Qual é a única coisa
realmente boa e indispensável na vida?
O fato
aconteceu há mais de anos, mas lembro-me perfeitamente do rosto do Gilberto, um
homem humilde que trabalhava como gari e, nos fins de semana, fazia uns bicos
para suprir as necessidades da família, inclusive de um filho portador de
necessidades especiais. Sendo membro de uma Igreja cristã e pressionado pelo
pastor para não trabalhar aos domingos, ele me perguntava ansiosamente: O que é
mais de acordo com Jesus, descansar e ir ao culto ou atender as necessidades do
meu filho? De fato, a preocupação com as muitas leis podem nos levar a esquecer
aquilo que é imprescindível: ser aprendiz de Jesus na sua absolutamente
prioritária compaixão pela humanidade ferida.
Para
entender corretamente o ensinamento de Jesus transmitido por Lucas no evangelho
de hoje precisamos colocar a cena no seu contexto literário: o episódio está
situado depois da parábola do bom samaritano, enquanto Jesus percorre
decididamente o caminho que o levará fatalmente ao confronto e à morte em
Jerusalém. E esta estrada é a escola na qual Jesus dá as lições essenciais aos
que o seguem. Deixando a estrada, símbolo
da abertura, Jesus entra numa cidade, símbolo de fechamento. A mulher que o
recebe em sua casa é chefe de família, e seu nome significa literalmente
‘patroa’.
Jesus
deixa claro que é socorrendo e atendendo às pessoas necessitadas que nós efetivamente
servimos a Deus. Mas muitas preocupações
nos agitam, e nem todas são evangélicas. Não se trata de preocupações de atender
às necessidades dos irmãos e irmãs, mas com coisas bem menores. O que provoca a
agitação de Marta é a necessidade de cumprir o código de leis que o judaísmo
impunha aos fiéis, e que acabava afastando-os da compaixão e da misericórdia
(cf. Lc 10,25-37), a tarefa de governar a casa e o desejo de controlar a
própria vida, garantir a satisfação dos desejos e acumular riquezas (cf. Lc
8,14; 12,24-34).
Essas
preocupações levam Marta a querer corrigir o Evangelho e dar ordens ao próprio
Jesus. “Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha com todo o
serviço? Manda, pois que ela venha me ajudar.” A senhora Marta sente-se com
autoridade para advertir Jesus e dar-lhe ordens! Mas Jesus ensina que o único
bem necessário é sentar-se diante dele como quem aprende e seguir seus passos
com a disposição de partilhar seu destino. Em outras palavras: não é possível
conjugar o seguimento de Jesus com o culto desligado da vida e com a busca do
sucesso individual a qualquer custo.
Eis o
núcleo da questão: escuta da Palavra viva de Jesus Cristo é condição para um
ministério apostólico eficaz. Enquanto Marta faz aquilo que é aparentemente
mais seguro, urgente e eficaz, Maria faz o que é mais fundamental e importante.
Maria faz a única coisa que é correta e boa do ponto de vista do Evangelho. Por
isso, Jesus não fala simplesmente da “melhor parte”, mas que “uma só coisa é
necessária”, e que Maria “escolheu a parte boa, e esta não lhe será tirada”. Isso
não é um elogio à passividade, mas uma outra forma de afirmar aquilo que bom
samaritano fez na parábola que Jesus acabara de contar...
A única
coisa necessária, capaz de expressar e potencializar o dinamismo de uma vida
terna e eterna, é o amor a Deus, conjugado com a compaixão ativa e solidária
pela pessoa humana, especialmente pelos mais fracos. É isso que precisamos
aprender e reaprender aos pés de Jesus, deixando de lado um outras coisas que,
com sua aparente urgência e eficácia, não fazem outra coisa que provocar
agitação e badalação. Para que serve a infinidade de leis canônicas, rubricas
litúrgicas e normas disciplinares para ministros ordenados ou não se não ajudam
a renovar e consolidar esta escolha fundamental?
Paulo se
alegra nos sofrimentos que enfrenta por causa da comunidade e completa em sua
carne o que falta às tribulações de Cristo. Acolhendo o ministério que Deus lhe
confiou, fez-se servidor da Igreja e se desdobra para que a Palavra de Deus
chegue efetivamente a ela. Aqueles que ousam sentar-se aos pés de Jesus acabam
indo onde vão estes pés! Paulo não diz que o sofrimento é santificação, mas que
a adesão a Jesus Cristo e o fazer-se próximo dos últimos deve contar com a
possibilidade de sofrer a oposição e as agressões vindas de quem não aceita
mudança alguma, nem mesmo do coração.
Jesus, mestre de lições inesquecíveis nos caminhos da
história, irmão que vens aos nosso encontro como próximo e companheiro! Tua
Igreja vive de novo tempos difíceis e tentadores. Crescem as exigências e o
apreço por liturgias irretocáveis, por normas claras e discriminadoras. E isso
acaba deixando muitos ministros preocupados com muita coisa, e levando-os a
evitar sentar-se aos teus pés e escutar tua Palavra. Reconduz nossas
comunidades à tua escola, faz com que elas sentem aos teus pés, para, contigo,
dirigirem-se com compaixão ao encontro das pessoas necessitadas para servi-las.
Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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