os que choram e as pessoas agredidas pelo ódio, pela mentira e pela calúnia, na linguagem de Lucas 6,20-23.
No entanto, convém ter presente que as comunidades originárias viviam, tal como o próprio Jesus, em um ambiente carregado por uma espiritualidade apocalíptica. É uma mística de denúncia profética em tempos de grandes perseguições e de muita violência e quer animar as comunidades para resistir nesses tempos difíceis. A linguagem apocalíptica se refere ao presente, não a um futuro remoto. Com essa mentalidade, as comunidades compreendiam o final dos tempos como já inaugurado por Jesus na cruz. Portanto, já viviam provisoriamente o Reino e alimentavam a expectativa, para breve, da chegada ou presença de Jesus glorioso, a fim de instaurar, aqui na terra, definitivamente um Reino sem violência e de paz (cf. 1 Tessalonicenses 4,13-5,3). Chamavam essa vinda de Jesus de Parusia, que, em grego, significa vinda, chegada, presença. Com a entrada do latim na Igreja, substituiu-se Parusia por Advento.
A partir dessa teologia apocalíptica, as comunidades interpretaram a destruição de Jerusalém como o início da instauração definitiva do Reino, mas que já começara com a ressurreição de Jesus. Viram esta guerra como profecia realizada em Jesus, o filho humano, tal como anunciara o profeta Daniel (Daniel 7,13-14). Porém, o Reino não se realizou plenamente naquele momento histórico, como esperavam. Então, compreenderam que era preciso continuar sua concretização através da prática continuada de novas relações nas comunidades como fermento que transforma as estruturas deste mundo. A vinda de Jesus, o humano, já é presença no testemunho dos cristãos. A libertação é um processo, seja ele dentro ou fora de nós. Daí o convite de engajamento nesse processo libertador que Jesus continua a nos fazer ainda hoje: “Erguei-vos e levantai a cabeça, pois está próxima a vossa libertação” (Lucas 21,28).
Vigiai e orai para terdes a força de ficar de pé (vv. 34-36)
A segunda parte de nosso evangelho é um convite para o discernimento entre duas propostas. É o projeto de Deus de um lado, e, de outro, o projeto do ídolo riqueza. É um convite para resistir contra este e aderir àquele. Não se pode servir a dois senhores, a Deus e à riqueza, alertava Jesus (cf. Lucas 16,13).
Coração é o lugar da consciência, o centro das decisões. Por isso, a comunidade de Lucas nos convida a discernirmos quais são as atitudes condizentes com esse projeto do ídolo riqueza e que tornam pesados os nossos corações. São as posturas que nos escravizam diante do Deus Mamon (qualquer riqueza idolatrada, grande ou pequena). E cita algumas: orgia ou libertinagem, embriaguez e preocupações mundanas. Entre essas preocupações terrenas, poderíamos lembrar o individualismo, a ganância para acumular, a ambição pelo poder e pelo prestígio, etc., etc.
Em vez de ter um coração pesado, Lucas nos convida a ter um coração leve. E ter um coração leve quer dizer viver de acordo com os valores do Reino, a partilha, a misericórdia, a compaixão, a solidariedade. Somente é capaz de viver esses valores quem tem um coração generoso, um coração valente. Vivendo assim, a qualquer hora, estaremos preparados para o dia do julgamento. O dia do julgamento não é o fim do mundo, mas a transformação permanente das estruturas de morte. Cada vez que a justiça supera a injustiça, o julgamento de Deus se realiza. Cada vez que a mentira e a farsa são desmascaradas, o julgamento do Reino se torna realidade.
Para ter coração leve, Lucas nos convida à atenção, à vigilância permanente para não cair nas armadilhas, nos laços do ídolo riqueza. Ao mesmo tempo, indica a atitude orante como caminho que conduz à fonte onde buscar forças para escapar dos laços que escravizam e ficar de pé diante de Jesus, o humano, no dia de libertação. Ficará de pé quem tiver perseverado na justiça, na verdade e na transparência, pois será considerado justo, portanto, inocente.
Iniciamos o Advento, tempo de presença, de chegada da boa nova de Deus na ternura de uma criança. É um Advento que não termina, pois Jesus já é presença permanente entre nós. Basta buscá-lo e querer encontrá-lo. Que vigiemos em permanente atitude de oração na busca de forças para ter coração leve e ficar de pé diante da avalanche de ódio e de mentira que este mundo nos quer impor a cada dia, tornando pesados os nossos corações. Que a luz de Jesus menino nos ilumine para nos manter firmes no respeito ao diferente, no perdão a quem nos calunia e no caminho da justiça para muitos, “pois está próxima a vossa libertação”. Amém.
Ildo Bohn Gass
http://cebi.org.br/noticias.php?secaoId=21&noticiaId=6131

