sexta-feira, 20 de novembro de 2015

SOLENIDADE DE CRISTO, REI DO UNIVERSO (ANO B – 22.11.2015)

Mais que rei, Jesus é Pastor, Profeta e Testemunha!

Muitos nos perguntamos sobre sentido da festa de hoje. Há mais de 100 anos, algumas comunidades católicas imaginaram a celebração de Cristo Rei como forma de propagar a dignidade de Jesus Cristo, afirmar os direitos da Igreja frente à sociedade liberal e destacar a importância da doutrina cristã na formulação das leis civis. Esta festa foi instituída há 60 anos atrás, mas hoje temos consciência de que é preciso evitar toda forma de triunfalismo e destacar o mistério essencial de Jesus Cristo: ele é testemunha da verdade e profeta um Novo Tempo de paz, solidariedade e partilha.
Penso que a identificação de Jesus de Nazaré com a figura do rei é um erro e um delírio bem ao estilo dos amantes do poder. Jesus não foi nem sacerdote e nem rei! Como profeta e reformador, irmão dos pobres e dos pecadores e servidor dos oprimidos, ele revelou o melhor que pode haver no ser humano e fez brilhar no mundo a glória de Deus. A única razão aceitável para aproximar Jesus Cristo da figura do rei seria a de contrastar e relativizar todos os demais poderes, inclusive as autoridades eclesiásticas. Quando celebraremos solenemente a festa de Cristo Servo de todas as criaturas? Quando os cristãos renunciaremos de verdade aos mantos da nobreza e vestiremos o avental do serviço?
É verdade que o Apocalipse de São João atribui repetidamente a Jesus o poder, a riqueza, a honra, a glória, a sabedoria, a força e louvor e tudo o mais (cf. Ap 5,12-13). Mas não podemos esquecer que tudo isso se diz daquele que é a pedra rejeitada, a vítima do próprio poder estabelecido, e que Jesus é “a testemunha fiel, o primeiro a ressuscitar dos mortos”. Nessa condição de testemunha e vítima da pena de morte, ele é “chefe dos reis da terra”. Partilhando por amor a sorte dos condenados, Jesus perdoou nossas dívidas e nos constituiu como povo novo e soberano, do qual é guia e líder inconteste.
A cena de Jesus diante de Pilatos é, no mínimo, paradoxal. Um preso despojado de tudo, acusado pelos seus próprios compatriotas, sem direito à defesa, está cara-a-cara com uma autoridade plenipotenciária e a serviço de um poder invasor. Um homem habituado às estradas é colocado diante de um senhor habitante de palácios. A cena insinua um confronto radical, e a pergunta de Pilatos é clara: “Tu és o rei dos judeus?” Pilatos não pergunta se ele é um rei, mas se é o rei; e não o refere a Israel (povo escolhido por Deus) mas aos judeus (um povo ou uma raça em meio a tantas).
Astuto, Pilatos se interessa mais pela ação que pelos títulos. Por isso, pergunta que tipo de liderança Jesus desenvolve: “O que fizeste?” Jesus responde chamando a atenção para a diferença e a originalidade libertadora da sua ação. Respondendo a Pilatos, diz que seu reino “não é deste mundo”, pois sua ação se distancia da força e do poder, tem outro dinamismo e se rege por outra finalidade. Ele age solidariamente para responder às necessidades do seu povo, recusa assumir o poder (cf. Jo 6,15) e se opõe duramente aos príncipes do mundo (cf. Jo 12,32; 16,11).
Parece que Jesus aceita a qualificação de rei, mas recusa a redução da sua missão ao povo judeu. “Você está dizendo que eu sou rei.” Ele não é o único rei, nem apenas rei dos judeus. Jesus preside e dirige o amplo movimento do reino de Deus, que reúne todos os homens e mulheres de boa vontade, promove a liberdade e a vida de todos, e não usa da força para defender os privilégios das elites. “Se o meu reino fosse deste mundo, os meus guardas lutariam para que eu não fosse entregue às autoridades dos judeus.” Ele é rei exatamente e apenas na medida em que dá sua vida por todos.
Jesus diz que nasceu e veio ao mundo para dar testemunho da verdade. Sua prioridade é ser testemunha da verdade, ou seja, do amor incondicional de Deus por todas as criaturas, especialmente pelos oprimidos e, diante disso, sua própria sobrevivência é secundária. A verdade é que Deus ama a ponto de dar a própria vida, e isso não expressa a fraqueza mas a invencível força de Deus. Por isso, é na cruz que se revela e realiza a realeza de Jesus Cristo e do ser humano. Nada mais paradoxal que esta figura de rei! Nada mais distante da imagem de rei do que a figura de um escravo ou um executado...
Jesus de Nazaré, profeta e pastor, servo e testemunha: reunidos em torno da tua mesa, queremos acolher teu gesto testamentário e teu chamado a sermos dom e semente. Grava em nosso corpo os sinais da tua realeza: o amor fraterno e o serviço solidário. Ajuda-nos a superar toda busca de poder dominador e de nobreza vazia de humanidade. Que tua Igreja não se deixe guiar nem pela indiferença, nem pela prepotência. E que à tua palavra-oferta “isto é meu corpo que é dado por vós”, respondamos com liberdade e verdade: “Faremos a mesma coisa em memória de ti.” Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Profeta Daniel 7,13-14 * Salmo 92 (93) * Apocalipse de S. João 1,5-8 * Evangelho de São João 18,33-37)

Nenhum comentário: