quarta-feira, 20 de julho de 2016

Curso de missiologia (5)

Decálogo da fé em tempos de mudança

Pe. Codina, à esquerda
Na manhã de hoje, quarta-feira, 20 de julho, esteve conosco, no Curso de Aperfeiçoamento da Ação Missionaria, o teólogo jesuíta Victor Codina. Na segunda parte da sua reflexão, apresentou-nos um interessante e desafiador decálogo da fé em tempos de mudança e de compromisso com um outro mundo possível. Aqui estão algumas anotações sobre o que ele nos propôs.
1.  1. A fé é uma experiência humana e espiritual. Aquilo que chamamos de fé religiosa supõe uma abertura e uma confiança prévias, uma fé antropológica. Antes de abrir-nos a Deus, confiamos na vida, nos demais, vivemos uma abertura fundamental. Esta fé antropológica se abre pouco a pouco à fé transcendente. Isso supõe uma iniciação e uma espiritualidade anteriores à fé, uma mistagogia e uma pedagogia, anterior e mais importante que os conteúdos. Em nosso meio, esta espiritualidade prévia, está frequentemente ligada à religião e à cultura original. Mesmo o mundo atual, dessacralizado e desencantado, busca algo mais, tem desejos profundos. Precisamos valorizar e favorecer esta pré-sala da fé, abrirmo-nos a ela, escuta-la, para assim poder acompanhar as pessoas no seu caminho a Cristo. Do ponto de vista apostólico, a pneumatologia precede a cristologia.
2.        A fé é um encontro com Jesus Cristo. O Papa Bento XVI ensina que não começamos a ser cristãos por uma decisão ética ou por uma grande ideia, mas com um encontro pessoal com Jesus Cristo. Este encontro oferece um horizonte novo e uma direção decisiva à nossa fé antropológica. O começo não é uma aceitação de verdades e dogmas, mas com o encontro com uma Pessoa. Não há fé autentica e madura sem este encontro pessoal com Jesus.
3.        Jesus é modelo e exemplo de fé. Ele é certamente o termo e o objeto da nossa fé, mas é também o modelo de fé. Precisamos viver a fé de Jesus, ter os olhos fixos em Jesus, que é quem inicia e arremata a fé. Ele é modelo de fé por sua atitude diante da vida, do Reino, dos pobres, do Pai, inclusive no fracasso da cruz. Ele é caminho que nos conduz a uma fé madura, a crer naquilo e naquele que ele acreditou. Sua ressurreição é uma resposta de Deus Pai, uma resposta que dá razão à sua fé.
4.        A fé em Jesus leva ao seguimento de Jesus de Nazaré. O encontro com Jesus não se limita a uma amizade superficial e romântica, mas leva à aceitação do Reino de Deus, das opções de Jesus, a compartilhar seu caminho. Há quem queira crer em Jesus sem aceitar seus valores e opções, e, por outro lado, outros que aceitam os valores de Jesus sem crer nele. Estes últimos estão mais próximos do Reino de Deus que aqueles. Na Igreja, estão mais próximos do Reino alguns pobres que confiam a Deus mas não participam da Igreja que outras pessoas que aceitam todo corpo doutrinal católico mas não vivem uma adesão cordial e profunda ao Deus de Jesus e à sua vontade.
5.        A opção pelos pobres é constitutiva da nossa fé em Jesus Cristo. A opção pelos pobres é uma consequência da fé em Jesus Cristo, e não apenas um imperativo ético ou filantrópico. A solidariedade com os pobres não é ideologia, mas evangelho que alimenta a nossa fé. Abraçamos Cristo abraçando os pobres. Deus prefere os pobres antes que façamos nos esta opção, e o faz porque a dor injusta que eles sofrem o comove. Em Aparecida, os bispos dizem: “Tudo o que tem a ver com Cristo tem a ver com os pobres, e tudo o que está relacionado com os pobres tem a ver com Jesus Cristo” (DAp 393).
6.        Nossa fé é a fé das Igreja. Se acreditamos em Jesus Cristo é porque a Igreja nos ensina isso mediante sua Palavra e seu Testemunho, inclusive dos nossos pais. Apesar das suas limitações e pecados, a Igreja nos anunciou o melhor que recebeu: a fé em Jesus Cristo, o Salvador. Mas isso não se refere apenas à hierarquia da Igreja, mas a tudo o que a compõe: a comunidade cristã, seus sacramentos, celebrações, santos, mártires... Na fé da Igreja fomos batizados e esperamos morrer.
7.        Nossa fé é comunitária. Compartilhamos a fé com os demais, deles a recebemos. Não podemos dizer “Jesus, sim; Igreja, não!” Apesar dos contratestemunhos da Igreja, o evangelho apostólico é o evangelho da comunidade. A Igreja é uma “casta prostituta”, Pedro é pedra de alicerce e pedra de escândalo.  Em nosso credo, a Igreja não está no segundo artigo (fé em Jesus Cristo), mas no terceiro (fé no Espirito Santo). Cremos que o Espirito está na Igreja e a guia, apesar de seus limites e dificuldades, que ela é corpo de Cristo e não uma empresa ou um clube de futebol?
8.    A fé cresce e se alimenta na oração e na celebração. A fé precisa de alimento, de crescimento. A oração é o pulmão da fé, o exercício da fé. Nela, colocamo-nos nas mãos do Pai, invocamos sua ajuda, agradecemos o que nos faz em nós e por nos. A fé cresce e se fortalece nas orações e celebrações comunitárias, sacramentais ou não.
9.       A fé tem história. A fé não tem apenas uma longa história, de Abraão até nossos dias, mas tem uma história pessoal em nos, com seus altos e baixos. A fé sofre mudanças. Ela não pode ser transmitida pela cultura ambiental como no passado, pois o contexto mudou. A grande questão pastoral é: como transmitir a fé às novas gerações? Não pode ser uma fé simplesmente normativa, doutrinaria, espiritualista.
10.   A fé precisa ser anunciada e comunicada. Não basta defender a ortodoxia da fé, nem a ortopraxis. Precisamos anuncia-la, testemunha-la, transmiti-la, comunica-la. Se a fé é algo bom para nós, sentimos a necessidade de passa-la adiante. Na Igreja primitiva a fé se expandiu mediante os leigos e leigas, que comunicavam aos demais a própria alegria de serem cristãos. Na América Latina, onde frequentemente temos vivencia religiosa com pouco evangelho, precisamos corrigir e completar a evangelização colonial, frequentemente marcada pelo medo e pelo castigo. Precisamos de uma evangelização que chegue ao coração das pessoas, que anuncie Jesus e seu Reino, que leve a sério a Palavra, que se coloque em dialogo.

Itacir Brassiani msf

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