sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

ANO C – TERCEIRO DOMINGO DO TEMPO COMUM – 24.01.2016

Que a Palavra ouvida se torne Palavra vivida!

A própria Sagrada Escritura nos apresenta belas e abundantes passagens que sublinham a importância da Palavra de Deus e elogiam sua fecundidade. O Salmo 18 (19) recorre a várias metáforas para ilustrar seu dinamismo: os preceitos do Senhor são retos e alegram o coração; seus mandamentos são como luz que orienta; as decisões do Senhor são verdadeiras e justas; seus projetos são preciosos como o ouro e doces como o mel... Graças a Deus, a atenção à Palavra de Deus tem crescido em nossas comunidades, e a Bíblia é hoje uma das principais fontes da espiritualidade cristã e da ação pastoral.
Na pessoa de Jesus Cristo, Espírito e Palavra coincidem com exatidão. Pregação e ação, promessa e presença se identificam. Depois do batismo, conduzido pelo Espírito, Jesus vai ao deserto, enfrenta e vence as tentações, deixa o deserto e se se insere nas lutas e tradições do seu povo. Ele inicia sua vida pública nas sinagogas dos povoados da Galiléia. “Ele ensinava nas sinagogas e todos o elogiavam.” Sua ação é como de um mestre e reformador eloqüente e experimentado. Mas ele não pretende simplesmente negar as instituições da sua religião e começar tudo de novo.
Jesus freqüenta a sinagoga junto com seu povo, e isso é um hábito, e não algo que faz esporadicamente. O evangelista diz que este era um costume de Jesus. Isso revela uma atitude de discípulo. Como qualquer pessoa que se põe nos caminhos de Deus, Jesus necessita de um horizonte e de uma referência para sua vida e sua missão. Sedento e faminto das promessas de Deus, ele busca orientação na Palavra de Deus. Num sábado, procura diligentemente e encontra a passagem na qual o profeta Isaías tenta suscitar a esperança num povo radicalmente desesperançado.
Como Esdras no passado, Jesus lê a palavra que Deus suscitara mediante o profeta “para todos os homens e mulheres e todos os que tinham uso da razão”. Mas a lê também para si mesmo, buscando nela uma orientação pessoal para melhor entender sua missão. “Anunciar a Boa Notícia aos pobres; para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; libertar os oprimidos, e para proclamar um ano da graça do Senhor.” O Espírito e a Palavra enviam seus ungidos a uma missão historicamente engajada e relevante, sempre em favor dos últimos. Estes não são indiferentes ou estranhos ao povo de Deus, mas membros legítimos e preciosos, e como tal devem ser tratados.
Jesus desenvolveu sua missão evangelizadora num tempo em que a gratuidade não estava em alta. Os invasores romanos exigiam tributos, mesmo às custas da miséria do povo, e os sacerdotes do templo cobravam a reparação ritual até das faltas mais irrelevantes. Para o judaísmo, pobres, presos, cegos e oprimidos eram pecadores e, por isso, devedores. Para eles, os pecados e impurezas do povo deveriam ser pagos sem descontos. A pregação do perdão pelo arrependimento era coisa muito recente e suspeita, sustentada apenas pelo profeta que batizava nas margens do rio e poucos outros...
Jesus vai à Sinagoga para resgatar uma esperança popular enraizada na própria escritura e para questionar a pregação oficial. Ele entende que sua missão é anunciar que chegou o tempo do jubileu, do cancelamento de todas as dívidas, da remissão de todos os pecados: enfim, um tempo de misericórdia, e não de sacrifícios. Para Jesus, Deus não é nem delegado de polícia, nem agente do Serviço de Proteção ao Crédito. O Evangelho é, literalmente, uma boa notícia. Por isso, não pode ser reduzido a uma pesada e sofisticada doutrina moral, imposta a um povo já cansado e abatido.
A ‘homilia’ que Jesus fez sobre a profecia que acabara de ler foi breve e concreta. “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura, que vocês acabam de ouvir.” A comunidade, que estava como que suspensa diante da proclamação da Palavra e tinha os olhos fixos no jovem pregador, foi por ele chamada ao presente concreto. Como ouvinte habitual da Palavra de Deus, Jesus percebe que o tempo está maduro e que Deus se dirige a ele. O filho amado é também o profeta e reformador esperado. Quando a profecia não se realiza no engajamento nas lutas e movimentos de libertação, é apenas meia-palavra.
Jesus de Nazaré, ouvinte da Palavra viva do pai e Palavra que se faz carne para que toda carne se torne Palavra: ensina-nos a levar sério o alimento do teu Evangelho e a jamais menosprezar tua Boa notícia. Com Paulo, teu apaixonado missionário, descobrimos que teu corpo é formado de muitos e diversos membros, unificados por teu Espírito. Ajuda-nos a reconhecer nos pobres membros que precisam ouvir boas notícias; nos oprimidos, membros que necessitam da tua liberdade; nas pessoas dependentes e endividadas, gente que tem o direito à gratuidade. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Neemias 8,2-10 * Salmo 18 B (19 B) * 1ª Carta aos Coríntios 12,12-30 * Evangelho de Lucas 1,1-4; 4,14-21)

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