quinta-feira, 14 de julho de 2016

ANO C – DÉCIMO-SEXTO DOMINGO DO TEMPO COMUM –17.07.2016

Qual é a única coisa realmente boa e indispensável na vida?

O fato aconteceu há mais de anos, mas lembro-me perfeitamente do rosto do Gilberto, um homem humilde que trabalhava como gari e, nos fins de semana, fazia uns bicos para suprir as necessidades da família, inclusive de um filho portador de necessidades especiais. Sendo membro de uma Igreja cristã e pressionado pelo pastor para não trabalhar aos domingos, ele me perguntava ansiosamente: O que é mais de acordo com Jesus, descansar e ir ao culto ou atender as necessidades do meu filho? De fato, a preocupação com as muitas leis podem nos levar a esquecer aquilo que é imprescindível: ser aprendiz de Jesus na sua absolutamente prioritária compaixão pela humanidade ferida.
Para entender corretamente o ensinamento de Jesus transmitido por Lucas no evangelho de hoje precisamos colocar a cena no seu contexto literário: o episódio está situado depois da parábola do bom samaritano, enquanto Jesus percorre decididamente o caminho que o levará fatalmente ao confronto e à morte em Jerusalém. E esta estrada é a escola na qual Jesus dá as lições essenciais aos que o seguem.  Deixando a estrada, símbolo da abertura, Jesus entra numa cidade, símbolo de fechamento. A mulher que o recebe em sua casa é chefe de família, e seu nome significa literalmente ‘patroa’.
Jesus deixa claro que é socorrendo e atendendo às pessoas necessitadas que nós efetivamente servimos a Deus.  Mas muitas preocupações nos agitam, e nem todas são evangélicas. Não se trata de preocupações de atender às necessidades dos irmãos e irmãs, mas com coisas bem menores. O que provoca a agitação de Marta é a necessidade de cumprir o código de leis que o judaísmo impunha aos fiéis, e que acabava afastando-os da compaixão e da misericórdia (cf. Lc 10,25-37), a tarefa de governar a casa e o desejo de controlar a própria vida, garantir a satisfação dos desejos e acumular riquezas (cf. Lc 8,14; 12,24-34).
Essas preocupações levam Marta a querer corrigir o Evangelho e dar ordens ao próprio Jesus. “Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha com todo o serviço? Manda, pois que ela venha me ajudar.” A senhora Marta sente-se com autoridade para advertir Jesus e dar-lhe ordens! Mas Jesus ensina que o único bem necessário é sentar-se diante dele como quem aprende e seguir seus passos com a disposição de partilhar seu destino. Em outras palavras: não é possível conjugar o seguimento de Jesus com o culto desligado da vida e com a busca do sucesso individual a qualquer custo.
Eis o núcleo da questão: escuta da Palavra viva de Jesus Cristo é condição para um ministério apostólico eficaz. Enquanto Marta faz aquilo que é aparentemente mais seguro, urgente e eficaz, Maria faz o que é mais fundamental e importante. Maria faz a única coisa que é correta e boa do ponto de vista do Evangelho. Por isso, Jesus não fala simplesmente da “melhor parte”, mas que “uma só coisa é necessária”, e que Maria “escolheu a parte boa, e esta não lhe será tirada”. Isso não é um elogio à passividade, mas uma outra forma de afirmar aquilo que bom samaritano fez na parábola que Jesus acabara de contar...
A única coisa necessária, capaz de expressar e potencializar o dinamismo de uma vida terna e eterna, é o amor a Deus, conjugado com a compaixão ativa e solidária pela pessoa humana, especialmente pelos mais fracos. É isso que precisamos aprender e reaprender aos pés de Jesus, deixando de lado um outras coisas que, com sua aparente urgência e eficácia, não fazem outra coisa que provocar agitação e badalação. Para que serve a infinidade de leis canônicas, rubricas litúrgicas e normas disciplinares para ministros ordenados ou não se não ajudam a renovar e consolidar esta escolha fundamental?
Paulo se alegra nos sofrimentos que enfrenta por causa da comunidade e completa em sua carne o que falta às tribulações de Cristo. Acolhendo o ministério que Deus lhe confiou, fez-se servidor da Igreja e se desdobra para que a Palavra de Deus chegue efetivamente a ela. Aqueles que ousam sentar-se aos pés de Jesus acabam indo onde vão estes pés! Paulo não diz que o sofrimento é santificação, mas que a adesão a Jesus Cristo e o fazer-se próximo dos últimos deve contar com a possibilidade de sofrer a oposição e as agressões vindas de quem não aceita mudança alguma, nem mesmo do coração.
Jesus, mestre de lições inesquecíveis nos caminhos da história, irmão que vens aos nosso encontro como próximo e companheiro! Tua Igreja vive de novo tempos difíceis e tentadores. Crescem as exigências e o apreço por liturgias irretocáveis, por normas claras e discriminadoras. E isso acaba deixando muitos ministros preocupados com muita coisa, e levando-os a evitar sentar-se aos teus pés e escutar tua Palavra. Reconduz nossas comunidades à tua escola, faz com que elas sentem aos teus pés, para, contigo, dirigirem-se com compaixão ao encontro das pessoas necessitadas para servi-las. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Livro do Genesis 18,1-10 * Salmo 14 (15) * Carta aos Colossenses 1,24-28 * Evangelho de S. Lucas 10,38-42)

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