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Evangelho dominical

EXAME PERANTE O TESTEMUNHO DA VERDADE

Dentro do processo em que se vai decidir a execução de Jesus, o evangelho de João oferece um surpreendente diálogo privado entre Pilatos, representante do império mais poderoso da Terra, e Jesus, um réu maniatado que se apresenta como testemunha da verdade.
Precisamente, Pilatos quer, ao que parece, saber a verdade que se encerra naquele estranho personagem que tem ante o seu trono: «És Tu o Rei dos judeus?». Jesus vai responder expondo a Sua verdade nas afirmações fundamentais, muito queridas ao evangelista João.
«O Meu reino não é deste mundo». Jesus não é rei ao estilo que Pilatos pode imaginar. Não pretende ocupar o trono de Israel nem disputar a Tibério o seu poder imperial. Jesus não pertence a esse sistema em que se move o prefeito de Roma, sustentado pela injustiça e a mentira. Não se apoia nas forças das armas. Tem um fundamento completamente diferente. A Sua realeza provem do amor de Deus ao mundo.
Mas acrescenta algo muito importante: «Sou rei e vim ao mundo para ser testemunha da verdade». É neste mundo onde quer exercer a Sua realeza, mas de una forma surpreendente. Não vem governar como Tibério mas ser «testemunha da verdade», introduzindo o amor e a justiça de Deus na história humana.
Esta verdade que Jesus trás consigo não é uma doutrina teórica. É uma chamada que pode transformar a vida dos personagens. Tinha dito Jesus: «Se vos mantendes fiéis à Minha Palavra... conhecereis a verdade e a verdade vos fará livres». Ser fiéis ao Evangelho de Jesus é uma experiência única pois leva a conhecer uma verdade libertadora, capaz de fazer a nossa vida mais humana.
Jesus Cristo é a única verdade para a vivência dos cristãos. Não necessitaremos na Igreja de Jesus de fazer um exame de consciência coletivo ante o «Testemunho da Verdade»? Atrever-nos a discernir com humildade o que há de verdade e o que há de mentira no nosso seguir a Jesus? Onde há verdade libertadora e onde há mentira que nos escraviza? Não necessitaremos dar passos para maiores níveis da verdade humana e evangélica em nossas vidas, nossas comunidades e nossas instituições?
José Antonio Pagola

Dandara, Zumbi e a Consciencia Negra

De Dandara à Davis, a resistência do 20 de novembro
O 20 de novembro para mim é mais do que um dia de feriado, mais do que um final de semana prolongado. Minha vida em diáspora hoje para o senso comum tem dupla validade. Não quero ser repetitiva, sei a importância do dia de hoje para nós negros, vanguarda de luta e para nossos aliados.
Hoje é mais do que o afronto a farsa do dia 13 de maio. Mais do que lembrar a importância da luta de Dandara e Zumbi para a emancipação do nosso povo, hoje é dia de lembrar nossa resistência à sociedade que insiste em relutar a consciência negra enquanto parte da história brasileira, e insiste na “consciência humana” enquanto nos outros 364 dias ninguém se lembra que aquele moleque metralhado pela PM e jogado numa vala era um ser humano, que aquele assaltante na fome do crack, sem comida, sem esperança era um ser humano, que não tem 1% da maldade de quem lucra com câncer, HIV e fetos mal formados.
Não se lembram da importância da parcela da população humana que tem sua história desrespeitada enquanto disseminação e conscientização, mesmo que isso seja sancionada como diz a lei 10.639/03: “Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.”
Para eles é só um dia. Para nós é ancestralidade, é dia de levar aos meios despolitizados a importância do nosso protagonismo frente a nossa opressão enquanto mulheres e homens que tiveram sua ancestralidade, sua herança genealógica roubadas; do quanto ainda somos escravizados nos moldes capitalistas; do quanto temos nossas propriedade filosófica e intelectual roubadas; do quanto ainda precisamos provar que somos bons o bastante para eles (que para nós é ser duas vezes melhor), ou quanto nosso direito de sermos bons o bastante nos foi retirado; do quanto temos nosso valor é subestimado no mercado de trabalho, nas escolas, universidades, nos relacionamentos, na vida.
Para nós, a consciência negra deve ser trabalhada e debatida todos os dias. “Só vamos deixar o corredor da morte anunciada quando nosso tempo não for usado pra limpar nota manchada, quando odiarmos o regime que faz nossas mulheres tirar saliva podre das talheres. Comemore a Consciência Negra todos os dias, exija direito à vida com ou sem data fixa” (Eduardo Taddeo)
 Gleide Fraga, 23 anos

