Olimpíada: palavra
feminina
Foi muito bonita a festa de abertura da Olimpíada. Isso é o
mínimo que se pode dizer. Quando Paulinho da Viola, com sua voz pequena e
perfeita, entoou, ao som do violão, o Hino Nacional o coração quase não
aguentou. Que beleza! Como precisávamos dessa beleza associada à doçura, em um
momento tão difícil como o que vivemos! O que se seguiu confirmou nosso
deslumbramento. Um show de criatividade, competência, bom gosto... O coração
cheio de orgulho de constatar que quando queremos, podemos e fazemos.
Resgato um dos pontos altos dessa abertura: o desfile de Gisele
Bündchen ao som de “Garota de Ipanema”. De certa maneira, sinto que aquilo
marcou a nossa Olimpíada com o selo da feminilidade. La Bündchen atravessando
sua mais longa passarela com aquela beleza toda, aquela dignidade, aquele porte
impecável das pampas sulinas nossas, muito nossas, encheu o Maracanã de um
perfume de mulher que deveria se prolongar ao longo dos dias iniciais das
provas esportivas cariocas. O que começou a acontecer nos dias seguintes, a meu
ver, confirma isso.
Primeiro foi o futebol, xodó e paixão do povo brasileiro. Pois
não é que o futebol feminino anda brilhando, enquanto o masculino, com Neymar e
tudo, já viu dias melhores? Com Marta e outras muitas, as meninas parecem ter
fogo no pé e chutam a gol com garra e determinação. E isso já gera comentários,
piadas e até mesmo memes nas redes
sociais. Futebol deixou de ser coisa de homem, ao menos em termos de
exclusividade. As meninas jogam muito e o povo corresponde a sua dedicação com
torcida, aplausos e carinho. E não falamos apenas do Brasil. É impressionante a
quantidade e a qualidade dos times de futebol feminino que vieram do mundo inteiro
ao Rio de Janeiro. Viva elas!
Depois saímos do Brasil e vamos até a Síria e sua terra arrasada
por uma guerra cruel e injusta e pelo êxodo de quantidades cada vez maiores de
sua população. Yusra Mardini, uma bela jovem síria, de 18 anos, competiu no
nado borboleta. Ela não se classificou para a semifinal, mas foi ovacionada
pela plateia que acompanhava a prova no Centro Aquático Olímpico, no Rio de
Janeiro.
Na minha opinião, a classificação não era necessária, pois a
vitória já fora alcançada por Yusra há um ano, quando ela e membros de sua
família deixaram a Síria em direção à Europa em um bote inflável. Quando o
barco parou, Yusra e sua irmã jogaram-se ao mar e, nadando durante três horas
na água fria, conseguiram levar o bote até terra firme, salvando a vida de 20
pessoas. Após atravessar a pé a Europa, Yusra chegou a Londres, onde conseguiu
inscrever-se para a prova, ficando em 41º lugar entre 100 concorrentes. Atleta
do esporte e sobretudo da vida, o futuro é sem limites para a natação de Yusra,
que com seu belo sorriso, estará de volta na próxima Olimpíada, com certeza.
E finalmente a judoca brasileira Rafaela, da Cidade de Deus, Rio
de Janeiro. Menina pobre, determinada. Seu sobrenome é Silva, o mais simples e
corriqueiro dos nossos sobrenomes. O Brasil inteiro levantou-se e gritou de
alegria quando a afrodescendente Rafaela subiu ao pódio e recebeu a medalha de
ouro ao redor de seu pescoço e no peito. Que beleza, menina! Valeu a pena todo
o esforço, a superação dos obstáculos aparentemente intransponíveis, as
desclassificações anteriores. Valeu a pena a pobreza suportada e o sonho mais
que vivo. Valeu a pena a dedicação e a fé. Valeu, Rafaela! Você é ouro, você é
de ouro!
Que me perdoe o barão de Coubertin, criador dos Jogos Olímpicos
da era moderna, que era contra a presença de mulheres nas provas olímpicas e
que em 1928 teve que demitir-se do cargo de presidente de honra do Comitê
Olímpico Internacional. Para ele, a presença de mulheres traía o ideal
olímpico. Na Rio 2016, olimpíada em que se registra o maior número de mulheres
de todos os tempos, são elas que brilham. Brilham desde sua condição de mulher.
Trazem na bagagem sofrimentos e dificuldades muitas devidas ao fato de serem
mulheres e teimosamente haverem querido entrar em um campo considerado
apropriado apenas para homens.
Como sempre têm feito as mulheres, elas desejaram um espaço,
prepararam-se e o ocuparam com competência. Agora, não apenas contam com
especialidades apenas delas, como o nado sincronizado e a ginástica artística, como
entram em disputas junto com os homens, ao seu lado ou em times à parte. De
Gisele Bündchen a Rafaela, passando pelas jogadoras de futebol e pela heroica
menina síria, o perfume de mulher continua impregnando de delicioso aroma essas
Olimpíadas, fazendo-as mais bonitas, levantando alto a bandeira da igualdade de
direitos.
Obrigada, meninas! Valeu muito! Vocês ainda não fazem ideia de
quantas portas estão abrindo com sua coragem, destreza e desempenho. Deus as
abençoe!
Maria Clara Bingemer
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