terça-feira, 16 de agosto de 2016

Rio 2016

Olimpíada: palavra feminina
Foi muito bonita a festa de abertura da Olimpíada. Isso é o mínimo que se pode dizer. Quando Paulinho da Viola, com sua voz pequena e perfeita, entoou, ao som do violão, o Hino Nacional o coração quase não aguentou. Que beleza! Como precisávamos dessa beleza associada à doçura, em um momento tão difícil como o que vivemos! O que se seguiu confirmou nosso deslumbramento. Um show de criatividade, competência, bom gosto... O coração cheio de orgulho de constatar que quando queremos, podemos e fazemos.
Resgato um dos pontos altos dessa abertura: o desfile de Gisele Bündchen ao som de “Garota de Ipanema”. De certa maneira, sinto que aquilo marcou a nossa Olimpíada com o selo da feminilidade. La Bündchen atravessando sua mais longa passarela com aquela beleza toda, aquela dignidade, aquele porte impecável das pampas sulinas nossas, muito nossas, encheu o Maracanã de um perfume de mulher que deveria se prolongar ao longo dos dias iniciais das provas esportivas cariocas. O que começou a acontecer nos dias seguintes, a meu ver, confirma isso.
Primeiro foi o futebol, xodó e paixão do povo brasileiro. Pois não é que o futebol feminino anda brilhando, enquanto o masculino, com Neymar e tudo, já viu dias melhores? Com Marta e outras muitas, as meninas parecem ter fogo no pé e chutam a gol com garra e determinação. E isso já gera comentários, piadas e até mesmo memes nas redes sociais. Futebol deixou de ser coisa de homem, ao menos em termos de exclusividade. As meninas jogam muito e o povo corresponde a sua dedicação com torcida, aplausos e carinho. E não falamos apenas do Brasil. É impressionante a quantidade e a qualidade dos times de futebol feminino que vieram do mundo inteiro ao Rio de Janeiro. Viva elas!
Depois saímos do Brasil e vamos até a Síria e sua terra arrasada por uma guerra cruel e injusta e pelo êxodo de quantidades cada vez maiores de sua população. Yusra Mardini, uma bela jovem síria, de 18 anos, competiu no nado borboleta. Ela não se classificou para a semifinal, mas foi ovacionada pela plateia que acompanhava a prova no Centro Aquático Olímpico, no Rio de Janeiro.
Na minha opinião, a classificação não era necessária, pois a vitória já fora alcançada por Yusra há um ano, quando ela e membros de sua família deixaram a Síria em direção à Europa em um bote inflável. Quando o barco parou, Yusra e sua irmã jogaram-se ao mar e, nadando durante três horas na água fria, conseguiram levar o bote até terra firme, salvando a vida de 20 pessoas. Após atravessar a pé a Europa, Yusra chegou a Londres, onde conseguiu inscrever-se para a prova, ficando em 41º lugar entre 100 concorrentes. Atleta do esporte e sobretudo da vida, o futuro é sem limites para a natação de Yusra, que com seu belo sorriso, estará de volta na próxima Olimpíada, com certeza.
E finalmente a judoca brasileira Rafaela, da Cidade de Deus, Rio de Janeiro. Menina pobre, determinada. Seu sobrenome é Silva, o mais simples e corriqueiro dos nossos sobrenomes. O Brasil inteiro levantou-se e gritou de alegria quando a afrodescendente Rafaela subiu ao pódio e recebeu a medalha de ouro ao redor de seu pescoço e no peito. Que beleza, menina! Valeu a pena todo o esforço, a superação dos obstáculos aparentemente intransponíveis, as desclassificações anteriores. Valeu a pena a pobreza suportada e o sonho mais que vivo. Valeu a pena a dedicação e a fé. Valeu, Rafaela! Você é ouro, você é de ouro!
Que me perdoe o barão de Coubertin, criador dos Jogos Olímpicos da era moderna, que era contra a presença de mulheres nas provas olímpicas e que em 1928 teve que demitir-se do cargo de presidente de honra do Comitê Olímpico Internacional. Para ele, a presença de mulheres traía o ideal olímpico. Na Rio 2016, olimpíada em que se registra o maior número de mulheres de todos os tempos, são elas que brilham. Brilham desde sua condição de mulher. Trazem na bagagem sofrimentos e dificuldades muitas devidas ao fato de serem mulheres e teimosamente haverem querido entrar em um campo considerado apropriado apenas para homens.
Como sempre têm feito as mulheres, elas desejaram um espaço, prepararam-se e o ocuparam com competência. Agora, não apenas contam com especialidades apenas delas, como o nado sincronizado e a ginástica artística, como entram em disputas junto com os homens, ao seu lado ou em times à parte. De Gisele Bündchen a Rafaela, passando pelas jogadoras de futebol e pela heroica menina síria, o perfume de mulher continua impregnando de delicioso aroma essas Olimpíadas, fazendo-as mais bonitas, levantando alto a bandeira da igualdade de direitos.
Obrigada, meninas! Valeu muito! Vocês ainda não fazem ideia de quantas portas estão abrindo com sua coragem, destreza e desempenho. Deus as abençoe!

Maria Clara Bingemer

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