SOLENIDADE DE CRISTO, REI DO UNIVERSO (ANO B – 22.11.2015)

Mais que rei, Jesus é Pastor, Profeta e Testemunha!

Muitos nos perguntamos sobre sentido da festa de hoje. Há mais de 100 anos, algumas comunidades católicas imaginaram a celebração de Cristo Rei como forma de propagar a dignidade de Jesus Cristo, afirmar os direitos da Igreja frente à sociedade liberal e destacar a importância da doutrina cristã na formulação das leis civis. Esta festa foi instituída há 60 anos atrás, mas hoje temos consciência de que é preciso evitar toda forma de triunfalismo e destacar o mistério essencial de Jesus Cristo: ele é testemunha da verdade e profeta um Novo Tempo de paz, solidariedade e partilha.
Penso que a identificação de Jesus de Nazaré com a figura do rei é um erro e um delírio bem ao estilo dos amantes do poder. Jesus não foi nem sacerdote e nem rei! Como profeta e reformador, irmão dos pobres e dos pecadores e servidor dos oprimidos, ele revelou o melhor que pode haver no ser humano e fez brilhar no mundo a glória de Deus. A única razão aceitável para aproximar Jesus Cristo da figura do rei seria a de contrastar e relativizar todos os demais poderes, inclusive as autoridades eclesiásticas. Quando celebraremos solenemente a festa de Cristo Servo de todas as criaturas? Quando os cristãos renunciaremos de verdade aos mantos da nobreza e vestiremos o avental do serviço?
É verdade que o Apocalipse de São João atribui repetidamente a Jesus o poder, a riqueza, a honra, a glória, a sabedoria, a força e louvor e tudo o mais (cf. Ap 5,12-13). Mas não podemos esquecer que tudo isso se diz daquele que é a pedra rejeitada, a vítima do próprio poder estabelecido, e que Jesus é “a testemunha fiel, o primeiro a ressuscitar dos mortos”. Nessa condição de testemunha e vítima da pena de morte, ele é “chefe dos reis da terra”. Partilhando por amor a sorte dos condenados, Jesus perdoou nossas dívidas e nos constituiu como povo novo e soberano, do qual é guia e líder inconteste.
A cena de Jesus diante de Pilatos é, no mínimo, paradoxal. Um preso despojado de tudo, acusado pelos seus próprios compatriotas, sem direito à defesa, está cara-a-cara com uma autoridade plenipotenciária e a serviço de um poder invasor. Um homem habituado às estradas é colocado diante de um senhor habitante de palácios. A cena insinua um confronto radical, e a pergunta de Pilatos é clara: “Tu és o rei dos judeus?” Pilatos não pergunta se ele é um rei, mas se é o rei; e não o refere a Israel (povo escolhido por Deus) mas aos judeus (um povo ou uma raça em meio a tantas).
Astuto, Pilatos se interessa mais pela ação que pelos títulos. Por isso, pergunta que tipo de liderança Jesus desenvolve: “O que fizeste?” Jesus responde chamando a atenção para a diferença e a originalidade libertadora da sua ação. Respondendo a Pilatos, diz que seu reino “não é deste mundo”, pois sua ação se distancia da força e do poder, tem outro dinamismo e se rege por outra finalidade. Ele age solidariamente para responder às necessidades do seu povo, recusa assumir o poder (cf. Jo 6,15) e se opõe duramente aos príncipes do mundo (cf. Jo 12,32; 16,11).
Parece que Jesus aceita a qualificação de rei, mas recusa a redução da sua missão ao povo judeu. “Você está dizendo que eu sou rei.” Ele não é o único rei, nem apenas rei dos judeus. Jesus preside e dirige o amplo movimento do reino de Deus, que reúne todos os homens e mulheres de boa vontade, promove a liberdade e a vida de todos, e não usa da força para defender os privilégios das elites. “Se o meu reino fosse deste mundo, os meus guardas lutariam para que eu não fosse entregue às autoridades dos judeus.” Ele é rei exatamente e apenas na medida em que dá sua vida por todos.
Jesus diz que nasceu e veio ao mundo para dar testemunho da verdade. Sua prioridade é ser testemunha da verdade, ou seja, do amor incondicional de Deus por todas as criaturas, especialmente pelos oprimidos e, diante disso, sua própria sobrevivência é secundária. A verdade é que Deus ama a ponto de dar a própria vida, e isso não expressa a fraqueza mas a invencível força de Deus. Por isso, é na cruz que se revela e realiza a realeza de Jesus Cristo e do ser humano. Nada mais paradoxal que esta figura de rei! Nada mais distante da imagem de rei do que a figura de um escravo ou um executado...
Jesus de Nazaré, profeta e pastor, servo e testemunha: reunidos em torno da tua mesa, queremos acolher teu gesto testamentário e teu chamado a sermos dom e semente. Grava em nosso corpo os sinais da tua realeza: o amor fraterno e o serviço solidário. Ajuda-nos a superar toda busca de poder dominador e de nobreza vazia de humanidade. Que tua Igreja não se deixe guiar nem pela indiferença, nem pela prepotência. E que à tua palavra-oferta “isto é meu corpo que é dado por vós”, respondamos com liberdade e verdade: “Faremos a mesma coisa em memória de ti.” Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Profeta Daniel 7,13-14 * Salmo 92 (93) * Apocalipse de S. João 1,5-8 * Evangelho de São João 18,33-37)

