quinta-feira, 24 de março de 2016

Um salvador crucificado?

Messias Crucificado? Que loucura!
A vida de Jesus, suas ações e ensinamentos extrapolaram o senso comum dos seus contemporâneos. Suas chocantes parábolas quebravam a lógica dos sacerdotes e doutores da Lei, faziam pensar, provocavam mudança, geravam resistências. Seu projeto de “mesa comum” era um paradoxo para a visão legalista da religião do seu tempo.
Em vez de preocupar-se com o cumprimento da “lei da pureza” (Lv 11-16), que excluía e discriminava pessoas como impuras, Jesus proporciona a experiência sagrada da comensalidade aberta. Homens e mulheres de diferentes posições sociais e situações pessoais podiam sentar-se juntos e compartilhar o pão. Esta é uma característica fundamental do Reinado de Deus anunciado e vivenciado na prática de Jesus.
Este inédito ministério de Jesus durou pouco. Somente uns três anos, pois desde o início encontrou uma grande oposição do sistema do templo, que se uniu ao poder civil e conseguiu prender Jesus, torturá-lo e crucificá-lo. Mas, Deus o ressuscitou, o levantou da morte, confirmando seu Projeto! A experiência da ressurreição congrega, na Galileia, os discípulos que se haviam dispersado, depois do aparente fracasso da Cruz. Surpreendentemente, a voz para esta articulação era das mulheres (Mc 16,7; Mt 28,8). Com certeza, foi um recomeçar muito tímido e modesto, este, da comunidade da Galileia.
A Cruz não tem lógica, nem pode ser explicada! 
Cerca de seis anos mais tarde, Saulo entra em contato com a Boa Nova de Jesus, o Nazareu (At 6,14), através da pregação e do testemunho de Estevão, que transbordante de sabedoria e dom do Espírito (At 6,10), dava continuidade ao movimento iniciado por Jesus de Nazaré. Paulo observava o martírio de Estevão, porém ainda estava preso à lógica do discurso religioso oficial e não se deixou tocar pelo paradoxo de um Messias Crucificado, de um amor que não se poupa, de uma gratuidade que se dá totalmente, na liberdade escolhida.

