quarta-feira, 27 de julho de 2016

Curso de Missiologia (18)

A nova visão de Igreja e de Missão do Concilio Vaticano II
Na manhã de hoje, fui chamado a dar minha contribuição pessoal no Curso de Aperfeiçoamento da Ação Missionaria que estamos desenvolvendo em Santa Cruz de la Sierra, Bolívia.  Foi-me solicitado que desenvolvesse o tema do Carisma missionário dos Missionários da Sagrada Família. Inicialmente, resgatei alguns textos referenciais para a compreensão da intenção do Fundador e apresentei como este Carisma foi se desenvolvendo na história da Congregação. Em seguida, propus-me a demonstrar como este Carisma foi relido à luz do Vaticano II.

Estou convencido de que ponto de partida para uma boa reflexão sobre o lugar que o nosso Carisma ocupa na vida da Igreja é a consciência de que o Concílio Vaticano II, apresentando uma nova visão do mundo e da Igreja, modificou radicalmente o sentido do conceito de missão. Mesmo sem apresentar muitas referências explícitas, nossa Constituição supõe a visão de Igreja e de missão do Vaticano II.
A partir do Vaticano II a Igreja se reconhece inserida no mundo e profundamente solidária com tudo o que é humano. Acreditando que o Espírito de Deus dirige a história e fomenta a sede de paz, justiça e solidariedade dos indivíduos e povos (cf. GS 26), a Igreja deseja compartilhar as alegrias e esperanças, tristezas e angústias dos homens e mulheres, sobretudo dos pobres e daqueles que sofrem (cf. GS 1).  Assim, a Igreja reconhece e afirma a necessidade de conhecer e compreender o mundo em que vivemos, sua índole muitas vezes dramática, suas expectativas e seus desejos (cf. GS 4).
O Concílio Vaticano II desenvolve novos aspectos da doutrina sobre Igreja, e o primeiro desses aspectos é a noção de Igreja como povo messiânico de Deus, inserido e peregrino no mundo, convocado a anunciar e promover o reino de de Deus sendo dele sinal e gérmen e constituindo-se sacramento de unidade do inteiro gênero humano (cf. LG 1, 5, 9). Esse povo tem Cristo como cabeça, a liberdade como condição, o amor como lei e o Reino de Deus iniciado já na terra como objetivo. Mesmo aparecendo às vezes como pequeno, fraco e insignificante, esse povo é princípio eficaz de unidade, esperança e salvação para todo o gênero humano, pois Cristo o assumiu como seu instrumento, o estabeleceu como luz do mundo e sal da terra e enviando a todo o universo (cf. LG 9).
Um segundo elemento da eclesiologia conciliar é o conceito de Igreja local. “São Igreja de Cristo todas as comunidades legítimas de fiéis, espalhadas por toda a parte, em torno de seus respectivos pastores. Lá onde estão, são, em plenitude, o novo povo chamado por Deus, no Espírito Santo. Cristo está presente em todas essas comunidades, por pequenas e pobres que sejam, mesmo quando vivem no isolamento, pois a participação no corpo e no sangue de Cristo nos transforma naquilo que tomamos” (LG 26). Com as Igrejas locais e por meio delas se forma a única Igreja Católica.
Assim, a missão da Igreja é situada de modo novo no âmbito da Igreja local e tem nela seu sujeito fundamental. No Decreto Ad Gentes, o capítulo dedicado ao papel missionário das Igrejas precede o capítulo dedicado aos institutos e obras missionárias. É através do empenho de cada Igreja particular que que a natureza missionária da Igreja se realiza. Isso significa que as Igrejas jovens também podem e devem ser missionárias.
“Para despertar o zelo missionário é conveniente que as novas Igrejas se disponham quanto antes a participar da ação missionária da Igreja universal, enviando também elas missionários que anunciem o Evangelho em todo o mundo, apesar da penúria do clero. A plena comunhão com a Igreja universal requer que as Igrejas particulares participem ativamente da missão da Igreja junto aos povos” (AG 20).

Por fim, na perspectiva aberta pelo Vaticano II, a missão compete a todo o povo de Deus, e, no interior dele, os leigos e leigas adquirem um valor cada vez maior (cf. AG 21).  “O apostolado dos leigos é participação na missão salvadora da Igreja. Todos estão qualificados pelo Senhor ao exercício desse apostolado, através do batismo e da confirmação. Os leigos são especialmente chamados a tornar a Igreja presente e ativa nos lugares e nas circunstâncias onde somente por eles pode atuar o sal da terra” (LG 33). Como o mandato missionário de Jesus não exclui os leigos, estes têm o direito e o dever de se empenharem de forma individual ou associada para que o anúncio da salvação seja conhecido e acolhido, especialmente naquelas situações onde as pessoas só poderão ouvir o Evangelho e conhecer Cristo através deles (cf. AA 6).
É preciso lembrar, entretanto, que o papel dos leigos e leigas na missão não se restringe ao importante e indispensável engajamento nas obras de formação e desenvolvimento humano. Eles são convidados a colaborar nas atividades paroquiais e diocesanas, especialmente na catequese, assim como a participar e promover as diversas formas de apostolado leigo (cf. AG, 41).  João Paulo II pede que, na atividade missionária, sejam valorizadas, aproveitadas e respeitadas as várias expressões, índoles e finalidades do laicato: associações do laicato missionário, organismos cristãos de voluntariado internacional, movimentos eclesiais, grupos e sodalícios de diversos tipos (cf. RMi 72).


Itacir Brassiani msf

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