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

A amargura do Rio Doce

Carta conjunta dos Bispos   
aos Párocos, Administradores Paroquiais, Vigários Paroquiais   
e aos Conselheiros Pastorais Comunitários e Paroquiais 
da Arquidiocese de Belo Horizonte

Estimados irmãos padres e conselheiros pastorais
O Papa Francisco ensina, na Exortação Alegria do Evangelho, que “Deus uniu-nos tão estreitamente ao mundo que nos rodeia, que a desertificação do solo é como uma doença para cada um, e podemos lamentar a extinção de uma espécie como se fosse uma mutilação” (EG 215). O planeta é a nossa “casa comum”. Iluminados por essa compreensão, precisamos unir as nossas vozes para exigir, de todas as autoridades, ações concretas em defesa da “ecologia integral” (LS).
Sob o impacto da destruição de vidas humanas, fauna, flora, córregos e rios, de Mariana e cidades ribeirinhas do Rio Doce e afluentes, em Minas Gerais e no Espírito Santo, pela lama avassaladora que se desprendeu das barragens e sob o impacto do terrorismo praticado na França, viveremos um momento oportuno para uma forte manifestação, durante a realização da 21ª Conferência do Clima das Nações Unidas (COP 21), evento que ocorrerá de 30 de novembro a 11 de dezembro, em Paris. Líderes de dezenas de nações assinarão um pacto para diminuir a emissão de poluentes na atmosfera. A Igreja, por meio do Pontifício Conselho da Justiça e da Paz, pede para que essas autoridades aprovemum acordo climático justo, juridicamente vinculativo e autenticamente transformativo”.
Para demonstrar o nosso compromisso com a defesa do planeta e diante da necessidade de trabalharmos juntos com o objetivo de preservar a nossa “casa comum”, pedimos: no dia 30 de novembro, ao meio-dia, durante três minutos, façam tocar os sinos de todas as comunidades das Paróquias, de modo que toda a Arquidiocese de Belo Horizonte, pelo badalar dos sinos, como uma prece, manifeste sua esperança de que as ações ali decididas paralisem o aquecimento global e que também cessem todas e quaisquer formas de terrorismo no mundo.
É importante explicar esta ação simbólica às comunidades durante as próximas duas semanas.
Agradecemos sua acolhida, contamos com o seu apoio.
Fraternalmente em Cristo,
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte
Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães
Bispo Auxiliar – Região Episcopal Nossa Senhora da Esperança
Dom Luiz Gonzaga Fechio
Bispo Auxiliar – Região Episcopal Nossa Senhora Aparecida
 Dom João Justino de Medeiros Silva
Bispo Auxiliar – Região Episcopal Nossa Senhora da Piedade
Dom Edson José Oriolo dos Santos

Bispo Auxiliar – Região Episcopal Nossa Senhora da Conceição

Que tipo de rei é Jesus?

