Que as malas estejam
prontas, e as lâmpadas acesas...
Podemos
dizer que o cristianismo é hoje um pequeno rebanho? Os fiéis espalhados pelo
mundo e vinculados às diferentes confissões cristãs são mais de um bilhão, e
isso faz do cristianismo o maior movimento religioso da atualidade. Do ponto de
vista estatístico, não somos um pequeno rebanho, mas uma grande multidão! Mesmo
sendo verdade que estamos diminuindo na Europa, o crescimento nos continentes
africano e asiático continua alimentando nosso sentimento de superioridade.
Contudo, esta hegemonia numérica pode não significar muito do ponto de vista da
fidelidade ao Evangelho de Jesus...
Segundo o
evangelho deste domingo, o próprio Jesus não se deixa impressionar com as
pequenas multidões que o seguem, despertadas pelos sinais que realiza. Os
discípulos e discípulas que entendem o que significa crer em Jesus e seguir
seus passos são poucos, e mesmo esta minoria acaba abandonando-o quando é
acusado, preso, torturado e crucificado. Tudo recomeça a partir de um pequeno
rebanho fiel e corajoso e nele encontra sua força. Quem crê em Jesus Cristo e
segue seus passos tem um tesouro pelo qual está disposto a relativizar tudo o
mais: o Reino de Deus.
Jesus
continua pedindo que busquemos ‘bolsas antifurto’, pois onde está nosso tesouro
também está nosso coração. Para seus discípulos, não há riqueza mais preciosa
que o Reino de Deus. Mesmo que o Reino de Deus seja um sonho que só será pleno
no futuro, a atitude cristã fundamental é a espera ativa. É isso que Jesus nos
ensina hoje, lançando mão de três pequenas parábolas: os empregados que esperam
a volta do patrão; o dono da casa que toma precauções contra os ladrões; os
administradores que um proprietário encarrega de tomar conta da casa durante
sua ausência.
Diante da
resistência das estruturas injustas e da força dos hábitos arraigados, somos
rondados pela tentação da passividade e da fuga espiritualista. Como não
sabemos se o Senhor da história chegará antes da meia-noite ou se o Reino de
Deus só se fará ver na madrugada distante e incerta, entregamo-nos ao sono da
passividade, da indiferença ou da deserção. ‘Já que o Reino é de Deus, que ele
mesmo abra a porta quando resolver voltar... Já fazemos muito entregando-nos à
oração...’ Assim pensam alguns, para aliviar a consciência e justificar a
própria inércia...
Estamos
no mundo à espera de Alguém que está para voltar. Temos que estar acordados
para abrir a porta quando ele chegar e bater. Precisamos esperar o Reino de
Deus colocando-nos a serviço do povo de Deus. “Ficai de prontidão, em traje de
serviço, e com as lâmpadas acesas.” Os que apostamos no caminho alternativo
proposto por Jesus somos sim um pequeno rebanho, mas existimos para ajudar no
parto da nova humanidade. Não podemos dormir sobre os efêmeros louros de um
passado numericamente glorioso. A Igreja é um depósito de sementes que devem
ser jogadas na terra.
É triste
quando a Igreja esquece sua razão de ser e se preocupa unicamente com seus
direitos, poderes e tradições. Missão do povo de Deus é empenhar-se para que a
humanidade receba seu trigo na hora certa, seja atendida em seus direitos
fundamentais. Festejar com os grandes do mundo, embriagar-se com as falsas
liturgias do poder, bater com a vara da excomunhão os próprios irmãos –
inclusive porque propõem uma teologia diferente ou reconhecem os carismas
ministeriais também nas mulheres – é coisa que nos iguala às figuras mais
execráveis da história. E nos faz merecer chicotadas sem número...
Estamos
neste mundo como administradores aos quais se confia o cuidado da casa, a quem
se pede vigilância e serviço aos irmãos e irmãs. Temos o direito de festejar e
celebrar os inúmeros pequenos avanços do Reino de Deus, mas sem deixarmo-nos
embriagar pelas ideologias do poder e do sucesso. Nossa condição é a mesma
daquela de Abraão: vivemos na história como errantes que ainda buscam uma
pátria definitiva, mas que, todos os dias, abrem as mãos no serviço aos irmãos
e irmãs. Com Abraão e outras grandes testemunhas da fé, sabemos que não temos
aqui morada definitiva, mas apenas tendas leves e provisórias, que podem ser armadas
e desarmadas facilmente.
Jesus de Nazaré, peregrino no santuário das dores e
sonhos humanos: tu nos enriqueces com tua pobreza e tua paixão pelo Reino de
Deus. Te agradecemos por Clara de Assis, Edith Stein, Domingos de Gusmão, Frei
Tito, Margarida Alves e Pe. Alfredinho, discípulos que seduziste, irmãos e
irmãs que nos destes. Eles fizeram bolsas que não se estragam e adquiriram
tesouros que ninguém pode roubar. A precariedade e o medo não os impediu de
lutar, mesmo que só tenham saudado de longe a utopia que os orientou. Com estas
luzes, ilumina e sustenta os ministros ordenados na bela missão de guiar e
servir teu povo. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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