No caminho para Damasco, inicia-se em Saulo um processo de conversão que durou anos. O clímax deste processo acontece na sua dolorosa experiência de fracasso em Atenas. Foi uma profunda experiência de rejeição por parte dos gregos que levou Paulo a resgatar com insistência e convicção a mensagem do Messias Crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos (1Cor 1,23). Mas, que experiência foi essa? Em Atenas, depois de percorrer a cidade e observar aspectos importantes da cultura grega, Paulo preparou com muito cuidado um discurso. Preocupado em gerar um debate que levasse ao conhecimento da boa-nova de Jesus, Paulo elaborou sua fala a partir das regras de retórica dos gregos (At 17,22-31). Mas, não falou da Cruz. Falou somente de Jesus e da sua ressurreição. Para os gregos, que já tinham tantos casais de deuses, o anúncio de Jesus e sua anástasis (ressurreição) não trazia nenhuma novidade! Disseram-lhe: “Até logo! Nós ouviremos você falar disso em outra ocasião!” (At 17,32). Decepcionado, Paulo descobriu que não se pode falar de ressurreição sem falar da Cruz. Descobriu também que a Cruz não tem lógica, nem existem discursos capazes de explicá-la! (At 17,33).
Depois dessa experiência, Paulo seguiu para Corinto e ficou um tempo sem pregar, trabalhando como artesão, junto com Priscila e Áquila (At 18,1-4). Ele deve ter aprendido muito com esta experiência de fracasso, porque faz memória das marcas que ficaram em seu corpo e em seu estilo de pregação: “Quando fui me encontrar com vocês, irmãos, não me apresentei com o prestígio da palavra ou da sabedoria para anunciar-lhes o mistério de Deus. Eu não quis saber de outra coisa, entre vocês, do que de Jesus Cristo, e Jesus Crucificado. Estive cheio de fraqueza, receio e tremor entre vocês. Minha pregação nada tinha da linguagem persuasiva da sabedoria, mas era uma demonstração de Espírito e poder…” (1Cor 2,1-5).
Uma comunidade imatura e dividida. 
Mais tarde, estando já em Éfeso, Paulo ficou sabendo que a comunidade de Corinto estava dividida, que gostavam de ouvir discursos bem elaborados e que fãs dos evangelizadores formavam grupos rivais: “Eu sou de Paulo!”, ou “Eu sou de Apolo!”, ou “Eu sou de Cefas!”, ou “Eu sou de Cristo!” (1Cor 1,12). Sofrendo, Paulo escreveu uma carta para esta comunidade ainda tão imatura, buscando mostrar a diferença entre a sabedoria do mundo e a sabedoria da Cruz, sem ignorar a sabedoria humana, mas apresentando-a como dom de Deus (1Cor 1,21).
Agora, Paulo foca sua pregação na loucura da Cruz, que é loucura de Deus (1Cor 1,25). E a loucura de Deus é expressão do seu amor sem limites, manifestado na humanidade plena do Messias Crucificado. E a loucura de Deus transparece também na fragilidade das pessoas que formam a comunidade: “Olhem para vocês mesmos, irmãos! Entre vocês não há muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos de famílias importantes. Mas, o que é loucura no mundo, Deus o escolheu para confundir os sábios. E o que é fraqueza no mundo, Deus o escolheu para confundir o que é forte…” (1Cor 1,26-31). Para a visão do mundo, a paixão pelo Reino é uma loucura.
Hoje, quanto mais nos aproximamos de Jesus, através dos Evangelhos, mais percebemos a paixão que o levou a viver intensamente, descuidado de si, apaixonadamente entregue ao projeto do Pai, dedicando sua vida ao serviço dos pequeninos, das pessoas pobres e discriminadas, excluídas do acesso direto a Deus, pelo sistema do templo. Uma entrega tão intensa que ele nem encontrava tempo para comer. Seus familiares e amigos chegaram a pensar que ele havia ficado louco: “Quando os seus tomaram conhecimento disso, saíram para detê-lo, porque diziam: ‘perdeu o juízo’” (Mc 3,20-21).
Jesus ama sem medida, é sensível ao sofrimento e deixa-se tocar pela dor das pessoas, sobretudo das mais frágeis. Ao se encontrar com a viúva que ia enterrar o seu filho único, Jesus ama aquela mulher desconhecida: “Mulher, não chores!” Quem ama como Jesus, vive aliviando o sofrimento e secando lágrimas.
Jesus olhava para a multidão e comovia-se: via seu povo sofrendo, desorientado como ovelhas sem pastor. Rapidamente, punha-se a curar os mais doentes ou a alimentá-los com as suas palavras. Quem ama como Jesus, aprende a olhar os rostos das pessoas com compaixão. Está sempre disponível. Não pensa em si mesmo. Atende qualquer chamado, toda solicitação, disposto sempre a fazer algo pela pessoa. Acolhe o mendigo cego, que grita e irrita a todos: “Que queres que faça por ti?” Com esta atitude anda pela vida quem ama como Jesus.
Jesus sabe estar junto aos mais desvalidos. Nem mesmo espera que lhe peçam. Cura doentes, liberta consciências, contagia de amor e confiança em Deus. Mas não pode resolver todos os problemas daquelas pessoas. Então, dedica-se a fazer gestos de bondade. Abraça as crianças da rua: não quer que ninguém se sinta órfão. Abençoa os doentes: não quer que se sintam esquecidos por Deus. Acaricia a pele dos leprosos: não quer que se vejam excluídos. Assim são os gestos de quem ama como Jesus. Esta é a loucura que confunde o mundo!
Carlos Mesters e Mercedes Lopes


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