Festa do Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo [Jo 18, 33-37]


“Todo aquele que é da verdade, escuta a minha voz”
A Igreja Católica, no último domingo do Ano Litúrgico, celebra a festa de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo.  A festa foi estabelecida na época dos governos totalitários nazistas, fascistas e comunistas, nos anos antes da Segunda Guerra, para enfatizar que o único poder absoluto é de Deus. Nos dias de hoje, em que milhões padecem as consequências de um novo tipo de totalitarismo disfarçado, o do poder econômico inescrupuloso, torna-se atual a inspiração original da festa – que Deus é o único Absoluto. Em um mundo que não ateu, mas idolátrico, pois presta culto ao lucro, a festa de hoje nos desafia para que revejamos as nossas atitudes e ações concretas para descobrir o que é para nós, na verdade, o valor absoluto das nossas vidas.
O evangelho a ser refletido no próximo domingo (22/11) é inspirado na paixão segundo João: o diálogo entre Jesus e Pilatos sobre a verdadeira identidade de Jesus. Com a ironia que lhe é típica, João faz com que Pilatos – o representante do poder absoluto da época, o Império Romano – apresente Jesus como Rei, o que ele é na verdade, mas não de modo que Pilatos pudesse entender. O Reino de Jesus é o oposto do Reino do Império Romano: não é opressor, nem injusto, nem idolátrico, mas o Reino da justiça, fraternidade, solidariedade e partilha, o Reino do Deus da Vida.
É exatamente por pregar e semear este Reino que Jesus deve morrer. Aliás, não morrer, mas ser morto, o que é diferente. Pilatos demonstra isso quando ele deixa claro quem entregou Jesus, pedindo a sua morte. Não foi o povo, mas os sumos sacerdotes que o entregaram (v. 35). É importante entender o que isso significa, pois se Jesus foi morto, houve algum motivo e houve alguém que o matasse.
 Os sumos sacerdotes eram, no tempo de Jesus, todos nomeados pelos romanos, dentro do partido dos saduceus, o partido da elite jerosalemita, donos de terras e do comércio, e chefes do Templo. O Templo funcionava como “Banco Central”, centro de arrecadação de impostos e lugar de câmbio monetário, uma vez que não se aceitava nele a moeda corrente. Jesus, portanto, foi assassinado pelo poder político, econômico e religioso, todos coniventes com o poder imperialista, representado por Pilatos. Pois o Reino de Deus se opõe frontalmente a qualquer reino opressor, como era o de Roma.
A realidade vivida por Jesus continua hoje
O seguimento de Jesus, na construção de um Reino de justiça e paz, do shalôm de Deus, necessariamente vai entrar em conflito com os reinos que dependem da exploração e da injustiça. Normalmente, esses poderes primeiramente tentarão cooptar a igreja, para que, em lugar de ser voz profética diante das injustiças, torne-se porta-voz dos valores desses reinos. E não faltarão incentivos monetários e outros, para que as igrejas caiam nesta cilada. Por isso, como nos advertiram os textos nos últimos domingos, é necessário que fiquemos sempre vigilantes para verificarmos se a nossa vida prática está mais de acordo com o Reino de Deus ou com o reino de Pilatos.
Para João, Jesus provoca a grande crise da história. Diante da verdade, que é Ele, todos têm que se posicionar. Ele, como todo profeta, não causa a divisão, mas desmascara a divisão que existe dentro da sociedade, a divisão entre o bem e o mal, entre um projeto da morte e um projeto da vida, uma divisão que permeia todos os elementos da sociedade. Diante dele, não há lugar para meio-termo - todos têm que optar.  Por isso, a festa de hoje, longe de ser algo triunfalista, nos desafia para que façamos um exame de consciência – tanto individual como eclesial e comunitário - para verificar se o nosso Rei é realmente Jesus, ou se, mesmo de uma maneira disfarçada, continua sendo Pilatos!
Tomaz Hughes SVD

