terça-feira, 26 de julho de 2016

Curso de Missiologia (17)

Ad Gentes, Inter Gentes, Congentibus: novos horizontes e dinamismos da missão
Continuemos a reflexão do Pe. Godoy sobre a missionariedade na perspectiva do Vaticano II, durante o segundo dia da segunda semana (26 de julho) do Curso de Aperfeiçoamento da Açao Missionaria, em Santa Cruz de la Sierra, Bolivia.
Ad Gentes resgata a dimensão teológica da missão e restitui à Igreja a consciência da sua natureza essencialmente missionaria. Mas aparece uma tensão entre dois conceitos: implantar a Igreja (concepção jurídico-territorial) e uma concepção mais teológica, fundamentada na imagem de missão de Deus, da Trindade. De qualquer modo, o documento enfatiza algumas atitudes fundamentais: abertura, escuta e dialogo.
O conceito de missão ad gentes está mudando: de missão ad extra, a territórios culturalmente não cristãos, para a missão compreendida como uma realidade em qualquer lugar e até em contextos de antiga tradição cristã. Num mundo globalizado, a missão não se dirige apenas a alguns povos, mas a todos, com todos e em todos os povos e territórios.
Hoje falamos em missão inter gentes (os povos estão inter-relacionados, misturados: e a missão se faz entre estes povos e culturas). Também falamos em missão congentibus (no mesmo nível do outro, que não é pior nem melhor, menos nem maior, somos todos irmãos desta mesma família de Deus). Hoje a missão ad gentes é vista como uma saída da Igreja de si mesma em direção ao outro, e assim se torna inter gentes, e o ciclo se fecha em congentibus, no mesmo nível do outro.
A missão ad gentes é hoje concebida como dialogo e encontro com as gentes, povos, grupos humanos. O missionário pede hospedagem e faz morada entre as gentes, num processo de inculturação vivido por Jesus Cristo e pelas primeiras gerações cristãs, tendo como perspectiva a construção de uma Igreja policêntrica e multicultural.  
Em alguns meios teológicos falam em missão reversa. O mundo europeu se vê na necessidade de ser evangelizado. É o mundo oriental e o hemisfério sul que são chamados e contribuir com a re-evangelização da Europa. Territórios que até há pouco eram o destino onde chegavam missionários são hoje celeiro de missionários.
Estamos no fim de um período de cristandade centrada em si mesma, obcecada pelo exclusivismo, tanto em relação aos povos do Sul do mundo como ao mundo secularizado. Está emergindo e deve emergir um cristianismo que atua por irradiação, mediante o testemunho, a convivência e o serviço.
Aqui é importante a auto compreensão da Igreja como sacramento de salvação, sinal e instrumento da união intima com Deus e da unidade do gênero humano, como mistério da presença de Deus no mundo, e não mais como sociedade perfeita. É a perspectiva assumida por Ad Gentes, mas também por Lumen Gentium, no capítulo que apresenta a Igreja como Mistério.
As teses estruturais de Ad Gentes: A missão do Pai brota do seu amo (2). O Filho tornou-se pobre por nós, enriquecendo-nos com sua pobreza (3). A missão do Espirito precede, acompanha e dirige a ação apostólica da Igreja (4). A Igreja é enviada em missão a todos os povos (5). A ação missionaria da Igreja também pede atividades concretas (6).
A reflexão na América Latina
A obra missionaria enquanto tal se realiza, antes de tudo, como testemunho e dialogo; depois como anuncio e conversão; finalmente, a formação da comunidade eclesial. Mas terminaria com a constituição da Igreja, com seu aparato litúrgico e ministerial? Sim, se entendemos a Igreja nos parâmetros e horizontes conciliares...
Evangelii Nuntiandi (1975), focaliza a missão em termos de evangelização. Substituiria o conceito de missão? Missão seria apenas evangelização, que se faz mediante o testemunho, a promoção humana, as ações libertadoras? A existência de diferentes religiões exige o diálogo e o anuncio (Dialogo e missão, Secretariado para os não cristãos, 1984), centrado em quatro conceitos: testemunho de comunhão, serviço, dialogo e anuncio. Redemptoris Missio (1990), ressalta a validade permanente do mandato missionário. E distingue entre missão ad gentes, ação pastoral e nova evangelização (cf. n° 33). Dialogo e anuncio (Pontifício Conselho para o diálogo inter-religioso, 1991). O diálogo não substitui o anuncio?
Na América Latina, a conferência de Medellin é nossa recepção criativa do Vaticano II (este, centrado na Europa), e o eixo da missão está na opção pelos pobres, não como comiseração da ação eclesial, mas como filhos amados e preferidos do Pai, e as CEB’s emergem como um meio eficaz e destacado. Na conferência de Puebla (1979), o conceito-chave é evangelização (extensa e profunda) através da formação de comunidades, atenção às situações mais necessidades, colaboração entre as Igrejas particulares e uma insipiente projeção além fronteiras (dar de nossa pobreza). A conferência de Santo Domingo propõe a inserção da animação missionaria na pastoral ordinária, a formação missionaria para seminaristas e presbíteros, a cooperação missionaria do povo de Deus e o envio de missionários ad gentes. A conferência de Aparecida (2007) resgata o paradigma das conferencias anteriores, consagra o binômio discípulos missionários e operacionaliza a missão em três círculos: paroquial, continental, ad gentes.
O caminho pós conciliar
Ad Gentes tem, no seu final, uma palavra de alento aos missionários, especialmente aos perseguidos. Nosso anuncio está incomodando a alguém? Os pobres estão sendo verdadeiramente evangelizados? Os processos atuais de evangelização sofrem o impacto da flexibilização das exigências evangélicas: vige uma religião centrada na autoajuda, na terapêutica, light, diet; uma evangelização sem cruz, intimista e consumista; é o que Francisco chama de mundanismo espiritual.
Frente ao surgimento de profetas que anunciam a morte de Deus e a deserção dos católicos, Terry Eagleton nos lança uma série de desafios. Não será o Evangelho um brutal destruidor das ilusões humanas? Se você segue Jesus e não foi morto, precisa se justificar. O maior defensor da dignidade humana foi alguém de defendeu o amor e a justiça, e foi morto por isso. Se você não amar, morre; se amar, será morto. Qualquer pregação do Evangelho que deixe de ser um escândalo e uma afronta ao estado político, é um esforço inútil. Precisamos voltar a Jesus, que nos pergunta: pra você, quem sou eu?

Itacir Brassiani msf

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