O amor fraterno é a
fonte, a meta e o método da missão.
No entardecer
da vida seremos julgados pelo amor que tivermos vivido concretamente, afirma o
místico poeta. Mas no alvorecer e no meio-dia da nossa existência, o verbo amar
há de ser conjugado em todos os tempos e modos, inclusive no imperativo, mas
especialmente no presente e no gerúndio. O testamento que Jesus nos deixa na
Ceia e o testemunho corajoso das primeiras comunidades cristãs, nascidas da
experiência da presença de Jesus ressuscitado e do amor espiritual, humano e
político dos apóstolos, estão aí, vivos e eloquentes, para que não esqueçamos
disso.
A meta
que dá sentido à nossa vida e missão no mundo é o Reino de Deus. Os cristãos não podemos passar pelo mundo caminhando
na ponta dos pés, como se tivéssemos medo de tocar nele ou de nos contaminar.
Também não podemos voltar o olhar a uma ilusória interioridade, como se não
tivéssemos outra tarefa que a de salvar a própria alma. Não foi isso que Jesus
Cristo fez, e não foi nisso que seus melhores discípulos e discípulas fizeram
ao longo dos vinte séculos de história do cristianismo. A esperança de novos
céus e nova terra nos comprometem na transfiguração desta terra!
E nem
mesmo as dificuldades que enfrentamos um pouco em todas as latitudes podem nos
levar a desistir da grande Utopia que nos faz caminhar. O terremoto da
perseguição que se abatia sobre os cristãos no final no primeiro século não
impediu que João e sua comunidade visualizassem novos céus e uma nova terra:
uma cidade-sociedade santa, bela como noiva enfeitada para o casamento; a tenda
da morada definitiva de Deus no coração da humanidade, que vem para enxugar
nossas lágrimas; a terra sem males, espaço do bem-viver, como sonham ensinam
nossos povos originários.
Os
cristãos precisamos pôr nossa inteligência em funcionamento para dar a esta
imagem poética contornos e traços históricos e atuais: um mundo sem barreiras
para os migrantes e no qual haja lugar para todos os seres humanos; um sistema
econômico que respeite e preserve a criação; uma política que não se limite a
assegurar os privilégios de uma pequena elite e atentar contra a democracia; uma
cultura amante da humanidade, da criatividade, da liberdade e da beleza; uma
Igreja viva e regida pela igualdade, pela liberdade e pela comunhão...
No clima
de lembrança do essencial deixado como testamento, demonstrando plena
consciência do desfecho da própria vida e pensando no martírio que coroaria o
amor intenso que marcou toda sua vida, Jesus declara que Deus o glorificará sem
demora. Para ele, a cruz não é absurdo e ignomínia, mas a radicalização da
solidariedade de Deus com a humanidade e a suprema doação da humanidade a Deus.
Por isso, é glorificação de Deus e revelação do ser humano. É nesta mesma linha
que, um século mais tarde Santo Irineu afirma que a glória de Deus é a vida do
ser humano.
Para os
cristãos, amar não é uma opção condicionada, mas um imperativo absoluto. E, a
partir da morte e ressurreição de Jesus, a medida do amor não somos mais nós
mesmos. “Eu vos dou um novo mandamento. Amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós
deveis amar-vos uns aos outros.” Mesmo sabendo que não estamos preparados para
tal amor, Jesus faz questão de sublinhar que este seu mandamento é novo, e que
a medida que verifica o amor também é nova. A partir dele, amar significa lutar
para que todos tenham vida, dando da própria vida e arriscando a própria vida.
Prosseguindo
o diálogo amistoso e mistagógico com seus discípulos, Jesus diz: “Quem crê em
mim fará as obras que eu faço, e fará ainda maiores do que estas... Se alguém
me ama, guardará a minha palavra; meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada” (Jo
14,12.23). A comunidade dos que amam verdadeiramente se torna a morada de Deus
no mundo visualizada por João no seu Apocalipse. E então o amor ao próximo e ao
distante se torna o estatuto e a identidade da comunidade cristã. “Nisto
conhecerão todos que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros.”
Jesus de Nazaré, Cordeiro de Deus e missionário do
Pai, expressão viva e inequívoca do verbo amar. Lavando os pés dos discípulos,
inclusive de Pedro e de Judas, tu nos perguntas se entendemos o que estás
fazendo. Na verdade, ainda não entendemos tudo e profundamente. Por isso nos
aproximamos de novo da mesa da Palavra e do Pão. Queremos contemplar teu gesto
e aprender tua lição. E queremos vivê-la nos caminhos do mundo e nos cenáculos
da vida, fazendo-nos tudo para todos, vivendo e testemunhando tua Boa Notícia
que anima os pobres, levanta os caídos e abre os olhos aos cegos. Assim seja!
Amém!
Itacir Brassiani msf
(Atos dos Apóstolos 14,21-27
* Salmo 144 (145) * Apocalipse de S. Joao 21,1-5 * Evangelho de João 13,31-35)
Nenhum comentário:
Postar um comentário