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Evangelho dominical

CONVICÇÕES CRISTÃS

Pouco a pouco iam morrendo os discípulos que tinham conhecido Jesus. Os que ficavam, acreditavam Nele sem tê-lo visto. Celebravam a Sua presença invisível nas eucaristias. Mas quando veriam o Seu rosto cheio de vida? Quando se cumpriria o desejo de encontrarem-se com Ele para sempre?
Continuavam a recordar com amor e com fé as palavras de Jesus. Estas eram o seu alimento naqueles tempos difíceis de perseguição. Mas, quando poderiam comprovar a verdade que encerravam? Não iriam se esquecendo pouco a pouco? Passavam os anos e não chegava o Dia Final tão esperado, que podiam pensar?
O discurso apocalíptico que encontramos em Marcos quer oferecer algumas convicções que hão de alimentar a sua esperança. Não o temos de entender em sentido literal, mas procurando descobrir a fé contida nessas imagens e símbolos que hoje nos resulta tão estranhos.
Primeira convicção: A história apaixonante da Humanidade chegará um dia ao seu fim. «sol» que assinala a sucessão dos anos apagar-se-á. A «lua» que marca o ritmo dos meses já não brilhará. Não haverá dias e noites, não haverá tempo. Também, «as estrelas cairão do céu», a distância entre o céu e a terra se apagará, já não haverá espaço. Esta vida não é para sempre. Um dia chegará a Vida definitiva, sem espaço nem tempo. Viveremos no Mistério de Deus.
Segunda convicção: Jesus voltará e os Seus seguidores poderão ver por fim o Seu desejado rosto: «verão vir o Filho do Homem». O sol, a lua e os astros apagar-se-ão, mas o mundo não ficará sem luz. Será Jesus quem o iluminará para sempre pondo verdade, justiça e paz na história humana tão escrava hoje de abusos, injustiças e mentiras.
Terceira convicção: Jesus irá trazer consigo a salvação de Deus. Vem com o poder grande e salvador do Pai. Não se apresenta com aspecto ameaçador. O evangelista evita falar aqui de juízos e condenações. Jesus vem a «reunir os Seus eleitos», os que esperam com fé a sua salvação.
Quarta convicção: As palavras de Jesus «não passarão». Não perderão a sua força salvadora. Seguirão alimentando a esperança dos seus seguidores e o alento dos pobres. Não caminhamos em direção ao nada e ao vazio. Espera-nos o abraço com Deus.
José Antonio Pagola

TRIGÉSIMO-TERCEIRO DOMINGO DO TEMPO COMUM (ANO B – 15.11.2015)

Jesus é um profeta que desestabiliza todos os poderes.

A grandeza e o poder das pessoas e instituições costumam garantir-lhes a submissão dos fracos e granjear-lhes uma admiração que tende a perdurar no tempo. Submissão e admiração, especialmente quando conjugadas com o medo sucitado pela violênia congênita ao poder, geram o mito da invencibilidade: quanto mais poder e mais grandeza tiver uma pessoa ou entidade, mais estável será. O cristianismo rejeita este mito amordaçador e imobilizador, e afirma que tudo o que parece poderoso e inabalável acaba desabando pela ação corrosiva e libertadora da fé, recusa a sedutora resignação a um presente sem sabor e sem justiça, e espera ativamente um outro mundo possível.
Vivemos um tempo de crises profundas e caminhamos sem referências seguras. Os grandes mitos e narrativas desapareceram. A esperança fez as malas e desertou, sem deixar endereço para contatos. Falar de esperança passou a ser  considerado algo anacrônico e até ridículo. Por isso, a fuga aparece como a única possibilidade para viver em paz. Sem esperança de futuro, o presente parece um refúgio que garante uma doce sensação de sabedoria. O tempo foge do nosso controle e parece sempre mais acelerado. A realidade flui como água, e parece que nada pode ser feito para mudar seu curso...
É feito de tribulações o tempo que vivemos. Muitas são as pessoas que se perguntam: é possível que o humano venha a prevalecer, ou aquilo que chamamos de humano não passaria de uma ideologia enganadora? Ou será que o humano foi possível apenas no passado e suas sementes não podem mais germinar na terra poluída e ressequida do nosso tempo? Não seria o nosso apenas  um tempo de indivíduos solitários na multidão e de consumidores vorazes, destes que negociam o sonho de um mundo novo pelos novos e fugazes lançamentos do mercado?
Mas aqui, de novo e como sempre, aqueles que acreditam em Jesus Cristo e organizam a vida a partir dele remam contra a corrente e afirmam que o humano se manifestará, está se manifestando, já está presente no meio de nós. O ‘filho do homem’, aquele que é verdadeiramente humano, está vindo ao nosso encontro, solicitando e possibilitando abertura, acolhida, esperança, conversão. É isso que ensina o evangelho de hoje, que recorre a uma linguagem apocalíptica e parabólica para chamar a atenção para a mudança, para o processo de nascimento de uma nova ordem social.
O evangelho não quer insinuar que uma catástrofe cósmica esteja se aproximando, nem suscitar medo e fuga diante dos dramas da história. Ao contrário, convida-nos a entrar na história e tomar posição nas lutas inadiáveis que estão sendo travadas. Sol, lua e estrelas simbolizam os poderes aparentemente sólidos e indestrutíveis. Mas esta solidez é mentirosa, pois o advento do homem novo depõe os poderosos dos seus tronos e eleva os humildes; afirma a dignidade dos últimos; faz germinar sementes e florir os desertos; desarticula as forças e estruturas que mantém a injustiça e a opressão.
O questionamento e abalo da ordem velha e cambaleante não é tudo. É apenas o sinal de que o humano está nascendo, batendo à porta e pedindo para entrar. E, na medida em que ele for acolhido e se tornar regra da nossa vida, uma nova humanidade nascerá, sem fronteiras nem restrições, “reunindo as pessoas que Deus escolheu, do extremo do céu ao extremo da terra.” A parábola da figueira pede atenção a sinais pequenos e discretos dessa mudança. A velha e injusta ordem social simbolizada pelo templo deve chegar ao fim para que desponte um outro mundo.
O ‘filho do homem’ e seus seguidores serão os protagonistas desta mudança. A imagem dele “vindo sobre as nuvens com grande poder e glória” é uma referência ao Jesus Cristo elevado na cruz. No filho do homem perseguido e crucificado resplandece o que é verdadeiramente humano e se revela a glória e o poder de Deus. O advento do humano se dá definitivamente em Jesus crucificado em sua solidária fidelidade a todos os seres humanos. É em torno dele que se reúnem as pessoas escolhidas que, tendo-o como cabeça, formam um corpo verdadeiramente humano, capaz de transfigurar a história.
Tu és, Jesus de Nazaré, divinamente humano e humanamente divino, meu único Senhor, e fora de ti não tenho bem algum, nem esperança que valha a pena. Tu és minha herança e meu cálice. Estás sempre à minha frente e à minha direita, e por isso não vacilo. Minha alegria e minha serena esperança é perceber, com a tua graça, os pequenos e promissores sinais de realização do teu e nosso sonho, o Reino de Deus, o céu novo e a terra nova, o nascimento do homem novo. Nisso se alegra meu coração e exulta a minha alma, e até meu corpo, sempre tão vulnerável, repousa seguro. Amém! Assim seja!

Itacir Brassiani msf
(Profeta Daneil 12,1-3 * Salmo 15 (16) * Carta aos Hebreus 10,11-18 * Evangelho de São Marcos 13,24-32)

O fim e o começo

“O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão” (Mc 13, 24-32)


Este texto nos apresenta diversas dificuldades de interpretação, pois está saturado com conceitos apocalípticos, referências veladas a possíveis eventos históricos, e referências tiradas de escritos do tempo do Antigo Testamento, muitas das quais desconhecidas para nós.  Porém a sua mensagem central fica clara – o triunfo final do Filho do Homem, mandando por Deus para estabelecer o seu Reino.  A linguagem vetero-testamentária de sinais cósmicos, a figura do Filho do Homem e a reunião dos eleitos de Deus são unidas em um contexto novo, em que a vinda escatológica de Jesus como Filho do Homem se torna o evento central.  A sua vinda gloriosa no fim dos tempos servirá como prova da vitória de Deus – e a expectativa desta chegada serve como base da vigilância paciente que é recomendada aos discípulos ao longo de todo o Discurso Escatológico de Marcos.
Os sinais cósmicos que antecederão o fim fazem referência a textos do Antigo Testamento: Is 13, 10, Ez 32,7; Am 8,9; Jl 2,10.31; 3,1.5; Is 34,4; Ag 2,6.21. Mas nenhum texto do Antigo Testamento se refere à vinda do Filho do Homem – esta é uma novidade do Evangelho.  A lista desses sinais é uma maneira de dizer que toda a citação assinalará a sua vinda final.  A descrição da chegada do Filho do Homem, rodeado das nuvens, é tirada do livro de Daniel 7,13, mas aqui se refere claramente a Jesus e não à figura angélica “em forma humana” do livro apocalíptico de Daniel.  A ação de Jesus em reunir os eleitos é o oposto de Zc 2,10.  Este reunir-se dos eleitos do seu povo por parte de Deus se encontra em Dt 30,4; Is 11,11.16; 27,12. Ez 39,7 etc. – mas nunca é o Filho do Homem que faz esse trabalho no Antigo Testamento.
A segunda parte do texto consiste em uma parábola (vv. 28-29), um ditado sobre a hora do fim (v. 30), sobre a autoridade de Jesus (v. 31) e de novo sobre a hora (v. 32).   Nem sempre fica claro a que se refere – o que se fala sobre essas coisas acontecerem “nessa geração” tem como contrabalanço o v. 32 que diz que somente Deus sabe a hora exata.  A parábola sobre os sinais claros da chegada do fim (vv. 28-29) tem em contraposição a parábola da vigilância constante (vv. 33-37). Mas continua clara a mensagem básica – a vitória final do projeto de Deus, concretizada através de Jesus, o Filho do Homem. Mas a certeza dessa vitória não dispensa a atitude de vigilância constante por parte dos discípulos, para que não se desviem do caminho.
Pode parecer confuso o nosso texto – e para nós hoje, de certa forma, o é.  Mas, se inserido no contexto do Discurso Escatológico (referente aos tempos finais) do Evangelho, nos traz uma mensagem de esperança e uma advertência.  A esperança nasce do fato de que a vitória de Deus é garantida – um elemento fundamental em todo apocalipticismo.  A advertência está na necessidade de vigilância constante, para que não percamos a hora do Filho. Em um mundo de desesperança e falta de ânimo por parte de muitos, o texto convida nos convida como discípulos, a uma atitude positiva que nos leve a um engajamento maior em prol da construção do Reino entre nós.  Mas também nos desafia para que estejamos sempre vigilantes para não sermos cooptados pela sociedade vigente, opressora e consumista, que muitas vezes se baseia em princípios contrários aos do Reino de Deus.  As palavras de Jesus têm um valor permanente, para que possamos julgar as diversas propostas de vida que o mundo nos apresenta.  “O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão”. 
Pe. Tomaz Hughes SVD

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Evangelho dominical

CONTRASTE

O contraste entre as duas situações é total. Na primeira, Jesus põe as pessoas em guarda frente aos escribas do templo. A sua religião é falsa: utilizam-na para procurar a sua própria glória e explorar aos mais fracos. Não tem de os admirar nem seguir o seu exemplo. Na segunda, Jesus observa o gesto de uma pobre viúva e chama os Seus discípulos. Desta mulher podem aprender algo que nunca lhes ensinarão os escribas: uma fé total em Deus e uma generosidade sem limites.
A crítica de Jesus aos escribas é dura. Em vez de orientar o povo em direção a Deus procurando a Sua glória, atraem a atenção das pessoas para si mesmos procurando a sua própria honra. Gostam de «passear-se com amplas roupas» procurando cumprimentos e reverências das pessoas. Na liturgia das sinagogas e nos banquetes procuram«os lugares de honra» e «os primeiros lugares».
Mas há algo que, sem dúvida, dói a Jesus mais que este comportamento fátuo e pueril de ser contemplados, saudados e reverenciados. Enquanto aparentam uma piedade profunda nas suas «longas rezas» em público, aproveitam-se do seu prestígio religioso para viver à custa das viúvas, dos seres mais débeis e indefesos de Israel segundo a tradição bíblica.
Precisamente, uma destas viúvas vai pôr em evidência a religião corrupta destes dirigentes religiosos. O seu gesto passou despercebido a todos, mas não a Jesus. A pobre mulher só deitou na arca das oferendas duas pequenas moedas, mas Jesus chama de seguida os Seus discípulos pois dificilmente encontrarão naquele ambiente do templo um coração mais religioso e mais solidário com os necessitados.
Esta viúva não anda à procura de honras nem prestigio algum; atua de forma calada e humilde. Não pensa em explorar ninguém; pelo contrário, dá tudo o que tem porque outros o podem necessitar. Segundo Jesus, deu mais que todos, pois não dá o que lhe sobra, mas «tudo o que tem para viver».
Não nos equivoquemos. Estas pessoas simples, mas de coração grande e generoso, que sabem amar sem reservas, são o melhor que temos na Igreja. Elas são as que fazem o mundo mais humano, as que creem verdadeiramente em Deus, as que mantêm vivo o Espírito de Jesus no meio das outras atitudes religiosas falsas e interesseiras. Destas pessoas temos de aprender a seguir a Jesus. São as que mais se lhe parecem.

José Antonio Pagola